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A Consciência Política de Aluízio Alves – IV: Na linha de corte das baionetas

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Tomislav R. Femenick – Jornalista, mestre em economia com extensão em sociologia e história, membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Para se entender o golpe militar de março/abril 1964 tem-se que compreender o cenário em que ele aconteceu. Na época o país enfrentava uma grave crise institucional, iniciada pela renuncia do presidente Jânio Quadro e agravada por problemas sociais e econômicos. Crise social causada pelo desemprego, falta de alimentos, aumentando de preços e hiperinflação; crise econômica, gerada pela paralisação dos investimos públicos e privados, desorganização da produção agropecuária e escassez de recursos nos vários níveis e esferas do Governo.

A solução para essa situação de caos era encarada de forma diferente por dois movimentos distintos. O presidente João Goulart, embora não tivesse a liderança inconteste dos movimentos da esquerda intelectual e dos camponesas, defendia as “reformas de base” como reforma agrária e bancária. Do outro lado estavam as chamadas forças conservadoras, tendo a frente os militares e a Igreja Católica, que admitiam mudanças, porém sem alteração das garantias legais à propriedade privada e da representação política. Esse enfrentamento era um reflexo do contexto internacional, onde ocorria a chamada Guerra Fria, embate de força travado entre as democracias ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos, e os regimes socialistas, conduzidos pela União Soviética. Na América Latina, a vitória da revolução de Fidel Castro em Cuba era um fato visto com preocupação pela parcela predominante nas forças armadas brasileiras.

A renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, provocou uma série de eventos inesperados. Pela ordem legal, deveria assumiu o cargo João Goulart, o vice-presidente eleito. Goulart era um político de convicções tidas como esquerdistas e que defendia as reformas bancária, eleitoral, universitária e agrária. Depois das peripécias e tentativas de impedimento de sua posse na presidência, da instalação do regime parlamentarista e do plebiscito que resultou na volta do presidencialismo, Jango alarmou a sociedade civil e os militares com seu discurso no celebre “Comício da Central do Brasil”, no Rio de Janeiro, quando, determinou a reforma agrária e a nacionalização de refinarias de petróleo. Os conservadores reagiram organizando, em São Paulo, a “Marcha da Família Com Deus pela Liberdade”, que reuniu cerca de 500 mil pessoas. Estava criado o ambiente para o Golpe Militar de 1964, que depôs João Goulart e deflagrou uma caça às lideranças de esquerdas no Brasil. Da ameaça à democracia, o Brasil passou para um regime discricionário.

De Jango a Castelo

Perguntei a Aluízio Alves por que ele, que antes do golpe de 64 se alinhava ao lado de João Goulart e, depois, se ajustou ao comportamento do governo militar. Sua resposta foi:

“Ao se analisar os atos dos homens públicos, tem que se ter um olhar que veja todos os ângulos. Um deles, a mais importante, é o lado político. Outro, menos relevante, é a perspectiva do homem em si mesmo. Isso porque os atos do homem público não pertencem a sua pessoa, mas, sim, ao político. O nosso grande Padre Antonio Vieira já dizia que o homem público deve se afirmar pelo merecimento que tem ao cargo. O homem público deve possuir os sentimentos da paixão, da responsabilidade e ter senso da proporção e, ainda, que deve priorizar a estratégia, calcular as ações e adequar os meios aos objetivos propostos, porém não priorizando os meios sobre os fins, pois ele deveria sofre do mal da ‘dominação pela legalidade’. O presidente João Goulart, embora fosse um homem de ideias progressistas (como se dizia então), certamente não era comunista, mas estava envolvido pelos lemas e por lideres comunistas. Eu, pela minha formação e atos sempre fui um democrata. Aceito e defendo a convivência com todos os credos políticos. Todavia, sempre fui contra o comunismo. Basta ver minha trajetória como deputado federal, antes de me eleger governador. Conviver politicamente não é concordar sempre. É aceitar o compartilhamento de espaço e, por vezes, concordar ou discordar, parcial ou totalmente. Volto a afirmar o que já lhe disse em outra ocasião. Nunca me omito sobre nada, sempre tenho uma opinião, uma posição. E assim sempre fui com relação às ideias e às ações da extrema esquerda.

Naquele momento, tínhamos dois fatos distintos: João Goulart era o presidente constitucional, legitimo; Castelo Branco era o presidente governante de fato. Nesse contexto foi que eu tive que me posicionar, não como o homem Aluízio Alves, mas como governador do Rio Grande do Norte. Tive que pensar mais no meu Estado que na minha pessoa. Reagir ao golpe de forma frontal seria criar condições para uma intervenção militar no governo do Estado, como a que já tinha acontecido na Prefeitura de Natal”.

Nem Direita nem Esquerda 

A origem política de Aluízio Alves deu-se no nas hostes conservadoras de José Augusto Bezerra. Cresceu e firmou-se como integrante e um dos líderes da conservadora UDN, pela qual foi efeito deputado federal nas sucessivas eleições de 1946 a 1958. Em 1960, rompeu com o partido e se elegeu governador pelo também conservador PSD, porém com uma plataforma mais progressista, popular ou mesmo populistas, em uma aparente guinada à esquerda. O historiador Sérgio Trindade afirma que “existia uma ambivalência em Aluízio, um combinado, quase desconhecido por aqui, de tradicionalismo e revolução. Djalma Maranhão, Luiz Maranhão Filho e todos os que, desejosos de mudança no Rio Grande do norte, acompanharam Aluízio, não o consideravam reacionário. […] Logo de início, uma parcela significativa da classe política progressista reconheceu nele um caráter revolucionário, pelas suas ideias, seus planos, sua retórica”.

Todavia, esse quadro mudou. Quando Aluízio firmou convenio com o governo dos Estados Unidos, para receber recursos do programa Aliança para o Progresso, destinados à educação, habitações populares, estradas de rodagem etc., a esquerda local rompeu com seu governo, seguindo a lógica da guerra fria. No plano federal, continuaram as boas relações com o governo de João Goulart.

Perguntei a Aluízio Alves como ele via seu relacionamento com a esquerda local, comandada na época pelo prefeito Djalma Maranhão, e a esquerda nacional do esquema do presidente Jango.

“Eu fui eleito e estava governando o Rio Grande do Norte não por mandato da direita ou da esquerda, não em nome dos conservadores ou progressistas. Eu fui eleito pelo povo do Rio Grande do Norte, que queria escola, casa para morar, água encanada de boa qualidade e outros benefícios da civilização que a grande maioria não tinha. Era em nome desse povo que eu governava, eram seus interesses que eu defendia. Quando Calazans Fernandes, meu secretário de Educação, chegou com a proposta de irmos buscar recursos da Aliança para o Progresso do Presidente Kennedy, para atender a carência que tinham na educação e em outros, claro que abracei a ideia. Até porque não tínhamos dinheiro para tocar nossos projetos.

Aqui temos que fazer uma pausa para podermos entender a situação do Rio Grande do Norte e de outros Estados, naquele período; situação que perdura até hoje [esta entrevista foi concedida em 2003]. Quando proclamaram a República no nosso país quiseram copiar o modelo dos Estados Unidos, tanto foi assim que chamaram: Estados Unidos do Brasil. Porém os nossos estados nunca tiveram autonomia política ou econômica, principalmente os menores. Todos dependem do governo Federal, da mesma forma que as prefeituras dependem dos governos estaduais. Quando menores os estados e municípios, maior o grau de dependência. O fato é que não tínhamos recursos e fomos buscar onde eles estavam disponíveis. Com a Aliança para o Progresso houve condição para aperfeiçoar professores, construir centenas de salas de aulas, instalar dois institutos com alto nível de ensino, fazer a alfabetização de adultos e implantar em Natal o conjunto Cidade da Esperança de casas populares. Outros setores do governo também receberam recursos do programa. Se para as esquerdas, receber recursos dos Estados Unidos era traição ideologica, para mim era pragmatismo administrativo.

Essa foi a causa do rompimento da esquerda comigo. No dia 5 de maio de 1963, no mesmo instante em que eram assinados com o embaixador americano Lincoln Gordon os convênios que trariam os investimentos da Aliança para o Progresso, o prefeito Djalma Maranhão patrocinou um comício contra a assinatura dos protocolos, com a presença de Leonel Brizola. No entanto, continuaram boas as relações do meu governo com o governo do presidente Goulart. Nesse episódio nunca a soberania do Brasil ou do Rio Grande do Norte esteve ameaçada. Eu fui pragmático na defesa do desenvolvimento do meu Estado, enquanto que os idealistas de esquerda foram apenas emocionais. Eu nunca tive devaneios utópicos. Apesar de agitarem bandeiras vermelhas, para os esquerdistas o mundo era um filme em preto e branco, sem nuanças de cores. Para eles o mudo era uma eterna confrontação entre progressistas e reacionários e ninguém estaria imune a isso”.

Tempos de Golpe

No Rio Grande do Norte, o ato mais simbólico do que era o  golpe militar foi a deposição e prisão de Djalma Maranhão, prefeito de Natal, e a criação pelo governo do Estado de uma Comissão de Inquérito, destinada a investigar atividades subversivas, atuando em conjunto com os IPM’s-Inquéritos Policiais Militares. Pedi a Aluízio Alves que explicasse a atuação do seu governo nesse episodio e ele respondeu:

“Vamos aos anos em que reinou a força e não a razão. O meu mandato, o período para exercer o cargo para o qual fui eleito, era o exercício de um mandado, uma incumbência, expedido pelo povo do Rio Grande do Norte. Naquela circunstância eu tinha que defender o mandato recebido do povo e evitar que o Estado sofresse males maiores. Essa era a realidade, sem dogmas e fugas aos fatos reais. Mesmo antes da deposição de Jango, eu e muita agente estávamos pressentindo que as diversas campanhas que se espalhavam pelo Brasil, porém principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, de combate ao comunismo eram pretextos para um golpe de estado. Para evitá-lo eu me posicionei ao lado do presidente constitucional. Politicamente poderíamos até discordar de seu governo, de seus pensamentos e ações; conjunturalmente, tínhamos que dar-lhe apoio institucional. Edmund Burke, filósofo britânico, disse: ‘tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam’ [Aluízio foi buscar essa citação em um dos livros que estava lendo]. E estávamos caminhando para uma realidade que se mostrou brutal, cruel e frustrante.

Dinarte Mariz, meu rancoroso opositor político, e que nunca tinha perdoado a derrota que lhe impus em 1960, era o homem forte do Estado junto à linha dura do novo regime. Ele não se contentava com os bastidores, atuava na ribalta, à vista de todos. Seu objetivo era atingir Aluízio Alves, a pessoa, mesmo que para isso atingisse o governador e o Estado. Logo no início da ditadura, Dinarte tudo fez para que eu fosse cassado, só não conseguindo por intercessão direta de Castelo Branco, o primeiro presidente militar.

Mas o cenário não me era confortável. Os militares estavam no poder e o exerciam com toda a força e brutalidade. Djalma Maranhão, o prefeito de Natal, e o vice Luiz Gonzaga dos Santos, já tinham sido afastados dos seus cargos e presos. Nesse clima me levaram uma proposta: ou o governo do Estado realizava uma limpeza de funcionários esquerdista ou os militares o fariam de forma profunda e sem piedade. Me apresentaram uma relação com mais de uma centena de funcionários do Estado que seriam afastados e a maioria presa. Existiam coisas absurdas. Ponderei que na lista havia o nome de um cidadão que era católico fervoroso e até congregado mariano, e outro que era tido como integralista. Não houve trégua. Ou o Estado investigava os funcionários ou todos seriam sumariamente afastados, investigados e acusados pelos militares e, ainda, o Estado sofreria intervenção. Para mim teria sido fácil fazer uma bravata, uma prova de coragem, tão ao gosto dos caudilhos; mas bravatas desse tipo tinham custado a vida de Getúlio e Jango e Brizola foram cassados e tiveram que se refugiar no exterior. Como eles, eu poderia ter saído como mártir. Mas, um ato dessa natureza fatalmente seria danoso ao Estado e mais ainda para aquelas dezenas de funcionários. Não foi uma decisão fácil. No final, somente cerca de dez funcionários foram demitidos e menos disso foram aposentados compulsoriamente”.

Nessa altura de nossa conversa perguntei a Aluízio se, visto agora, depois de passados os anos, ele achava se poderia ter tido uma posição diferente. Ele me respondeu:

“Não se pode separar a reação da ação que lhe precede. Por isso acho que não deveria ter agido diferentemente do que agi. Os atos de todos os homens, e nesse caso particular de um homem público, têm que ser entendidos no contexto dos acontecimentos. Defendendo o meu mandato, em ultima análise, eu estava defendendo o povo do Rio Grande do Norte, que foi quem me elegeu. A outra opção era a substituição do governador e a intervenção militar no Estado. Um nome qualquer teria sido aprovado pela Assembleia para assumir o meu lugar, afrontando mais ainda a vontade do povo. Há quem possa dizer que compactuei com a ditadura, porém o que eu fiz foi defender a democracia que era possível em um regime de força, em uma ditadura, a mesma ditadura que depois cassou o meu mandato de deputado federal. Mas ai, eu já não era o governador do Estado e para o Rio Grande do Norte o mal foi menor. Se eu tivesse sido irresponsável e tivesse enfrentado os militares no nascer do golpe, os danos para o Estado teriam sido irreparáveis. Eu sairia como vitima, mas a vitima maior teria sido o Estado, aqueles funcionários que escaparam da degola e todo o povo do Rio Grande do Norte; o povo que me elegeu governador e até aqueles que não votaram em meu nome, pois a democracia sempre é plural e nunca seletiva”.

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