Woden Madruga [[email protected]]
Volto à gaveta dos papéis desarrumados remexendo e rebuscando guardados que ajudam a despertar a memória em busca de lembranças já adormecendo. Na primeira investida pego duas cartas preciosas. Uma, do doutor João Medeiros Filho, o grande advogado, o jurista, o escritor. A outra, assinada por Sanderson Negreiros, o poeta maior, cronista idem, generoso amigo com quem, três vezes por semana, troco telefonemas. Houve um tempo em que as nossas conversas eram diárias, começavam nas redações dos jornais e esticavam pelos bares da vida passando pelas esquinas da Ribeira e do Grande Ponto. Outros pontos cardeais. O dr. João Medeiros, infelizmente não já anda mais por aqui. Encantou-se em 21 de fevereiro de 1987. Saudades.
As duas cartas são manuscritas, a letra do doutor João Medeiros Filho mais redonda do que a do poeta. A carta do dr. João Medeiros é datada de 17 de dezembro de 1977; a de Sanderson não tem data, mas pelo conteúdo acredito que tenha sido escrita coisa do final de 1975 começo de 76 quando ocupava a presidência da Fundação José Augusto. A cultura aparece como mote nas duas cartas, entre outros temas. Vou transcrevê-las começando com a do dr. João Medeiros Filho:
“Prezado Woden:
Saúdo-o.
Agradecendo as notícias que tem dado a respeito dos meus últimos livros – “Impeachment etc.”, pediria ao amigo que anuncie na sua coluna meu novo endereço – Rua Joaquim das Virgens, 46, Barro Vermelho, fone 222-6525. Sei que com isso dou prejuízo ao jornal, mas tenho certeza de que a convivência de quase 30 anos, entremeada de alguma colaboração espontânea, pode servir de compensação razoável.
Aproveitando a oportunidade, envio-lhe uma cópia da palestra pronunciada no dia 23 de novembro último no quartel da Polícia Militar. A parte que considero mais importante nesse trabalho é a referente à contestação a certos trechos do livro Vertentes, de João Maria Furtado, repondo a verdade quanto às declarações de embuste à figura do soldado Luiz Gonzaga. Agradeceria muitíssimo se me comunicasse pessoalmente o resultado da leitura.
Ao que concerne à “devastação” da Biblioteca do Tribunal de Justiça, salvaram-se dois livros meus ´”Erro Essencial de Pessoa” e “Reajuste Pecuário”, graças a prestimosidade de amigos. Embora reconheça o dessabor desses livros, não quero vê-los atirados ao lixo. As estruturas físicas a que você se refere não poderiam sofrer abalo com o peso da biblioteca, que está no andar térreo. O Fórum nada sofreu; o que decaiu, o que declinou foi o nosso foro de nobreza cultural plasmado na palavra e na pena dos nossos juristas maiores. Se a ciência for subjugada pelas “traças” e pelo desamor de alguns homens, já não poderemos gosar as delícias de nos bastarmos e a nós mesmos, vivendo novos ideais, novos anseios, pois sempre haverá uma hecatombe, não como morticínio, carnificina, mas no significado de sacrifício da inteligência, dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, dos valores espirituais, da civilização.
“Quando será” que isso terá um fim?
Um abraço de
João Medeiros Filho
Natal, 17/12/1977”
Notinha de WM: Antes de se mudar para o Barro Vermelho, onde fomos quase vizinhos, o doutor João Medeiros Filho morava na Praia da Redinha. Na folha de papel em que escreveu a carta está impresso, no rodapé, o endereço de sua casa do outro lado do Potengi: “Res. Praia da Redinha – Rua José Herôncio de Melo, S/N”. Hoje, a principal avenida daquelas bandas, da Redinha a Igapó, tem o seu nome.
A carta de Sanderson
Escrita em Natal, mas sem data, eis a carta de Sanderson Negreiros, falando de seu exame para professor da UFRN, de um plano nacional de Cultura e de projetos na Fundação José Augusto:
“Caro Woden
Estou de volta de Brasília e fazendo exames, como você fez para a Universidade. Estive em Brasília discutindo, com outros secretários de Cultura e presidentes de Fundação, o Plano Nacional de Cultura.
Fiz uma explanação sobre o que modestamente estão conseguindo com a nossa política para o interior. Somos o estado brasileiro que mais implantou bibliotecas nos municípios. E disso foi dito por Herberto Sales, diretor do Instituto Nacional do Livro, diante do ministro da Educação. O Circo da Cultura… mas dez estados querem implantar o projeto.
Depois de 15 de julho, o MEC vai trazer para Natal por 2/3 dias todos seus órgãos culturais. Consegui com o SNT financiar um grupo permanente de teatro para a Fundação.
Recebemos já do INL o caminhão biblioteca. Herberto Sales, que vem em julho inaugurar a última biblioteca a ser instalada, inaugura o Caminhão-Biblioteca (em reparos), e assina convênio, outro, em coedição com a Fundação e o Instituto Nacional do Livro para publicar dez obras básicas da cultura do RGN.
Mais: o Instituto Nacional de Folclore comprometeu-se a montar no Museu do Sobradinho, que atualmente é só de história, um Museu de Cultura Popular. Além do compromisso de patrocinar no 2º semestre o Encontro Nacional de Poesia Popular, projeto nosso já elaborado.
Por ora, só. Um abraço
Sanderson”.
Nei em Veneza
Cartão postal de Nei Leandro de Castro, passeando pela praça de São Marcos, olhando as gândolas:
“Venezia, 28-9-89.
Woden,
Sem nenhum bairrismo: melhor do que isso, só mesmo uma cabeça de bode com Caranguejo exportação. Estou no quinto uísque e a saudade dói como um espinho. Mesmo estando na cidade mais incrível do mundo. É uma merda, né? Abração,
Nei”