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A cordialidade brasileira

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João Medeiros Filho
Padre

Por onde anda a cordialidade brasileira? Indaga-se quem a retirou do cenário de nossa pátria. O país está dividido, predominando os diálogos ríspidos e a falta de bom senso. A intuição de muitos permanece em constante estado de alerta. A maioria das pessoas não ouve mais o outro até o final de uma frase. Tampouco se lê com atenção livros, artigos ou mensagens nas redes sociais, até o fim. De imediato, já se começa a brigar. Se houvesse uma análise de interpretação de textos, vários demonstrariam o quanto são superficiais e equivocados em suas observações e comentários. Aquela expressão popular “andar com quatro pedras na mão” está cada vez mais presente. Parece que muita gente carrega os bolsos cheios delas para jogar em Maria, João, José ou você. A população vive pronta para atacar, ao menos verbalmente, marcada por intransigência, radicalismo e ódio. Há um constante mote de uns contra os outros, por motivos, não raro, fúteis, com demonstrações cabais de ignorância e intolerância. Isto vem transformando rapidamente nosso “país abençoado por Deus”, rico e exuberante em sua natureza, em território minado, fértil de contradições e relativismos. A discórdia está se tornando regra, a harmonia esparsa. O equilíbrio e o assentimento foram retirados de seu “habitat” para se instalar a provocação e a desavença.

Percebe-se, de plano, que muitas pessoas estão com a sensibilidade à flor da pele, mesmo que se esforcem para manter a calma. E isto tem motivações diversas: sociais, econômicas, religiosas, especialmente, políticas e ideológicas. Há quem se irrite com o vendedor ambulante (outrora folclórico), anunciando o seu produto pelo megafone. Ouve-se uma música e isso já é motivo de polêmica, pois o autor é de direita ou de esquerda. O telefone toca e o som incomoda. Ultimamente ninguém liga mais, apenas “whatsappa” (que os mestres da língua pátria nos perdoem o barbarismo).

Há forte sensação de que o inconsciente coletivo está perturbado e perturbador. Muitos estão doentes, atingidos por um bombardeio psicológico. Reina a dialética do bem e do mal, sem mais opções. Ou alguém está comigo ou contra mim, sem variações, e assim ninguém poderá entrar em acordo. Não se pode mais brincar, afirmando-se que a causa desse mal-estar deve ser a água que se bebe. Assemelha-se ao ataque de um vírus, contaminando amigos, familiares, crianças, jovens, autoridades e até religiosos. Vem se perdendo a noção do convívio, da temperança e sobretudo do respeito. Há quem diga que hoje a paz reside apenas em claustros, onde não se cultiva o hábito de ver televisão e as redes sociais.

É impossível ficar indiferente e silente diante da agonia do valor da vida. Onde está o país cordial, que vem sendo soterrado progressivamente? Não há como negar que nos últimos anos, a política nacional, os transtornos, a corrupção, os embates entre os poderes, o menosprezo dos valores e a inversão ética seguiram criando um novo estilo de grupos, rede de amigos que nunca se conheceram. Antes anônimos, tornam-se celebridades influentes na mídia.  O inimigo ficou invisível e se disseminou por todos os lados. Os levianos unem-se e constituem uma ameaça, carregando a hipocrisia, a ignorância, em nome de fatos irrelevantes. Estes alimentam a razão de ser de muitos cidadãos irrefletidos e acovardados diante da vida medíocre, anárquica e antiética que se pretende instalar.

O Brasil de hoje está muito pouco razoável. Encontra-se indefinido, inseguro e travado. O que vai acontecer com ondas sucessivas de desrespeito e afronta?  Caminha-se, sem se aperceber, em meio aos tropeços e irreflexões, para o caos, caso não apareçam líderes. Onde estão os homens de boa vontade de que fala o Evangelho de Jesus Cristo? E as igrejas, os pastores e os dirigentes espirituais? Pairam no ar o desejo, a verdadeira nostalgia e um grito de socorro: os brasileiros cordiais necessitam urgentemente retomar seus postos! Assim ensinou o apóstolo Pedro: “Sede todos cordiais e humildes” (1Pd 3, 8). E enfatizou Paulo: “Antes sede uns para com os outros benignos, cordiais e compassivos” (Ef 4, 32).

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