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A burocracia do audiovisual

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Yuno Silva – repórter

Quantos produtos audiovisuais podemos materializar com duas câmeras de vídeo; duas ilhas de edição digital completas da Apple; mais equipamento de iluminação e para captação de áudio? Resposta: nenhum. Precariamente guardados em um depósito sem climatização adequada na Fundação Cultural Capitania das Artes, os equipamentos adquiridos através de um convênio firmado entre o Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão e o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) estão sujeitos a umidade e acumulando poeira enquanto aguardam o desenrolar de trâmites burocráticos que já se arrastam por dois longos anos. Uma morosidade inversamente proporcional ao rápido avanço da tecnologia, pois há quase um ano está tudo guardado.

Mais de R$ 100 mil foram gastos em câmeras e ilhas de edição para projeto audiovisual que nunca saiu do papel. Hoje, Equipamentos estão em um depósito“Quando os equipamentos chegaram, verifiquei tudo para me certificar de que estavam funcionando e com os programas instalados. Está tudo na garantia”, disse o publicitário André Luiz Torres Miranda, coordenador do Setor de Artes Integradas que engloba o Núcleo de Audiovisuais e Novas Mídias, departamento da Funcarte responsável pela compra e manutenção dos equipamentos.

Porém, segundo o analista de suporte Josiel Mariano, quando equipamentos de informática passam muito tempo sem uso e são armazenados de maneira inadequada correm o risco de apresentar defeito antes mesmo de funcionar. “Ainda temos o agravante da oxidação, pois moramos em uma cidade litorânea”, frisou Mariano. O VIVER verificou o depósito e constatou a falta de um cuidado adequado na estocagem do material. 

André Miranda justifica a demora para colocar o projeto de capacitação e produção de projetos  audiovisuais em prática: “Passamos por mudanças na estrutura da Funcarte, tivemos alguns prazos burocráticos  prorrogados – inclusive para adquirir equipamentos atualizados”. Segundo Miranda, o edital do IPHAN previa a modernização de museus, e a utilização dos equipamentos seria exclusiva para atividades do Museu de Cultura Popular.

Avaliados em cerca de 108 mil reais, dos quais a prefeitura entraria com uma contrapartida de R$ 5,5 mil, as câmeras, ilhas de edição não linear, microfones e demais aparatos, aguardam tombamento por parte do poder público municipal e a instalação definitiva do local onde os equipamentos irão funcionar. “Decidimos arcar com toda a despesa (R$ 102.977,00) para termos autonomia na utilização dos equipamentos. Nosso objetivo é colocar as ilhas para funcionar, em uma sala no Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão, até o final do mês de abril”, afirmou.

De acordo com o coordenador do Setor de Artes Integradas, os equipamentos servirão para viabilizar produções audiovisuais, selecionadas através de edital público: “Ainda não formatamos esse edital, mas já elaboramos um cronograma de oficinas que serão oferecidas gratuitamente pelo Núcleo de Audiovisuais e Novas Mídias”, adianta. Nos planos, oficinas de roteiro, edição e captação de imagem. “Emprestaremos os equipamentos aos proponentes dos projetos selecionados, mas eles serão acompanhados durante todas as etapas do processo de produção, por técnicos capacitados do Núcleo. Temos que zelar pelo equipamento”, disse Miranda. Vale salientar, que a participação nas oficinas não é pré-requisito para utilizar os equipamentos.

Núcleo de Produção digital, outro projeto que não deslanchou

Outra iniciativa que também não deslanchou, pelo menos no tocante à produção (como sugere a própria nomenclatura) é o Núcleo de Produção Digital – NPD, uma espécie de incubadora de projetos audiovisuais viabilizada através de convênio entre a Fundação José Augusto e o Ministério da Cultura. Lançado há um ano, exatamente em abril de 2010, o NPD chegou a realizar seis oficinas gratuitas de capacitação profissional, e outras seis ainda serão ministradas este ano, mas não há previsão para a chegada dos equipamentos para captação e edição de imagens.

Segundo Maryland Brito, jornalista e coordenadora do NPD Natal, a previsão para o projeto funcionar encerraria em abril próximo. “Estive reunida na FJA com a professora Isaura Rosado e conseguimos esticar esse prazo até setembro. Recebi essa resposta na sexta-feira, e já comecei articular as novas oficinas”.

Quanto aos equipamentos, Maryland informou que o Ministério da Cultura não deu nenhuma previsão: “Ano passado disseram que estavam revendo questões de licitação. Não posso afirmar de receberemos ou não esses equipamentos, mas temos um histórico de outros Núcleos que receberam com bastante atraso”. A jornalista frisou os entraves burocráticos como um dos fatores que atrapalham o andamento do processo. “Não tínhamos nenhum preparo para lidar com essas questões, então tudo foi na base da tentativa e erro”.

As oficinas são ministradas na Pinacoteca do Estado e, teoricamente, a ilha de edição e os equipamentos audiovisuais do NPD seriam instaladas nas dependências da FJA. As próximas oficinas a serem realizadas são: Trilha Sonora; Captação de Áudio; Roteiro para Documentário; Cenografia; e  Direção de Documentário. As inscrições passam por uma triagem realizada por um comitê gestor  formado por Cineclube Natal, Universidades (UnP, UFRN e UERN), IFRN, e a ong Zoon – a ABDeC-RN foi desligada do comitê por falta de participação.

“Falta-nos competência”, disse cineclubista

A pouca visibilidade de projetos audiovisuais em Natal pode ser reflexo desta salada burocrática, e a falta de trato com ela por parte dos gestores – fator que pode emperrar um apoio sistematizado aos diretores independentes.

Pedro Fiuza, presidente do Cineclube Natal, garante que há produção audiovisual na capital potiguar: “Mas antes de chegarmos a qualquer conclusão, temos que responder três perguntas básicas: temos qualidade para mostrar? Temos apoio? Temos onde exibir?”, provoca Fiuza. “Temos potencial criativo e pessoas interessadas em financiar. Também temos produtoras que podem ser parceiras. O que nos falta é competência para elaborar um bom projeto, falta consistência artística, conteúdo”, disse. “Falta diálogo entre quem tem um vídeo e quem quer exibir, fica cada um na sua e ninguém sai do lugar. Temos que saber quais os pontos em comum. Por isso a produção não chega onde deveria; e se não chega, não existe! Nos falta memória audiovisual, é muito complicado não termos referências”.

O jornalista e fotógrafo Henrique José, professor do curso de cinema da UnP, lembra que a situação era bem diferente há cinco anos: “Não tínhamos nada. Hoje, com a popularização da tecnologia, temos pessoas produzindo. Sei que a produção audiovisual ainda não é significativa no RN e que há todo histórico de descaso por parte do poder público, que deveria fomentar, apoiar”, observa.

Integrante da ong Zoon, Henrique também lembrou que o curso de cinema ainda não formou nenhuma turma: “Estamos chegando ao segundo ano, então poderemos ter boas novidades”, aposta o coordenador do Núcleo de Cinema da UnP.

Sobre o fato de nenhuma produção local ter sido selecionada para a edição 2010 do Goiamum ele é enfático: “Ao mesmo tempo que  não podemos competir com outros Estados de maior tradição na produção de cinema, também não podemos nivelar por baixo.  O caminho é o aperfeiçoamento, o intercâmbio artístico, só assim podemos elevar o nível”.

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