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50 anos de Transa

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Alex Medeiros
Na fronteira das décadas de 1960 e 1970, o verbo transar era quase que exclusivamente uma expressão de negociação comercial, até que foi abocanhado pelo linguajar da geração hippie para as “transações” de coisinhas lisérgicas, missangas artesanais, apontamentos de tribos e inclinações musicais. Foi nesta onda que em 1971 Caetano Veloso juntou uma galera em Londres para transar um disco, que foi intitulado Transa e então virou história.
Foi seu segundo LP gravado na capital inglesa, após London London, e o sexto da carreira. Foi lançado em janeiro de 1972 com o selo da Philips. Apesar de repetir as referências ao Brasil e às transações culturais da época, Transa não tinha letras melancólicas; era um lance de banda, como um show ao vivo, com Jards Macalé, Tutty Moreno, Áureo de Souza e Moacyr Albuquerque, tendo ainda uma garota dando canja com uma gaita: seu nome era Ângela Ro Ro.
Um LP diferente e inovador, contendo apenas sete faixas, sendo três no lado A e quatro no B. Com repertório autoral extremamente pessoal. A bolacha de vinil encaixada numa capa estranha que quando manuseada virava um prisma.
Para o advogado Jorge Galvão, fã do rock e do tropicalismo, “poucos discos possuem o condão de externar, sem confundir, a exata extensão do sentimento de um autor”. E como muitos, ele acha Transa o melhor álbum do gênio baiano.
O próprio Caetano, décadas após, declarou que tinha naquele disco um dos melhores, senão o melhor, da sua extensa obra. Como um LP não popular, seu sucesso foi um espanto, entre os dez mais vendidos em abril e maio de 1972.
Semana passada, quando refutei um festival dedicado a supostos 40 anos do rock no Brasil, fui questionado por incluir Caetano na lista dos que fizeram rock a partir dos anos 1950. Pois o tal disco é um dos documentos comprobatórios.
Anos antes, com a Tropicália, Caetano já havia introduzido as guitarras e a estética do rock na MPB. E Transa é apenas mais um elemento da sua adesão à ebulição roqueira de Londres aos efeitos revolucionários vindos de Liverpool.
Ele transa Beatles na primeira faixa do lado B, “It’s A Long Way”, cantando em inglês “acordei esta manhã cantando uma velha canção dos Beatles / nós não somos tão fortes, meu senhor… Ouço minha voz entre outras no raiar do dia”.
O jornalista Rodrigo Hammer é taxativo: “Um álbum que vibra no diapasão lisérgico da Swingin London no momento em que o resto do mundo civilizado chorava o cadáver insepulto do Festival de Altamont” (realizado em 1969).
Na mistura de tudo (a canção de abertura You Don’t Know Me tem baião e balada pop) Caetano também introduz o reggae jamaicano na MPB e faz com Triste Bahia um sarau de Gregório de Matos com toadas de macumba e coco.
Quem transava rock em 1972 era Graco Medeiros: “It’s A Long Way e Triste Bahia são as duas melhores faixas, além de Mora na Filosofia, onde registra a autoria de Arnaldo Passos sem a parceria de Monsuetto, uma falha mortal”. 
O baixista Paulo Sarkis diz que Transa “lembra o guitarrista Lanny Gordin, cuja participação nos LPs Araçá Azul e Gal Fatal marcou o período e certamente exerceu influência”. Nos anos 80, ele deu guarida a um Lanny esfarrapado.
E eu entrei no ginásio quando o disco saiu; mas só o ouvi de verdade em 1977 quando curtia a Esquina do Rock, em Candelária. Lembro que Triste Bahia virou motivo de zoação contra uma garota do curso de Geografia na UFRN.
Naqueles dias de limbo entre o governo Figueiredo e a anistia, a moça bonita, exímia jogadora de frescobol em Ponta Negra, não dava bola aos marmanjos, que cantavam “pé dentro pé fora quem tiver pé pequeno que vá embora”.
Transa é um disco seminal, e na observação de Jorge Galvão, “que reflete sentimentos antagônicos como esperança e pessimismo”. Cinquenta anos depois, segue como retrato do refinamento musical e poético de Caetano Veloso.
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“Um amigo tentou me convencer da existência de deuses e demônios em batalha constante no universo. Chamei-o de esotérico e ele me respondeu: – esotéricos são vocês jornalistas que acreditam em pesquisas de opinião”.
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