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3 por 4 – Antônio Torres

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Conversar com o escritor Antônio Torres, um dos maiores romancistas brasileiros, é uma aula: de literatura, de simplicidade e de encantamento com a visão da literatura e do próprio mundo de Torres. Do menino que nasceu na zona rural baiana e escrevia cartas para os amigos ainda há muitas lembranças, hoje Torres é um escritor consagrado, premiado. No entanto, nem por isso deixa de confessar que ainda se “assusta”. Mas assustar com que? De pronto ele responde: com o mundo, com o tamanho do Brasil. 

“Sempre fui assustado. Sempre fui o menino da roça assustado com a rua. Depois fiquei assustado com a cidade, depois fiquei assustado com o mundo. E até hoje tenho esse assustado. Você me falar essas coisas bonitas (de reconhecimento) me deixa assustado porque não esperava tanto”, diz Antônio Torres, que esteve em Natal para participar do evento que comemorou o aniversário do programa Espaço Cidadão, da TV União.

Quando menino, Antônio Torres escrevia cartas para os amigos que as endereçavam para as meninas e essas pediam ao próprio Torres para ler e responder a carta. Histórias que hoje alicerçam os romances do escritor. Quais os sentimentos que não podem falar a um romance? 

“Os de sempre, desde a Bíblia, desde Shakespeare, o amor, o ódio, o ciúme, a inveja, a luta pela vida, a busca do sentido da vida e a preocupação com a morte. É isso que faz um romance”, diz Antônio Torres. 

O convidado de hoje do 3 por 4 é um premiado escritor, um cidadão que encanta pela própria história de vida. Com vocês, Antônio Torres.

Como se tornar um romancista?
É uma longa história. Uma história  cheia de histórias como deve ser o romance. Uma história que começou na minha infância, sou nordestino, do interior da Bahia, mas uma realidade cultural mais forte do Nordeste propriamente dita do que Salvador, do que a região do recôncavo baiano. Era um mundo onde o mundo não existia. Não havia, como cantava Luiz Gonzaga o Rei do Baião, “uma terra sem rádio e sem notícia das terras civilizadas e sem livros”. Hoje acho que o tipo de terra assim é perfeita para o escritor nascer. Se não tem nada, ele tem que inventar e aí está o segredo do romance. É uma história que nasce do nada. Nasci em um lugar onde não existia nada. Foi perfeito isso. O romancista nasceu ali e, provavelmente, no dia em que a professora da escola rural deu para os seus alunos um tema para fazer uma composição escolar e o tema era: um dia de chuva. Como o lugar era chegado a uma seca precisava de muita imaginação para descrever a chuva. Então pronto.

Nascer em terreno arenoso, em um cenário desse e hoje ser apontado como um exímio romancista e ter recebido alguns dos maiores prêmios da literatura, isso lhe surpreende, foi o caminho natural ou ainda lhe assusta?
É engraçado vou pegar a palavra ao pé da letra: assustar. Estive em Valença do Piauí no mês pasado e ontem recebi de lá de Teresina uma foto minha feita por um escritor do Piauí chamado Sinéia Santos. E ele mandou a foto com um bilhete: você parece muito assustado, quando crescer isso passa. E aí pensei: sempre fui assustado. Sempre fui o menino da roça assustado com a rua. Depois fiquei assustado com a cidade, depois fiquei assustado com o mundo. E até hoje tenho esse assustado. Você me falar essas coisas bonitas (de reconhecimento) me deixa assustado porque não esperava tanto. Sinceramente, sempre quis escrever é uma coisa que veio da infância, tem algo também ligado a isso porque me alfabetizei muito rápido no mundo onde isso não era normal. Foi na idade convencional, mas o que não era normal era as pessoas se alfabetizarem no grau e na rapidez com que eu me alfabetizei. Foi um negócio que criou espanto. Eu fiquei espantado com a repercussão disso. De repente os rapazes dos lugares estavam me procurando para escrever as cartas para as namoradas. E as moças me procuravam para eu ler as cartas e fazer as respostas. A coisa da minha ligação com a escrita teve um elemento que vem do amor, do afeto, e de uma forma muito forte. Depois passou para a coisa dos imigrantes, iam para região do cacau na Bahia, sumiam no mundo e chegavam no lombo de um burro e traziam as cartas desses homens. Eu era chamado para ler as cartas daquelas mulheres e elas se debruçavam nos meus ombros e choravam, choravam e quando respondia elas me contavam para eu colocar no papel. Tudo isso formou o romancista que eu sou e para quem o escrever tem o sentido de serviço para o outro. Esse outro não sabia escrever, que foi minha origem. O que me espanta é a dimensão que isso tomou no meu andar, na minha trajetória. Eu já andei desde os anos 70 continuo andando pelo Brasil. De Manaus a Passo Fundo, de Porto Velho a Criciúma. O que me espanta com tudo isso, como esse país é grande, e isso é um espanto. E um dia um editor alemão vira para mim para comentar o romance “Essa terra”, que eu escrevi, e ele perguntou se eu sabia o que tinha escrito. Eu disse que não. E ele disse: “você escreveu sobre a solidão de um país grande”. Isso me espantou.

O senhor disse que antes escrevia para uma pessoa determinada (na infância, no caso das cartas). Hoje o senhor escreve para quem?
Não sei. Mas quando estou escrevendo é como se tivesse conversando com alguém, que não está na minha frente, mas está dentro de mim. Está no meu imaginário. Alguém está lendo na hora em que estou escrevendo. Aquela pessoa (imaginária) não está me respondendo, mas está me ouvindo. Estou conversando com alguém. Sempre tem isso. Não sei quem é esse alguém, depois se corporifica, você vê em algum lugar, no auditório. Mas naquela hora que escrevo é por alguém que não sei como é o rosto.

O senhor disse que se assusta com o mundo. O que lhe assusta no mundo?
Aí vem a coisa da infância do menino da roça. Quando chegava no povoado, que era a rua, eu achava que aqueles meninos da rua eram mais sabidos. Então eu ando pelo mundo que o mundo é cheio de sabidos e eu não sou um sabido, sou um tabarel da roça. Mas de alguma vantagem isso deve me dar alguma vantagem, que é a da permanente curiosidade diante do mundo, das pessoas e das coisas.

Que sentimentos não podem faltar em um romance?
Os de sempre, desde a Bíblia, desde Shakespeare, o amor, o ódio, o ciúme, a inveja, a luta pela vida, a busca do sentido da vida e a preocupação com a morte. É isso que faz um romance.

Como escritor, como o senhor avalia o que muitos chamam de “empobrecimento da linguagem”? Isso é fato?
Está ocorrendo muito pela banalização da linguagem através dos meios eletrônicos. Eles (os meios eletrônicos) de alguma maneira tem contribuído para a banalização da linguagem, sobretudo a questão da Internet.

Isso é uma crítica a forma como se escreve na Internet?
O que eu noto na Internet é uma vontade, como todo mundo escreve, e por ser um “mundo”, claro que há uma facilidade enorme de comunicação, há textos maravilhosos na Internet, mas nós temos hoje mais de 1 milhão de blogs. Ou seja, são mais de 1 milhão de pessoas que se acham escritoras. Nesse mais de 1 milhão, claro que tem blogs maravilhosos, e tem coisas apenas diletantes. E aí entra uma questão delicada, mas que é real: você na literatura você só se torna escritor quando passou por um grande crivo, do editor, que por sua vez busca o crivo através de profissionais que ele contrata para analisar se o livro merece ou não ser publicado. Depois você tem o crivo da crítica e depois do leitor. O blogueiro não passa por crivo nenhum. O céu é o limite. Tudo é com ele. É nesse sentido que eu vejo. Ele não submeteu a ninguém que viu o texto dele. O texto para ser considerado texto tem que chegar a conquista da linguagem e o domínio do estilo e mais nada. São coisas simples, mas vai ver o quão difícil elas são para você conquistar e dominar. É nesse sentido que eu falo do empobrecimento da linguagem para você dominar pela facilitação desse meio tão fantástico e que leva todo mundo a achar que qualquer coisa é a mesma coisa. Por outro lado, eu tenho visto muitos novos escritores e acho que eles cresceram muito. E acho que está se escrevendo muito bem, com um apuro formal e técnico muito grande, que me encanta, me assusta.

O que falta Antônio Torres escrever?
Um grande romance. O romance dos meus sonhos.

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