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A busca

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN
A vida é, invariavelmente, uma busca. Busca de Deus: incessante, crescente, interminável. Busca de amor: inesgotável, renovadora, imprevisível e sem fim.  Busca da felicidade: renovando crescentemente a percepção que os homens dela possuem. Seu usufruto se modifica a cada momento, em cada circunstância e em novos elos. Goethe, em seus últimos instantes, situou-a numa perspectiva imaterial e transcendental: – Mais luz! – Busca de verdade, que imanta, integra, mistura e associa o mundo visível, material, objetivo, finito, efêmero, do universo espiritual e eterno. Universo descortinado pela graça da fé. Busca de sentido para todas as coisas. Busca de beleza, que dá substância à vida humana e planetária, mas, acima de tudo, alimenta e revitaliza a alma, o íntimo e os sentimentos de cada um. Busca de justiça, que nunca se esgota nem conhece limites. Senão os da dignidade, da liberdade, do bem-estar e da ascensão moral, cultural e espiritual do gênero humano. Busca de si mesmo, cujo percurso se confunde com as ações e os pensamentos, o querer,  o sentir e o agir de todos os homens. Apesar dessas buscas, subsiste uma questão, um enigma, que desafia ainda hoje culturas, povos e nações. Redescobrir a dimensão da grandeza humana. Identificar a plenitude do seu conteúdo: do pequeno gesto em estender a mão ao outro, de sorrir, de transmitir ternura e solidariedade, de compreender as fragilidades e contradições alheias, até à efetiva comunhão de bens e sentimentos. Entender que só em Deus cada um desfruta absoluta paz. Stephen Hawking, em “Uma breve História do tempo”, exortou a humanidade a questionar sobre o porquê da existência de si mesma e do universo: “Se descobrirmos a resposta para isso, será o triunfo supremo da raça humana, pois, então, conheceremos a mente de Deus”. Essa é uma busca que exorciza todos os medos. Revela o sentido da Criação: Ascender infinitamente para Deus.

O espírito do século XX, nos seus primórdios, revelou-se em cosmovisão e percepção que assumiram dimensão universal. Seu intérprete mais autêntico e genial:  Marcel Proust.  Pela reflexão de que o passado não se perde. Não desaparece como folhas mortas ao sabor dos ventos outonais. Está vivo na memória, nos encantamentos, na saudade, nos sonhos, na nostalgia, nos laços e no legado de todas as gerações. A “busca do tempo perdido” é um estado de espírito individual e coletivo. É uma peregrinação que cada um realiza nos limites de suas potencialidades e dos seus sentimentos. Íntima e indefinidamente. Os meios de comunicação de hoje, especificamente internet, televisão e redes sociais, ignoram, desprezam, aviltam e violentam o legado individual e coletivo, social e nacional, humano e universal. O século XXI ainda não revelou seu espírito, seu compromisso, sua marca. Apesar das mensagens e do testemunho de vida de Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II. Suas ações, pastoral e política, em escala planetária, objetivaram, essencialmente, advertir para a identidade, valores e objetivos dos novos século e milênio: amor, paz, justiça e solidariedade. O que não acontece. O mundo continua mergulhado em violência, miséria, injustiça, ódios, mentiras, egoísmos, medos e incertezas. Infelizmente. Urge renascer para viver. Todos os desejos, sonhos e aspirações dos homens parecem não dispor do sossego e do silencio apaziguadores, germinados em distensão psicológica e espiritual. Até parece que uma hecatombe e uma balbúrdia frenética sacodem o mundo. Nesse contexto se amplificam terror, insegurança, angústias e violências.

 Entretanto, vínculos humanos e sociais devem convergir para a harmonia, ou seja, no caminho de sublimação do sentido da vida. Os chamados “mistérios” da vida são simples, perceptíveis, assimiláveis e acessíveis. Desconhecê-los implica em sucumbir às ilusões das vaidades, das ambições e da prepotência sem limites. Em cada homem contaminado por falsos valores, destrói-se parte da humanidade. Mas, paradoxalmente, a verdade se aloja em cada homem. Basta ouvi-la e senti-la. Eis, nessa vertente, a lição de Gandhi: “A Verdade habita no coração de todo homem, e é ali que devemos procurá-la e viver de acordo com ela, na medida da nossa compreensão. Mas ninguém tem o direito de obrigar outros a viverem segundo a verdade assim como ele mesmo a enxerga”. No mundo atual, os mecanismos da globalização, especialmente os econômicos, tentam sufocar, em cada homem, a voz do coração, dos devaneios e dos sentimentos. A crise atual do capitalismo tem também explicação por seu descompromisso planetário com o ser humano, cujos valores são estupidamente aviltados. A falta de regulamentação e controle dos agentes econômicos, que se inspiram e se escudam num ultra liberalismo, revela o abismo, irreversível, entre o Ser e o Ter. O saudoso Papa João Paulo II, que enfrentou os totalitarismos nazista e soviético, anteviu escalada materialista e consumista após a “queda do muro de Berlim”. Pois quando o Ter é supremo, a humanidade é submetida ao alargamento de miséria, injustiças e desigualdades. Mas tudo passa. Sobretudo o mal. Pois a beleza é uma das faces do bem. Ela é inesgotável, como a própria vida. A humanidade, ao se renovar pelo amor, assimila a beleza do mundo. Joaquin Phoenix, ao receber o Oscar 2020 de melhor ator, fez surpreendente confissão: “Em toda a minha vida, tenho sido um sem-vergonha. Tenho sido egoísta, cruel às vezes. Difícil de trabalhar. (…) Mas muitos de vocês me deram uma segunda chance”. Por fim, exortou a humanidade a vivenciar o amor.

Rubem Braga vaticinou a simbiose de busca e esperança: “Apaguei as luzes, fiquei olhando o mar que a luz nascente fazia túmido. Uma brisa fresca me beijou. E havia sossego, uma ternura, um perdão, uma calma interior, uma paciência e uma tímida esperança”. E sucedeu a João do Rio: “Os meus olhos viram os luares do Bósforo e as rosáceas aurorais do deserto, as metrópoles e as aldeias que são cidadelas. A meu lado caminhava o heroísmo da tradição e eu nada via sem pensar nos homens”.  

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