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A casa e a rua

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Ivan Maciel de Andrade                                                                                                            
Procurador de Justiça e professor da UFRN (inativo)
Para Roberto DaMatta, na apresentação de “Sobrados e Mucambos”, de Gilberto Freyre, a oposição mais importante não é entre a casa-grande e a senzala ou entre o sobrado e o mucambo (o Houaiss só registra “mocambo”) mas entre a casa, em que a pessoa é “relacionada e particularizada por elos pessoais”, e a rua, “do indivíduo-cidadão, destituído de nome de família, de cor e de gênero, sujeito a leis que devem valer contra todos”. Em seu livro “A casa e a rua”, Roberto DaMatta explicita que a noção de casa “só faz sentido em oposição ao mundo exterior: ao universo da rua”. Como se situam a “casa” e a “rua” diante da política de lockdown adotada em muitos países para conter a pandemia, em que as pessoas são proibidas de sair de casa e as ruas ficam desertas e inacessíveis?
No Brasil, em alguns Estados e cidades, as medidas de isolamento social tiveram de ser adotadas com alternância de períodos de liberação com outros de imposições restritivas, levando em conta o curso da doença e as recomendações científicas. Como, por sinal, ocorreu em vários outros países. A oposição mais gritante, entre nós, evidenciadora das desigualdades sociais, passou a ser entre a moradia dos condomínios de superluxo ou da classe média e a humilde e precária habitação das comunidades periféricas dos grandes centros urbanos. Escancarou-se a dialética descrita por Gilberto Freyre: o contraste entre locais privilegiados, em razão do conforto e da segurança, e aqueles em que se amontoa um grande número de pessoas, em condições de pobreza e de exclusão social. 
As casas das pessoas de bom ou de razoável padrão de renda vêm adquirindo um novo significado: estão se transformando em “home office”, local de trabalho, com todas as características de que tais soluções se tornarão permanentes. O que cria uma distância ainda maior em relação aos segmentos carentes, compostos basicamente por trabalhadores informais, que têm de sair de suas casas para trabalhar – para procurar algum “bico” ou biscate (já que emprego está difícil, quase impossível) que garanta um eventual e incerto prato de comida. Com razão, o ministro Paulo Guedes tem defendido a necessidade de vacinar, o mais cedo possível, esse numeroso contingente informal.
Quando vemos os transportes coletivos com mulheres e homens comprimidos, quase sempre sem máscara, percebemos o quanto seria crucial dispormos de um programa de imunização que possibilitasse a vacinação em massa. Antes de termos chegado ao extremo agravamento da doença a que nos conduziu o descaso negacionista. Para esse objetivo contaríamos com a infraestrutura do SUS, que possui a melhor expertise do mundo na realização de programas de vacinação. As vacinas demoraram. Houve erros graves, por parte da presidência da República, que tutela o Ministério da Saúde, nas “démarches” para compra de imunizantes, na ocasião em que o mercado mundial permitia que fossem feitas aquisições em volume capaz de nos assegurar um fundamental ponto de partida. 
A verdade é que, hoje, as casas, para quem pode, se transformaram em bunker de resistência à Covid-19 e as ruas em habitat surrealista de um vírus que desafia a ciência e aterroriza a humanidade.
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