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2/3 dos moradores não possuem água encanada em Macaíba

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MACAÍBA - Moradores de Macaíba andam quilômetros e enfrentam filas enormes para poder conseguir água. O sofrimento dura anosDepois de Parnamirim, Macaíba está entre os municípios mais cobiçados pela construção civil para futuros e milionários empreendimentos imobiliários. É o principal escape ao crescimento urbano de Natal, cujos espaços praticamente  desapareceram na última década.

Com 200 anos de fundação e 64 mil habitantes, Macaíba é também um dos 40 municípios potiguares que recebeu, este ano, o selo Unicef, por boas políticas públicas em relação às suas crianças e adolescentes.

Com tantas credenciais, o grande problema de Macaíba continua sendo mesmo o mais antigo deles – falta de água. Hoje, mais de 2/3 dos moradores não podem dizer que tenham água encanada. Nas casas, os reservatórios racham de tão secos. Os alunos das 45 escolas municipais são dispensados antes da hora porque não existe água na cozinhas para as merendeiras trabalharem. Unidades de saúde, secretarias municipais, creches e até obras públicas são abastecidas por caminhões pipa. E, se falta água até para o gestor público, o que  dirá a população.

“Água aqui é um artigo de luxo, existe para poucos”, desabafa Silva Santos Lunga, 50 anos, dona-de-casa. Todas as manhãs e às tardes ela se acomoda a uma fila que chega a 50 pessoas, na comunidade de São José, situada a pouco mais de um quilômetro da Prefeitura Municipal.

Em Macaíba, enquanto o Plano Diretor do Município não for votado na Câmara, bairro é apenas uma expressão híbrida para se definir um grupamento humano.

Com 2 mil habitantes – num cálculo aproximado dos próprios moradores -, pode-se dizer que a comunidade de São José esteja até no rol das privilegiadas. A generosidade do dono de um posto de gasolina, que passa o dia ligando e desligando a bomba d’água privativa, enche centenas de baldes e tonéis que os moradores trazem à pé, de carro, em lombo de burro e em carroças.

A louça do almoço de Elis Rejane Cantídio é fina: anda de carro. Vai todos os dias para a casa  de uma parente para ser lavada. A gasolina nesse interminável vai e vem fica por conta de Erivan Gonçalves, o marido de Elis.

O dono do posto de gasolina de São José tem residência fixa em São Paulo do Potengi e atende pelo apelido de Maré Mansa. Há dois anos, desde que comprou o posto de bandeira Petrobras, ele paga todos os meses 150 reais a mais na conta de luz para encher tantos baldes. Já está pensando em fechar a torneira, previne o gerente no posto. “Mais um pouco ele se elege vereador fácil, fácil”, reconhece o empregado.

Rede não acompanha crescimento

Histórias assim são acompanhadas por todo o tipo de especulação. Uma delas – repetidas por todos – é que no final do ano a Caern estaria oferecendo um prêmio a seus gerentes que mais economizassem água nos municípios e distritos atendidos.

Essa conversa já foi parar até no ouvido do promotor do consumidor de Macaíba, Mortom Luiz Faria de Medeiros. “Já ouvi isso também, mas não há comprovação”, afirma.

Comprovação mesmo ele tem da falta de água, aliás, desde que chegou a Macaíba, em 2004. Alarmado com o problema, o promotor resolveu resumir todos os procedimentos cabíveis ao Ministério Público sobre falta de água no município a uma única ação civil pública que nunca sai da fase de inquérito – portanto, de investigação. E as queixas são centenas, oriundas de quase todas as localidades da cidade.

O promotor explica que prefere agir pontualmente, caso a caso, por não confiar num retorno mais eficaz caso a questão progrida nas instâncias do Poder Judiciário. Mortom, reconhece que na Caern muita coisa ainda é mais política do que técnica. Mas assegura: vai buscar todas as soluções possíveis enquanto estiver no posto.

Uma das saídas enxergadas por ele estaria na Vila Recreio em uma área defronte ao centro industrial da cidade, na BR 364, onde há um manancial subterrâneo capaz de abastecer com folga todo o município.

O problema é outro – falta de investimento para levar a água a todos os milhares de interessados, tanto na cidade como na zona rural sob responsabilidade contratual da Caern.

Não é de hoje, o promotor vem acompanhando a falta de poder financeiro da Caern em investimento em Macaíba. O que é uma suspeita para ele, no entanto, é uma realidade para o secretário José Wilson Ferreira, que acumula as pastas de Educação e Planejamento do município. “Essa ausência de investimentos é muito antiga e não resistiu a uma taxa de crescimento da cidade na última década de 7% ao ano”, resume.

Contrato com Caern termina em janeiro

Mas as coisas podem mudar a partir de janeiro, quando termina a concessão precária entre o município e a Caern – e passa a vigorar a nova lei aprovada pelo Congresso em 2007, reordenando o relacionamento entre permissionárias e concessionárias do serviço de água e esgoto.

“Será seguramente uma boa maneira, inclusive, de abrirmos a caixa preta da Caern para ver, por exemplo, o que ela gasta e fatura em Macaíba”, diz o secretário José Wilson.

Os problemas entre a administração de Macaíba e a Caern, de tão antigos, já viraram folclóricos. Em sua edição de julho de 2005, o informativo da Prefeitura Municipal noticiava, com destaque, a promessa da Caern de “que não faltará água e que tomará providências sobre os buracos”.

Nem uma coisa e nem outra. “Os  buracos de reparo no encanamento antigo de amianto são deixados  apenas com terra por cima pela Caern”, diz o secretário de Infra-estrutura de Macaíba, Raw Plácido Saraiva, com fotos para provar o que afirma.  “É um problema interminável!”, ironiza.

Que o diga o empresário Washington Tsuruga, cuja fábrica de artefatos de cimento, dimensionada para produzir 100 mil blocos por mês, está entre tantos a sofrer  com a falta d’água.  Com 15 empregados, há 40 dias consecutivos sua linha de produção não anda. Na casa do empresário a escassez mostra sua face democrática. “A maioria dos meus amigos, que moram no centro, tem queixas semelhantes”, diz Tsoruga. “É um problema inacreditável!” – desabafa.

O prefeito Fernando Cunha, que deixa o cargo em janeiro com a fama de quem fez sucessor, prefere não dar declarações. Com o celular nas mãos, começa a ligar para todos os líderes comunitários que conhece: Conjunto São Geraldo, bairro Santo Antônio, Vila São José I e II, Bairro bom Sossego. A lista inicial ultrapassa a 20 localidades. A relação inclui, ainda, o Parque da Mangueira, Auta de Souza, Recreio do Trevo, Loteamento Esperança, Campinas, Tavares Lira, Campo da Mangueira, Alto da Raiz e por ai afora.

Um dos três primeiros moradores do bairro São José (do começo desta reportagem), Vicente Francisco da Silva, 78 anos, diz que a falta de água nunca deixou de existir. Mas tem a sensação de que há 33 anos, embora as dificuldades fossem grandes, havia mais atendimento e amparo. “De uns anos para cá é que as coisas pioraram mesmo”, testemunha.

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