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A civilidade, essa esquecida

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João Medeiros Filho
Padre
Parece longe o tempo em que se cultivavam a civilidade e o respeito aos outros. Era comum ouvir os pais orientar seus filhos, valendo-se de conselhos e advertências. De modo análogo, instituições educacionais e religiosas enfatizavam processos de aprendizagem das normas de boa conduta e convivência. Isto não consiste simplesmente em ensinar etiquetas. Implica na aceitação do próximo e na consciência de que a liberdade de cada um não é absoluta. Com o decorrer dos anos, esses valores vêm perdendo sua importância, comprometendo os relacionamentos saudáveis entre os cidadãos. A qualidade das relações sociais de um povo é basilar para a presença do Bem ou do Mal. Por isso, restaurar e fortalecer a civilidade é necessário e urgente.
Aos olhos de alguns, tal abordagem pode parecer supérflua e na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se uma época em que as subjetividades e os direitos individuais reivindicam total autonomia ou soberania. Disto resulta uma cultura, na qual tudo o que não atende aos interesses individuais ou partidários é inaceitável. Com isso, cada um direciona seu comportamento, observando apenas as suas ambições e as de seus líderes, desconsiderando o pensar dos outros. Esse abandono da postura de urbanidade contribui para o primado do subjetivismo. A quem grita pelos princípios constitucionais de total liberdade de expressão, convém lembrar que os outros têm igualmente direitos, inclusive o de não ser molestado, agredido e contestar o que se veicula. Há meses, ouvimos o desabafo de um senhor: “Caminha-se para uma sociedade sem limites. O que dizer do projeto da família de alguns? Como calar diante de obras ditas artísticas, verdadeiro acinte ou achincalhe à fé dos outros?” Haver-se-ia de repetir o poeta Virgílio: “Quantum mutatus ab illo!” (O quanto as coisas mudaram).  Hoje, em nome da liberdade de expressão, cada pessoa pretende considerar-se referência absoluta. A dignidade e o respeito a outrem são ignorados e rechaçados nas decisões. 
A possibilidade de cada indivíduo ser livre para emitir julgamentos alimenta uma perversa anomia. É o que se verifica constantemente nas redes sociais. Com a ausência de regras e normas definidas, cada um passa a dizer ou escrever o que bem entende, sem parâmetros. Eis um caminho para que a arbitrariedade se instale, nutrindo agressividade e violência. Não cultivar posturas de respeito e urbanidade é destruir a percepção das diferenças e o equilíbrio da vida comunitária. Esse mal atinge não apenas certas pessoas ou segmentos da sociedade. Alcança muitos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura e rupturas no tecido social. Isso parece bem enraizado na mentalidade de tantos “influencers”, governantes, parlamentares, homens públicos etc. que não prezam em ser exemplos de honestidade intelectual e lhaneza em seus pronunciamentos e debates. Não se contentam apenas em divergir. Importa desqualificar e destruir quem pensa diferentemente!
Diante da lógica das ideologias, torna-se difícil perceber o lugar da civilidade. Esta abrange desde os comezinhos gestos de delicadeza até às decisões capazes de tornar a sociedade mais humana e justa. Sem valorizar a urbanidade, todos continuarão convivendo com frequentes ultrajes, depredação moral e patrimonial. É uma ignomínia assistir o estilo de vida de certas autoridades – com excesso de privilégios e gastos abusivos, custeados pelos contribuintes – alimentando uma realidade distante da maioria dos cidadãos, que são largados à própria sorte. Tais representantes esquecem que foram escolhidos para servir ao povo e não se servir dele!
A civilidade incide também sobre o estabelecimento de prioridades coletivas, tais como, o uso honesto de recursos para promover o bem-estar de todos e o zelo pelo que é público. Isso significa comprometer-se com a ética e o equilíbrio da sociedade. Assim, será possível promover e formar cidadãos aptos a oferecer soluções às demandas de uma nação mais fraterna e solidária. Saber escolher pessoas dignas é fundamental para reverter o que hoje tanto se amarga. O Brasil precisa de respeito e urbanidade. O apóstolo Paulo, pregando aos cristãos de Corinto, foi peremptório: “Tudo me é permitido, mas nem tudo é lícito e edifica. Ninguém busque o seu próprio interesse, mas o do outro.” (1Cor 10, 23-24). 
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