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50 anos do Governo da Esperança: O tempo das mudanças

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A história política do Rio Grande do Norte registra o cinquentenário de uma administração que marcou época e se mantém influente. Eleito após uma campanha inusitada e nunca mais repetida por outro político estadual, Aluízio Alves lançou as bases da modernidade que – ainda incompleta – o RN tenta concretizar. No dia 31 de janeiro de 1961 começava o “Governo da Esperança”.

O início de como tudo mudou

Desenvolvimento, modernidade, industrialização, mudanças que tirariam o Rio Grande do Norte da condição de estado dependente das ajudas federais, levando-o a ser protagonista do próprio crescimento socioeconômico. Foi com essas propostas que o jovem deputado federal Aluizio Alves (com 39 anos anos) tomou posse como governador do Rio Grande do Norte em 31 de janeiro de 1961.  Cinquenta anos depois, elas não chegam a ser uma realidade completa e acabada e, por isso mesmo, não perdem a validade. 

Ao final de uma campanha eleitoral que virou de cabeça para baixo o cenário político-partidário do estado, o governo Aluízio Alves pretendia revolucionar a administração pública, inovando e modernizando as ações de governoAo final de uma campanha eleitoral que virou de cabeça para baixo o cenário político-partidário do estado, o governo Aluízio Alves pretendia revolucionar a administração pública, inovando e modernizando as ações de governo através da ação dinâmica de uma equipe jovem e inspirada nos ideais desenvolvimentistas de Celso Furtado. A ideia fixa, recomendada pelo novo governador a todos os auxiliares, era “construir as condições básicas para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte”.

Percorrendo uma trajetória onde política, jornalismo, leituras e estudos, propostas e debates sobre os problemas economicos e sociais nacionais e regionais sempre estiveram presentes, Aluízio Alves tinha consciência, da situação em que se encontrava o Rio Grande do Norte: uma região atrasada, subdesenvolvida e totalmente desestruturada para pleitear um lugar no rol das políticas de desenvolvimento industrial que o Brasil experimentava. A máquina administrativa do governo, herdada de uma tradição de apadrinhamentos e empreguismo, era absoleta, com servidores  desatualizados quanto as novas técnicas de administração pública. Sequer existia uma  secretaria de Planejamento ou algo parecido. As finanças, sem qualquer controle técnico ou política fiscal, estavam confusas, com o funcionalismo e os fornecedores do governo sem receber pagamentos há sete meses.

A realidade era desmotivadora, mas o novo governo tenha pressa. Começou por por melhorar o nível dos funcionários, através de cursos, criando gratificações e dando promoções aos que participassem desses treinamentos. Era uma ação básica para reconquistar o entusiasmo do funcionalismo, mas não o suficiente para modernizar o processo administrativo.

A máquina burocrática, arcaica e ultrapassada, não oferecia condições para atender a demanda de tantas iniciativas. Para suplantar tais obstáculos, o governo não vacilou em criar novas instituições. A medida que os desafios propostos foram sendo abordados, os projetos aprovados saiam do papel e as novas exigências se apresentavam às ações do governo, foram sendo criadas secretarias especificas para cada áreas, a partir de grupos de trabalho. Entre todas as necessidades, para iniciar o processo de desenvolvimento industrial que o governo propunha implantar, era necessário, sobretudo, energia farta e barata, facilidade de comunicação com os grandes centros urbanos e boas estradas.

#maisinformacoes#Entre 1961 e 1964, o Rio Grande do Norte viu surgirem a Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte (Cosern), a Companhia Telefônica do Rio Grande do Norte (Telern), o Serviço Cooperativo de Educação (Secern), a Companhia de Habitação (Cohab/RN) e a Codern (Companhia de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte), instituição que tenha o encargo de planejar o desenvolvimento,  orientando os investimentos que modificariam a estrutura econômica do Rio Grande do Norte.

O “Governo da Esprança”, como foi batizado pelos aliados e partidários de Aluízio Alves, durou 1.825 dias e, segundo cálculos do pesquisador Luiz Antonio Porpino – um dos auxiliares pessoais do então governador – construiu cerca de 1.300 obras. O homem que o conduziu, tentando mudar a face oligarca da política e o coronelismo administrativo potiguares, não obteve sucesso em tudo que propôs.

Governador aos 39 anos, fez o sucessor e voltou à Câmara Federal, mas acabou cassado pela ditadura militar que se instalará no país em abril de 1964. Passou 20 anos afastado da política. No regresso, não conseguiu um novo mandato para governador, mas foi deputado federal por mais um mandato e  ministro de Estado por duas vezes. Morreu em 2006, com alguns sonhos realizados e outros ainda por realizar.  Por ter criado as condições para que o Estado pudesse se desenvolver, pela modernização que implantou, o governo de Aluízio Alves foi considerado – por alguns – como “revolucionário”. Por outros, foi um período de “populismo e demagogia”.

O principal personagem dele – Aluízio Alves – nunca quis nem procurou a unanimidade. Em um texto memorialístico, admite: “Lutei. Sofri injustiças. Cometi involuntariamente outras Despertei amor e gerei ódios Conquistei o povo, perdi amigos e ganhei inimigos”. Contra ou favor do que o governo dele realizou ou deixou de fazer, a verdade histórica permanece: o Rio Grande do Norte nunca mais foi o mesmo depois de 31 de janeiro de 1961, quando começou o “Governo da Esperança”. 

A ousadia no poder

Aluízio Alves foi empossado chefe do Executivo Estadual no dia 31 de janeiro de 1961, no Teatro Alberto Maranhão, sucedendo ao governador Dinarte Mariz.. Depois da festa, o mesmo clima de inovação e mudanças que marcou a campanha eleitoral subiu as escadarias do Palácio Potengi (dali a pouco rebatizado “Palácio da Esperança”), instalou-se no gabinete do novo governador e se estendeu por todo o governo que começava. Nada devia ser como antes, tudo devia mudar, o novo nunca foi convencional.
“Se chegássemos no gabinete dele (Aluízio) com ideias palpáveis, embora consideradas mirabolantes para a época, ele investia sem temor”, rememorou o ex-secretário de Planejamento daquele governo, Geraldo Melo. Na época, ele era um jovem aspirante a administrador, recém-formado nas ideias desenvolvimentistas e que, anos depois, seria também governador (1986-1990) do Rio Grande do Norte. Geraldo Melo lembra que “foi assim mesmo, sem meias delongas” que Aluizio decidiu engajar o governo do estado na criação de estatais para as áreas de telefonia, energia elétrica, abastecimento e um programa inovador na área de habitação.

Podiam ser ideias “mirabolantes” face o estilo tradicional de governar, mas Geraldo Melo lembra que o ano de 1960 disseminou no povo potiguar a esperança advinda de uma retumbante vitória nas urnas e essa era a base necessária para que Aluizio e a equipe de jovens e audaciosos auxiliares que reuniu desfrutassem da confiança e da aprovação popular para qualquer experimento que imaginassem fazer.  Acabou sendo, avaliam os historiadores, uma “grande virada na história política e administrativa do Rio Grande do Norte”.

 Antes de 1961, a população do Rio Grande do Norte era desprovida de necessidades básicas. Um exemplo, cita Geraldo Melo, era a dependência do governo potiguar de uma empresa estrangeira que obtinha a concessão por um período de 90 anos para sistematizar a operação de água e esgoto da capital e interior. O resultado  já se pode imaginar: recorrentes reclamações por um abastecimento indesejoso.  O governo de Aluízio acabou com a concessão e  criou a   Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern).

Exemplo ainda mais prosaico do arcaismo em que se encontrava o RN e do impacto das mudanças propostas pelo novo governo ocorreu na área das comunicações. Até aquela data, a capital do Rio Grande do Norte comunicava-se com o mundo através de apenas 500 linhas telefônicas. Talvez este seja o arsenal hoje de um edifício de grande porte. “Criamos a Telern (antiga Empresa de Telecomunicações do Estado) e fizemos a primeira ampliação do sistema telefônico com mais de duas mil linhas”, lembra Geraldo. O interior também ganhou o novo empreendimento.

“O projeto da Telern foi feito no meu gabinete e tem uma história deliciosa. Eu levei para Aluízio a ideia e expliquei que levaríamos para o interior um sistema chamado de microondas. Eu disse a ele que iríamos ligar para o interior e que poderíamos falar sem o auxílio de telefonista. E ele disse: você tá querendo dizer que eu vou pegar esse telefone e ligar pra Angicos (terra natal de Aluízio)? Eu disse que sim. Ele ficou olhando para mim e depois disse: ‘É por causa dessas ideias malucas, Geraldo, que o povo do RN diz que você é doido. Como eu não tenho juízo me dê para cá esse projeto’. Autorizou e assinou o projeto de lei que daria nascedouro à Telern”.

Tal “falta de juízo” era justamente o que desnorteava os adversários dos planos do novo governador e, traduzida em “ousadia”, alimentava a confiança dos auxiliares, investidores e as lideranças nacionais em relação ao desempenho do “Governo da Esperança”. “Aluízio foi um homem com capacidade de ousar e o primeiro gesto foi botar um rapaz com 25 anos de idade na Secretaria de Planejamento”, relata ainda Geraldo Melo. Com o ingresso dele no cargo criou-se um Conselho Estadual de Desenvolvimento com atribuições da atual Secretaria de Planejamento e das Finanças (Seplan). “O projeto da Cosern foi feito no meu gabinete. A ata de fundação mostra que quem fundou a Cosern foi a gestão de Aluízio e quem representou o Governo do Estado na Assembleia fui eu”, destacou Geraldo Melo.

Os dólares da Aliança para o Progresso

Aliança para o Progresso foi um programa que o governo dos Estados Unidos aplicou entre os anos de 1961 e 1970, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico mediante a colaboração financeira e técnica em toda a América Latina a fim de não deixar aparecer um outro país com as características de Cuba, que havia promovido uma revolução popular em 1959 e rapidamente passou a esfera de influência soviética.

A origem da Aliança é uma proposta oficial do Presidente John F. Kennedy, no discurso que  fez em março de 1961 durante uma recepção, na Casa Branca, aos embaixadores latino-americanos. Nos 10 anos de atuação, a Aliança faria um investimento de 20 mil milhões de dólares, principalmente da responsabilidade dos Estados Unidos, mas também de diversas organizações internacionais, países europeus e empresas privadas. A proposta foi depois pormenorizada na reunião ocorrida em Punta del Este, Uruguai, de 5 a 17 de Agosto, no Conselho Interamericano Económico e Social (CIES) da OEA. A Declaração e Carta de Punta del Este foram ambas aprovadas por todos os países presentes, com a excepção de Cuba.

Para um estado pobre como o Rio Grande do Norte, a perspectiva de conseguir os dólares e a assistência dos técnicos da Aliança para o Progresso eram irresistíveis. Nas memórias que escreveu, Aluizio atribui a uma certa “resistência da Sudene em aprovar os projetos e liberar recursos para o estado” a ideia de correr atrás do apoio norte-americano. Dentro das correntes “desenvolvimentistas” que norteavam as políticas federais e continentais, também não faltavam desconfianças em relação “as boas intenções” dos EUA. Setores à esquerda, no governo de João Goulart, a Aliança era vista como um projeto “neocolonialista”.

Com projetos prontos e a espera de recursos nacionais que não vinham para as áreas da educação, saúde, apoio à agricultura e formação profissionalizante, a equipe de jovens planejadores formada por Aluizio se desesperava. No segundo ano de governo, problemas políticos com a Assembléia Legislativa ameaçaram “tracar” o orçamento estadual e paralisar todo o governo. Em julho, o governador viajou aos Estados Unidos disposto a resolver, pessoalmente com o presidente Kennedy, os entraves que impediam a Aliança de chegar ao estado.

Deu sorte. Uma série de acasos facilitaram o acesso de Aluízio Alves à Casa Branca e em agosto o governo do Rio Grande do Norte assinava com a Aliança Para o Progresso convênios que, de início, previam investimentos de US$ 25 milhões no estado.  

Novas ideias para um novo Estado

Considerado de escopo desenvolvimentista, face as investidas em grandes estruturas e a modernização implantada nas diversas áreas da administração, o governo de Aluízio Alves foi o responsável, por exemplo, pela aquisição dos terrenos, feitura do projeto de ocupação do espaço onde se construiu o primeiro conjunto habitacional do Rio Grande do Norte – na Cidade da Esperança.
“Naquele tempo não existia correção monetária e aí inventamos uma novidade no Brasil: o sujeito comprava a casa e nós estipulamos que o pagamento seria  dez por cento do salário mínimo todo mês, por um período de vinte anos. Com isso garantimos um reajuste da prestação que o Estado ia receber”, relatou Geraldo Melo.

Depois dessa empreitada, foi criada uma entidade de habitação popular, que veio a se chamar depois Cohab. “Para a Cohab nós tivemos a imensa colaboração de dois arquitetos: Ubirajara Galvão (falecido) e João Maurício Fernandes. Ubirajara ganhou uma bolsa para fazer um curso na Colômbia. Naquele tempo formou-se uma equipe para estudar assuntos econômicos e de desenvolvimento. Essa era a marca da gestão”, acrescentou o ex-governador.

Geraldo Melo lembra com saudosismo a equipe técnica que atuou no período: “Aqui no RN, quando eu assumi a Secretaria de Planejamento, só havia duas pessoas que tinham autoridade para falar de assuntos econômicos:  Aldo Fernandes e Ulisses de Góis. Nós formamos pessoas e aí é que vem o que importa, formamos uma equipe que talvez tenha sido a maior obra que eu realizei na minha vida. Formamos uma equipe que durante os 40 anos seguintes o RN não passou nenhum dia em que alguma dessas pessoas não fossem no mínimo Secretário de Estado. Talvez teríamos um outro Estado e contaríamos uma outra história se Aluízio não tivesse governado”, assinalou Geraldo Melo.

“Sem dúvida um desenvolvimentista. Talvez tenha sido o mais. Eu digo com autoridade de quem já foi governador que talvez no século passado o RN talvez tenha tido dois grandes governadores. Um cuja obra se projetou na esfera nitidamente política, que foi Dinarte Mariz. O outro, Aluízio Alves, cuja presença foi realmente o grande marco na direção do desenvolvimento econômico do RN”, finalizou Geraldo Melo.

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