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A corrupção profissionalizada

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Wilson Tosta – Grupo Estado

Brasília – De dinheiro entregue em malas a dirigentes de partidos, dólares na cueca e saques na boca do caixa do banco por parte de parlamentares, como os revelados entre 2003 e 2005, não se ouve mais falar nem em cochichos pelos cantos. Mas a partilha de ministérios e estatais entre partidos com interesses específicos – a argamassa da política de alianças que revelou o escândalo do mensalão – ainda é feito da mesma forma. Sete anos depois do maior escândalo do governo do PT, que abalou as estruturas da República e pulverizou as cúpulas do PT, PP e PL (hoje PR), além de resultar na cassação do mandato dos ex-deputados José Dirceu (também ex-ministro da Casa Civil), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Correa (PP-PE), as disputas pelos espaços nos ministérios e estatais que administram verbas bilionárias ainda são corriqueiras.
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Os escândalos também se sucedem, a exemplo dos que levaram à queda sucessiva de ministros do governo Dilma Rousseff, como Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esporte), Carlos Lupi (Trabalho) e Mário Negromonte (Cidades). Foram seis ministros de cinco partidos diferentes da coligação de apoio ao governo. Todos suspeitos de envolvimento em mau uso do dinheiro público e favorecimento aos partidos aos quais pertencem. Exatamente como no escândalo do mensalão, em que Maurício Marinho, chefe de seção dos Correios, foi flagrado embolsando R$ 3 mil. Marinho era filiado ao PTB, como era também o presidente da autarquia na época, Antonio Osório, homem de confiança do presidente da legenda, Roberto Jefferson. Com medo da pressão que poderia sofrer, Jefferson abriu a boca e denunciou o mensalão.

Hoje o PTB não controla mais os Correios. Ainda assim, no governo Dilma a sigla ganhou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em troca da fidelidade nas votações de propostas de interesse do Palácio do Planalto. Por conta de escândalos, já teve de trocar o dirigente da estatal. Saiu Evangevaldo Moreira, apadrinhado do líder do partido na Câmara, Jovair Arantes (GO), e entrou Rubens Rodrigues dos Santos. Como o antecessor, Santos é amigo de Jovair. A Conab é mais do que um feudo do PTB. É um feudo de Jovair Arantes, candidato a prefeito de Goiânia com o apoio do governador tucano Marconi Perillo – este, por sua vez, envolto em denúncias de envolvimento com o esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira. A salada partidária e os esquemas de manutenção de poder via domínio da máquina pública continuam, portanto, iguais há décadas no País.

O governo começou agora a ocupar espaços que antes não tinha. Por exemplo: os dois últimos ministros nomeados para o Tribunal de Contas da União (TCU). José Múcio Monteiro era do PTB, da ala que divergia de Roberto Jefferson; Ana Arraes é mãe do governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos. Desse modo, o TCU, antes um bunker da oposição – seus ministros eram quase todos ligados ao PSDB e ao DEM, por causa das indicações de governos anteriores –, começa a tomar ares governistas.

No início do mês, Ana Arraes considerou legal um contrato do Banco do Brasil com a DNA, agência de publicidade do empresário Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão. Mas a decisão foi suspensa na última quarta-feira por outro ministro do TCU – Aroldo Cedraz.

Relator da CPI dos Correios, que investigou o valerioduto entre 2005 e 2006, Osmar Serraglio (PMDB-PR) afirma que os partidos já não ocupam pontos estratégicos de ministérios e estatais, como as comissões de licitação e as diretorias financeiras. “Dilma tem entregado os caixas das empresas para técnicos”, afirma.

Escândalo foi um caso de gravidade extrema e inédita

Em sentido diverso, outro pesquisador da história brasileira, José Murilo de Carvalho, autor, entre outros, de Os bestializados – o Rio de Janeiro e a República que não foi –, avalia que o mensalão foi um caso de gravidade extrema e inédita. “Pelo número e importância das pessoas envolvidas, pela instância máxima do julgamento (STF) e pela grande cobertura da imprensa, pode-se dizer que se trata da mais importante denúncia de irregularidade da história da República”, afirma.

Ele avalia ser impossível fazer um paralelo com casos ocorridos no Império e mesmo na República Velha. “Havia na época (da monarquia) menos gente para roubar, menos coisas a serem roubadas e um chefe de Estado com um lápis vermelho na mão para fiscalizar políticos e funcionários. Na Primeira República, também as malfeitorias eram menos comuns e mais contidas”, explica o pesquisador.

José Murilo pondera que, com o crescimento do Estado, cresceram o número e a diversidade de políticos e as oportunidades de corrupção. “A essas mudanças, digamos, estruturais, em parte devidas ao próprio avanço da democracia, acrescentou-se, como fator precipitador, a impunidade dos governantes durante o período militar, quando se formou boa parte da elite política atual”, diz ele. “A restauração da legalidade trouxe avanços na democracia social, mas não nas práticas republicanas do bom governo. E a combinação de mais oportunidades para malfazer, de um lado, e liberdade de imprensa, um Ministério Público e uma Polícia Federal mais atuantes, de outro, aumentaram a visibilidade da corrupção.”

O pesquisador afirma ainda que mudanças da postura de partidos que trocam a oposição pelo poder – como ocorreu com o PT – são fenômeno conhecido. “No Império, dizia-se que nada era mais parecido com um saquarema, um conservador, do que um luzia, um liberal, no poder, e vice-versa. O poder é um vício, seu uso gera vontade de mais poder, sobretudo entre nós, onde é cada vez mais um negócio”, acrescenta.

Entre as causas do mensalão, ele aponta a tradição patrimonialista (de apropriação privada do público) do Estado brasileiro, a necessidade de formar grandes coalizões políticas e “a escandalosa impunidade da turma do andar de cima”, o que torna o crime compensador. “Daí a importância do julgamento que está para começar. Por seu resultado se saberá se tinha ou não razão o mensaleiro que profetizou a transformação do episódio em ‘piada de salão’.”

Autor de Corrupção, mostra a sua cara, a ser lançado dia 2, o historiador Marco Morel, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diz ser “fanfarronice” apontar o mensalão como maior escândalo da história brasileira. “Até porque tem muita corrupção que a gente nunca vai conhecer.”

Homem da mala deu lugar ao  sistema bancário

Brasília (AE) – Para pesquisadores entrevistados pelo Estado, o mensalão significou um rompimento com o tipo de corrupção que tradicionalmente marcou a política brasileira. A ação individual dos corruptos, para fins pessoais, foi sobrepujada pelo uso político-partidário do dinheiro sujo, avaliam.  “Acho que não tem nada parecido na história do Brasil”, diz a cientista política e historiadora Maria Celina d’Araújo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “Há (tradicionalmente) casos individuais de corrupção. Agora, com um partido que está no governo foi um fato único. Não estou dizendo que outros partidos não tenham seus esquemas. Mas o caso do mensalão tem como característica que as denúncias envolvem um partido. Foi feito de forma sistemática.”

A pesquisadora avalia que foi novidade, no escândalo, o uso sistemático do sistema bancário. “Não foi só dinheiro na cueca”, ressalta, em alusão ao caso do assessor petista preso pela Polícia Federal em 2005 com US$ 100 mil escondidos na roupa e levando outros R$ 200 mil. Para Maria Celina, a corrupção apontada no escândalo não tem a ver só com a sociedade brasileira, mas com o estágio das sociedades em geral, com o que chamou de “avanço dos procedimentos democráticos”.

“Enfim, não é uma coisa genética do Brasil. Tem a ver com características institucionais da sociedade”, afirma Maria Celina. “Com boas instituições, a gente vai diminuir a corrupção. Se a gente tiver um Judiciário funcionando direito, essas coisas não vão acontecer”, complementa.

Corrupção é um mal endêmico na vida do brasileiro

Advertindo que a existência do mensalão “nunca chegou” a ser provada, o historiador Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que “o PT envolveu-se em grossa corrupção, que merece investigação, apuração e, quando for o caso, condenações”. Ele lembra que, apesar do que considera falta de provas sobre o caso, “o nome (lançado por Jefferson) pegou e se tornou uma arma política de combate ao governo Lula e ao PT”.

O pesquisador resiste, porém, a considerar o caso o maior do tipo na história do País ou da República. “A tradição de corrupção na história do Brasil é densa e antiga”, afirma. “Digamos que o escândalo é um dos mais importantes, pelos personagens envolvidos, pelo montante dos recursos e pela promiscuidade entre o público e o privado.” Aarão Reis acha que é possível traçar paralelos com outros escândalos envolvendo corrupção, como a crise que levou o presidente Getúlio Vargas, em 1954, a se matar, ou o caso PC Farias, que provocou o impeachment do presidente Fernando Collor em 1992. “Mas é preciso não esquecer a corrupção disseminada na época da ditadura, que nem sequer era mencionada, muito menos apurada e investigada.”

O historiador discorda da ideia de que nunca houve tanta corrupção no Brasil como agora. “A questão é que ‘nunca antes neste País’ se investigou e se apurou como agora. O que evidencia um amadurecimento democrático da sociedade, que resiste cada vez mais à corrupção, e também o aperfeiçoamento das instituições, bastante fortalecida pela Constituição de 1988.”

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