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“A corrupção nunca vai acabar”

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Ele não mudou quase nada em relação à política. Frei Betto continua um socialista convicto, embora não tenha mais aquela esperança de um mundo vermelho como sonhava há 40 anos.  

O principal líder de esquerda ligado à Igreja Católica do Brasil  esteve em Natal esta semana participando de um Congresso sobre Direitos Humanos e  proveitou para fazer o lançamento em solo potiguar do livro “Mosca Azul”, onde faz uma reflexão sobre os últimos 40 anos da política brasileira.

Ele recebeu a TRIBUNA DO NORTE na quarta-feira e falou sobre o livro, a cultura da corrupção brasileira, Cuba e a atuação do ministro da cultura Gilberto Gil.   

TRIBUNA DO NORTE O livro “Mosca Azul” é uma crítica ao governo Lula?
Frei Betto: Não. O título nasce de um poema do Machado de Assis. Fala de um servo que foi picado pela mosca azul e se sentiu como um sultão. A idéia e a reflexão que faço sobre isso vale para o político, mas também vale para o diretor da escola, para o gerente do banco, para a guardiã das velas… e acabo fazendo uma análise dos últimos 40 anos na política brasileira com as relações de poder como pano de fundo.

Como o senhor vê a cultura da corrupção no Brasil hoje?
FB: A corrupção nunca vai acabar. É decorrência daquilo que em termos bíblicos é chamado de pecado original. Esse é o grande desafio. Nasce a partir do momento em que eu tenho vontade de praticar a corrupção. Não podemos criar uma sociedade acreditando em virtudes éticas individuais. São importantes, mas não suficientes. Quando as instituições são éticas eu não tenho espaço para praticar a corrupção. Então fico na minha vontade de praticar o mal.

As CPIs vêm desempenhando um papel importante neste caso?
FB: De um lado as CPIs cumprem um papel importante, de outro cometem um delito. Quem faz as leis do país? O congresso. Já que está havendo tanta maracutaia, porque eles não aproveitam para fazer novas leis que impeçam isso. Aí ficam falando de reforma política e outras lendas. O que saiu agora em termos de critérios para a eleição é uma bobagem. Isso não evita o caixa 2. Mas a questão é mais profunda.  É como você criar um institucionalidade legal que realmente vede todos os buracos e brecha para a corrupção.
 
O senhor acha que o “negócio” do ministro Gilberto Gil é o poder público?
Talvez o Gil seja o melhor ministro da Cultura que a gente já teve, ao Celso Furtado. E digo isso muito à vontade porque na época fui uma das pessoas que criticou a escolha dele. Tenho que dar a mão à palmatória. Acho que com um baixíssimo orçamento ele conseguiu fazer um grande trabalho. Além disso representa bem a cultura brasileira.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, declarou há um mês que vê Cuba como um modelo de democracia mundial. Qual a sua visão sobre isso?
FB: Não chego a tanto. É um modelo de sociedade dentro de uma sociedade socialista, mas não podemos tomar como modelo. Devemos reconhecer os méritos de Cuba, pelos índices sociais, que são os melhores da América Latina. Quando você sai do aeroporto de Havana tem um outdoor com um garoto de uniforme escolar e a seguinte: `Esta noite, 200 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma delas é cubana´. Que outro país da América Latina pode fazer isso sabendo que o turista que vai entrar, vai checar para saber se isso é verdade? A saúde e a educação em Cuba é para a vida toda.

Então por que a gente vê os cubanos tentando fugir da Ilha?
FB: Voltamos ao pecado original. Você conhece algum cubano que saiu da ilha para cuidar dos pobres em algum lugar do mundo? Meu caro, todo bebê é capitalista. Você olha para ele na sua casa e às 3h da madrugada ele põe a boca no trombone. Não quer saber se você está cansado, se vai trabalhar no dia seguinte… lamentavelmente, o espírito capitalista é intrínseco ao ser humano. Não é possível, sabe…. viver numa sociedade socialista é como viver num mosteiro como eu vivo. Você precisa saber pensar no outro.

Na volta de uma viagem a Cuba no início do governo Lula, numa época em que Fidel Castro cassou intelectuais e jornalistas da ilha, a imprensa questionou o fato do senhor e outros da comitiva oficial terem ficado calados. Sua resposta foi curta: “Aos inimigos a denúncia, aos amigos a crítica velada”. O senhor considera uma posição democrática?
Se eu posso fazer uma crítica a você porque eu vou para a esquina alardear, sabe… A menos que você seja um inimigo, aí é denúncia não é crítica. Se eu sou teu amigo, se você é meu amigo, quero que você fale comigo. O contrário não tem o menor sentido. É uma questão ética.

O senhor acha que saiu no momento certo do governo?
Saí no momento certo sim, antes desses escândalos. Mas já tinha avisado o presidente Lula que ficaria apenas dois anos, que meu negócio não é o poder público. Minha praia é a literatura, meus afazeres…

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