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“A busca é por reconhecimento e participação política”

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Patricia Fachin e Graziela Wolfart

“O que acontece nessas manifestações é uma recusa”. A afirmação é do professor e pesquisador Luiz Werneck Vianna (foto abaixo) ao comentar sobre a onda de protestos que se disseminou pelas principais capitais brasileiras na última segunda-feira, dia 17-06. “Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia (…). Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional. Eu insisto: o problema todo é auscultar de forma correta os sinais que estão vindo e agir da forma mais tempestiva possível, pois há o risco de não haver mais tempo”.
Luiz Werneck Vianna: As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas. O tema do reconhecimento, por um lado, e o da participação política, por outro, são o combustível dessa movimentação
Para ele, as manifestações expressam “um sentimento de exclusão da arena pública” e “a busca por reconhecimento social”. “As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas. O tema do reconhecimento, por um lado, e o da participação política, por outro, são o combustível dessa movimentação”, avalia.

Werneck Vianna afirma torcer para que o processo desses dias “sirva como uma sinalização poderosa para que mudanças importantes na política brasileira comecem a ser encaminhadas. É um sinal de alerta. Se nada for feito a tempo, se é que ainda há tempo, esse movimento pode ter um desfecho muito ruim. É preciso evitar (…) que 2013 tenha o mesmo desfecho que 1968, isto é, uma juventude desencantada com a política, radicalizada e que procure formas inadequadas de resolução de problemas”.

Como podemos compreender as manifestações sem lideranças que ocorreram ontem e na última semana em várias capitais brasileiras? O que elas significam?

 De um lado, o afastamento imenso da população, em especial dos jovens, da política e dos partidos políticos. Esse é o primeiro ponto, muito evidente. O porquê do movimento, aparentemente por um motivo quase banal – o aumento irrisório do preço das passagens –, ter desencadeado esta proporção só pode ser entendido como um sentimento que vem se acumulando de exclusão e insatisfação. Ao lado disso, se nas ruas não há vestígios de organização, as redes sociais estão absurdamente dominadas por um diálogo interminável a respeito da situação da geração atual, que tomou forma a partir de um episódio que podia ser entendido como algo de menor expressão. O fato também de terem sido rechaçados por uma repressão muito forte, após seus primeiros movimentos, incendiou a imaginação. Enfim, essa geração se pôs no mundo e está aí a sua marca.

Por outro lado, é preciso considerar que esse país tem passado por mudanças muito significativas na sua composição social, na sua demografia, na sua estrutura de classes. Há uma nova classe média, não a classe dita “C”, relacionada a esses programas governamentais, como o Bolsa Família. É uma classe média dos novos serviços, das novas ocupações, que é muito diferente das classes médias tradicionais, tal como havíamos conhecido. Trata-se de uma classe média de um novo tipo. E ela está sem perspectiva quanto ao seu projeto de vida. Além do mais, os setores baixos dessa classe média estão cultivando um ressentimento muito grande. Este ressentimento se manifestou na raiva com que essas manifestações se deram.

Na Espanha, as manifestações dos indignados do movimento 15M demonstraram um desconforto econômico, político e social. As mesmas razões motivam as manifestações no Brasil, ou elas são de outra ordem?

Acho que não são as mesmas razões. O tema aqui é mais político e cultural. É um sentimento de exclusão da arena pública. A falta de participação dessa geração na política é algo que chama a atenção. Por outro lado, a busca por reconhecimento social desses grupos emergentes das classes médias é muito forte e o tema do reconhecimento é muito associado ao tema do ressentimento. As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas. O tema do reconhecimento, por um lado, e o da participação política, por outro, foram o combustível dessa movimentação. Não creio que isso esteja vinculado diretamente a causas econômicas. Até porque, como se observa, do ponto de vista da economia, há no país – e as pesquisas indicam isso – um sentimento de satisfação, de que a vida tem melhorado e pode melhorar ainda mais.

Devemos procurar as origens desse movimento que ainda não terminou e não se sabe para onde vai. Fora as redes sociais, não há nada que esteja organizando a sociedade, especialmente essa multidão de jovens, que vem acorrendo à vida social. Não há clubes, não há partidos. Estes (os partidos) vivem inteiramente orientados para sua reprodução política, eleitoral, não têm trabalho de consolidação, de nucleação. A própria Igreja Católica, que antes cumpria um papel muito importante nessa organização, hoje tem um papel muito pequeno. A sociedade está inteiramente isolada da esfera pública. São dois mundos que não se tocam.

Um movimento desses, multitudinário, que vai às ruas, sem lideranças conhecidas, é um perigo. Tudo pode acontecer. Abre-se campo para a selvageria. Com quem negociar? É um sinal de alerta. Se nada for feito a tempo, se é que ainda há tempo, esse movimento pode ter um desfecho muito ruim. É preciso evitar – e escrevi isso em um artigo que saiu hoje (18-06) no Estadão – que 2013 tenha o mesmo desfecho que 1968, isto é, uma juventude desencantada com a política, radicalizada e que procure formas inadequadas de resolução de problemas.

E quais seriam as formas adequadas?

Participação política e organização social.

Ainda há um cenário propício para isso?

Se não houver, as coisas irão mal. O sinal que soou é muito forte para não ser ouvido e bem interpretado. A política de presidencialismo de coalizão, da forma como a praticamos, demonstrou seu esgotamento, levou à desmoralização da política com o “toma lá, dá cá” e a compra de votos.

O que significa uma manifestação cujo grito de guerra seja “povo unido não precisa de partido”? Trata-se da falência da política representativa? Como pensar uma política sem partidos?

O que acontece nessas manifestações é uma recusa. Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia. Basta ver o noticiário dos jornais: corrupção disso, negociata daquilo. Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional. Eu insisto: o problema todo é auscultar de forma correta os sinais que estão vindo e agir da forma mais tempestiva possível, pois há o risco de não haver mais tempo. O que temos a comemorar nesta terça-feira é um fato importantíssimo: de que esse movimento ainda não carrega um morto. Se tivesse havido conflitos mais severos, com mortos, não se sabe como o país teria acordado hoje. Agora é preciso fazer um balanço do que vem acontecendo e apresentar alternativas e soluções. Nisso, a imprensa tem um papel muito importante de localizar entre eles lideranças, fazer com que elas falem, identificá-las. Porque evidentemente as lideranças podem estar subterrâneas. Afinal, deve haver pessoas que estejam exercendo uma liderança silenciosa sobre esse processo todo. 2013 pode ser o começo de uma cena nova, significando a entrada dessa geração na política institucional brasileira. Ou, contrariamente, com um mau desfecho, uma má solução, isso pode acabar como em 1968, radicalizando a juventude e afastando-a da vida política.

Gilberto Carvalho (ministro do governo Dilma, leia na página 9) disse que o governo está preocupado com os protestos e quer garantir diálogo com os movimentos para entender “anseios importantes” que têm levado as pessoas a se manifestar. O governo foi pego desprevenido?

O governo e todos nós vamos ter que entender. O que eu posso dizer é que o acontecimento foi de tal proporção que os seus próprios participantes, hoje, devem estar na condução, nas escolas, nas universidades, discutindo o que houve ontem e o que fazer. O que está claro é que a grande massa desse movimento reprimiu a violência de alguns grupos. Ali se misturou tudo. Os setores mais ressentidos tiveram a oportunidade de manifestar sua fúria, num protesto pela sua exclusão, pelo fato de não serem reconhecidos, e no protesto pelas políticas públicas que não funcionam, como tantas faixas falavam: “não queremos Copa, queremos saúde e educação”.

Essa questão da Copa demonstrou ser realmente um desastre, com gastos suntuosos para a organização de um espetáculo de tipo europeu, que não tem nada a ver com a tradição do futebol brasileiro. As pessoas se sentiram excluídas também nos estádios. De modo que a chave não é econômica. Ela é fundamentalmente política e cultural.

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