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A Consciência Política de Aluízio Alves – V: o homem só é feliz se tiver camisa

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Tomislav R. Femenick – Jornalista, mestre em economia com extensão em sociologia e história, membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

O Rio Grande do Norte tem uma população de 3.230.000 habitantes, o que correspondente a 1,67% da população nacional, sendo que aproximadamente 80% dos potiguares habitam em áreas urbanas. No ano passado o Produto Interno Bruto (a soma do valor de tudo que é produzido em uma dada região em um dado período de tempo) do Estado foi menor que R$ 39,000 milhões, representando 0,9% do PIB brasileiro, que alcançou R$ 4,403 trilhões. A nossa economia tem sua maior força no setor terciário (serviços, comércio, governo etc.), com 50,2% do total, seguido pelo setor secundário (indústria, construção e mineração) com 44,2%, e pelo setor primário (agropecuária, extrativismo etc.), com 5,6%. Nossas exportações situam-se em menos de 450 milhões de dólares, sendo que os itens mais representativos são pescados, frutas, tecidos e confecções de algodão, petróleo, castanha de caju, açúcar, bombons e confeitos e sal marinho. Nossas importações montam em aproximadamente US$ 110,3 milhões, concentrando-se em geradores eólicos, máquinas e matéria-prima industrial, tais como trigo, algodão e cartão ondulado.
Posse de Aluízio Alves
No tocante a nossa infraestrutura a situação era calamitosa. Não tínhamos qualidade técnica de produção, as estradas eram carroçáveis ou, quando muito, com estrita camada de piçarra. Asfalto só existia no trecho que os americanos tinham construído durante a segunda guerra, ligando Natal ao seu aeroporto. O porto de Areia Branca, o maior do Estado era uma ficção, pois os navios aportavam em alto-mar; o de Natal era pequeno e restrito a movimentação de alguns poucos produtos. O suporte financeiro para os produtores vinha através de empréstimos e financiamentos do Banco do Brasil e do Banco do Norte, porém em escala insuficiente e com juros altos. O Bando do Estado Rio Grande do Norte além de ser pequeno somente atendia aos correligionários políticos dos mandantes de então. Assim, o credito para financiar a produção era escasso e, por diversas razões caro. Vamos citar o caso da cadeia produtiva do algodão. Somente os grandes e alguns médios produtores rurais, conseguiam chegar aos bancos oficiais. Na maioria das vezes esses bancos concediam créditos aos maquinistas, as empresas beneficiadoras, que os repassavam aos intermediários e esses eram quem financiavam os pequenos produtores. Em cada uma dessas etapas os juros aumentavam. Por sua vez, os órgãos do Estado que deveriam planejar e orientar a produção nunca funcionaram ou tinham se tornados inoperantes, pois eram cabides de emprego de pessoas incompetentes, salvo raríssimas exceções.

Chegamos, enfim, ao último quesito: quem se beneficia da produção? Por vários motivos estruturais quase ninguém era beneficiado. Os produtores e os trabalhadores terminavam por obterem uma renda insuficiente. Os primeiros, os produtores individuais e mesmo as empresas, pela baixa produtividade resultante das práticas arcaicas de produzir; os trabalhadores, pelos baixos salários que recebiam. Entremeado a tudo isso havia na cadeia produtiva rural uma estrutura quase medieval. Estava impregnada em nossos costumes e práticas uma rede de atravessadores que atuava entre a produção e o destino dos produtos agropecuários. Esses intermediários compravam a produção dos ruralistas e a repassavam sucessivamente entre si, até que o algodão (e o milho, o feijão etc.) chegasse ao seu destino final, as empresas do sistema agroindustrial e ao consumidor. Em cada uma dessas etapas eles ficavam com uma parte da renda que deveria ser do agricultor ou do pecuarista, processo que encarecia muito além da medida a nossa produção. O resultado desse quadro era visível para quem quisesse ver, o padrão de vida do nosso povo era baixíssimo porque a renda da população era baixa e porque os alimentos e outros itens de consumo eram muito caros. Essa realidade era mais implacável por que, majoritariamente, a nossa era uma economia baseada na agropecuária. Era um círculo vicioso, que precisava ser quebrado.

Havia alguns outros setores como a mineração no Seridó, a extração de sal nos estuários dos rios Mossoró e Assú, os próprios maquinistas de algodão e, aqui e ali, algumas pequenas indústrias, que não alteravam o panorama. No geral o quadro era desolador”.

Em busca de um novo caminho

Nos anos cinquenta do século passado, durante o governo de Juscelino Kubitschek, o Brasil vivenciou uma verdadeira revolução socioeconômica. O Plano de Metas, lançado no inicio do seu mandato, proporcionou a vinda de capitais esternos para investimentos de risco e, com isso, houve condições para implantar no país as indústrias automobilística e naval, bem como alavancar o setor siderúrgico e a produção de energia hidráulica. Foram abertas estradas e aumentada a produção de petróleo. Para desenvolver o Nordeste, foi criada a SUDENE. No governo JK o país cresceu a uma média anual de quase oito por cento. Todavia o Rio Grande do Norte, por suas carências estruturais, pouco aproveitou dessa onda desenvolvimentista. O padrão de vida de nossa população continuou abaixo da media do país e mesmo do Nordeste.

Perguntei a Aluízio Alves o que ele tinha realizado para alterar esse cenário e ele me respondeu:

“Mesmo antes de assumir o governo nomeie uma comissão de pessoas de minha cofiança e com capacidade técnica no tratado de assuntos ligados à economia, para indicar quais os caminhos que tínhamos que percorrer para tirar o Estado da letargia e alcançar o desenvolvimento. Depois, por sugestão de Manoel de Brito, meu secretário de articulação política, acrescentei alguns técnicos da área social. O problema maior era que os órgãos do Estado não tinham projetos, programas, dados estatísticos, não tinham nada. Tivemos que partir do zero. Então nós criamos a CODERN (Cia. de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte), cujo objetivo era estudar as possibilidades de desenvolvimento e atrair investidores do centro-sul e de qualquer lugar do mundo. Uma das primeiras ações da CODERN foi contratar uma das mais afamadas empresas de consultoria econômica do mundo, a Arthur D. Little Inc., para prospectar nossas potencialidades de crescimento, encontrar as causas do não aproveitamento dessas oportunidades e evidenciar que ações o governo e a iniciativa privada deveriam tomar.

O relatório da Arthur D. Little apresentou algumas indicações para vários setores da economia potiguar. Indicou a necessidade de maior racionalização na produção de algodão e formação de uma indústria têxtil que usasse essa matéria-prima; a expansão da produção de sisal, com o uso de técnicas modernas; a formação de uma rede de criação de suínos e aves (que deveriam usar rações produzidas com insumos locais), para abastecer abatedores industriais; incentivo à produção de alimentos e frutas e instalação de um complexo industrial que fizesse uso de parte dessa produção. No setor de exploração de recursos minerais, foi constatada a inexistência de um estudo da geologia das regiões promissoras e de uma rede viária que servisse de escoamento da produção mineral. A mesma falta de conhecimento se dava quando às possibilidades reais para a indústria da pesca, onde não havia nenhum estudo sério do potencial, bem como de construção de barcos e entrepostos pesqueiros, de métodos modernos de pesca e distribuição do pescado.  Os estudos sobre a indústria potiguar indicaram a necessidade de modernização técnica das empresas ligadas à agroindústria e apontaram a possibilidade de uma fábrica de cimento. As recomendações iam mais longe e aconselhavam melhorias no fornecimento de água, energia elétrica, infraestrutura econômica, recursos humanos e abastecimento de alimentos com preços menores”.

Uma nova infraestrutura

O estado econômico de uma região é o resultado das condições econômicas e sociais preexistentes, fatos e precedentes que acontecem historicamente no local. Os problemas estruturais existentes nessa região são causas não resolvidas, que se tornam insolúveis pela sua repetição, pelo círculo vicioso como ocorrem. A alteração no “status quo ante” só ocorre quando há condições objetivas para mudar o entendimento dos procedimentos e os próprios procedimentos. Em outras palavras: há que haver novas tecnologias, tecnologias que devem ser compreendidas e usadas para quebrar o círculo de baixa produtividade, alto desperdício e baixa renda. Não se desenvolve uma região sem que se tenha conhecimento técnico suficiente para promover o crescimento econômico e social.

Perguntei a Aluízio Alves quais foram as providencias tomadas, já que se tinha um diagnostico da situação socioeconômica do Estado.

“O relatório da consultoria internacional apontou os problemas e indicou as soluções possíveis. Alguns problemas e soluções nós já tínhamos conhecimento, porém de forma não cientifica, sabíamos mais por intuição. A minha leitura do documento indicou dois pontos chaves: falta de tecnologia e falta de intraestrutura. Vamos analisar estes dois problemas.

A formação do conhecimento científico ocorre predominantemente nas universidades, de onde se espalha pelas empresas e órgãos públicos. Para o desenvolvimento econômico é vital que esse saber cientifico seja ligado à tecnologia da produção. O panorama do Rio Grande do Norte era pobre nesse aspecto. A primeira universidade do Estado foi instalada em 1959 e se originou de alguns cursos que existiam em Natal, sendo três deles na área de saúde (Farmácia, Odontologia e Medicina), e mais a Faculdade de Direito e a Escola de Engenharia. Veja bem, somente essa última era voltada para a produção. Em 1960, tinha sido fundada a primeira faculdade do interior, a Faculdade de Ciências Econômicas de Mossoró. Era evidente que nossa produção cientifica era incipiente, portanto insuficiente para suprir nossas necessidades. Esse mesmo panorama desolador do ensino superior era repetido nos planos do ensino primário [atualmente fundamental], secundário e técnico, sem contar a grande taxa de analfabetismo então existente. Então o meu cuidado foi reestruturar a secretaria de educação e criar programas que alterassem profundamente essa situação que não nos permitia sair da miséria intelectual. Foram fundadas novas escolas, construímos centenas de novas salas de alta, contratamos novos professores, reclicamos quase todos os professores e implantamos o método Paulo Freire de educação de adultos. Como resultado desse esforço, o numero de professores e de matrícula em escolas do Estado aumentou em mais de 60%. O início das mudanças tinha que acontecer pela educação, pelo conhecimento.

Entretanto esse grande esforço não teria repercutido se nós não tivéssemos expandido a infraestrutura necessária para o crescimento econômico. Para trazer a eletricidade gerada em Paulo Afonso pela CHESF-Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, foi criada a COSERN-Companhia de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte. No setor de comunicação instalamos a TELERN-Companhia Telefônica do Rio Grande do Norte. Localizado no Polígono das Secas, nosso Estado sempre teve carência de água, por isso também voltamos a atuação do governo para esse problema. Foram ampliados os serviços de abastecimento da CAERN-Cia. de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte, na capital como no interior, tanto na captação de água como na implantação de esgotamento sanitário – esse último com menos intensidade e mais localizado em Natal, porém a cidade de Touros foi totalmente saneada.

Essas foram algumas das ações tomadas com vista ao crescimento, ao desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte. Desejávamos fazer mais, porém as condições concretas, os problemas e a burocracia estatal nos impediram”.  

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