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A difícil tarefa de fazer cinema

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Luzia, a filha de um influente coronel do sertão potiguar, fugiu do altar para livrar-se de um casamento “arranjado” pelo pai. Ela vive perambulando entre uma cidade e outra em busca do grande amor. Mas, agora, quer casar. A história dessa moça compõe uma das mais audaciosas produções cinematográficas do Rio Grande do Norte – “A filha do coroné quer casar” – cuja primeira exibição está prevista para o dia 13 de junho no município de Santa Cruz, a 111 Km de Natal. Mais que a produção de um filme, os profissionais engajados no projeto mostram como é feito e o quanto é difícil fazer cinema no Brasil.

O diretor de cena e um dos autores do roteiro, Henrique Fontes, afirma que o principal objetivo é mostrar a possibilidade de produzir um trabalho em película com o mínimo de condições em um estado com pouca tradição e em plena caatinga. “No final das contas, teremos um filme que mostra os dois lados: a apaixonante história de Luzia, essa personagem que foge do casamento. Mas essa história é um filme dentro de outro filme: a história de se fazer cinema em oito dias, em comunidades do interior do Rio Grande do Norte, nas condições que a gente encontra e lugares e pessoas que nunca vimos antes”, afirmou.

A produção ocorre principalmente no município de Santa Cruz – com cenas filmadas na zona rural e outras na cidade – e só foi possível em função das doações e apoio logístico da população e Prefeitura. O grupo decidiu mostrar que com pouco recurso, muito trabalho e criatividade, é possível buscar o cinema na imaginação das pessoas que vivem na simplicidade da vida no interior do Estado. O diretor geral de “A filha do coroné quer casar”, Buca Dantas, afirma que primeiro surgiu a forma e não o tema.

“Após alguns anos de pesquisa sobre cinema com Geraldo Cavalcanti (roteirista), cheguei à conclusão que deveríamos criar uma nova forma de fazer cinema no Brasil. Pesquisei muito e conversei bastante com cineastas brasileiros até chegar ao formato desse filme”, disse Buca Dantas. Só então passou a convidar outras pessoas até formar a equipe. “O encontro deu a possibilidade desse projeto existir porque, até então, não conseguia executar a idéia”, afirmou.

Geraldo Cavalcanti explica que apenas escreveu o início do roteiro e o desenrolar da história ficou por conta das pessoas das comunidades por onde passavam para gravar as cenas. Alguns sequer conheciam uma câmera ou sabiam como nascia um filme. Mas cada um, de acordo com a imaginação, sugeria ao roteirista a seqüência da saga de Luzia pelo casamento. A população dos sítios e das cidades por onde a caravana passava sugeria e atuava como personagens de um filme cujo final, ao menos até ontem (último dia de filmagem), nem Geraldo Cavalcanti conseguia imaginar. Mas os personagens que falo são profissionais e pessoas para dar vida a um projeto que, por si só, já é caótico.

“É uma afirmação até certo ponto perigosa. Mas para fazer cinema você não precisa, necessariamente, freqüentar academia. As pessoas são atores e atrizes em potencial. Então, chegamos às comunidades, reunimos as pessoas e junto com elas criamos o roteiro e recrutamos alguns da própria comunidade para interpretar os personagens da história. Não tem nenhum roteiro ou história finalizada. Tudo começa da idéia de uma noiva recém chegada da França que abandonou o altar, depois de um casamento imposto pelo pai, que é coronel”, disse.

O trabalho começa junto com os primeiros raios de sol e segue até tarde da noite, quando são gravadas algumas cenas que atraem dezenas de curiosos. As doações – desde os veículos e motoristas, até a hospedagem e alimentação – proporcionavam a permanência da equipe na região onde as cenas eram gravadas durante os oito dias. O trabalho contou ainda com a participação de bandas e cantores norte-rio-grandenses – Mad Dogs, Rosa de Pedras, Babau e Galvão Filho, inclusive artistas das cidades onde ocorriam as filmagens.

Em busca da capacidade de criação

A preocupação dos produtores era não apenas a história de Luzia, mas mostrar tudo que se passava no mesmo instante que as cenas eram produzidas e gravadas. Tudo minuciosamente gravado e fotografado para servir também de objeto de estudo. Para Henrique Fontes, é muito mais que simplesmente uma câmera na mão e uma idéia na cabeça, como disse Glauber Rocha – cineasta e precursor do novo movimento cinematográfico brasileiro, o Cinema Novo, que revolucionou a linguagem do filme brasileiro nos anos de 1960, que entrou para a história do cinema mundial.

“Aqui, é uma câmera na mão e o que a gente encontrar na cabeça das pessoas em nosso Estado. Mais do que isso, é revelar não só o imaginário, mas a capacidade impressionante de criação, representação e exposição desse povo para o abstrato de criar a arte”, afirmou Henrique.

O roteirista Geraldo Cavalcanti afirma que a maior dificuldade para o cinema brasileiro continua sendo financeira. Mas ressalta que nem por isso é impossível produzir. Segundo ele, é importante mostrar a produção e o que é preciso criar para obter o resultado final. Tudo dentro de um custo mínimo e espontâneo.

Por onde a equipe passava ou parava – especialmente nas comunidades rurais – logo se formava uma pequena multidão de curiosos. Alguns não entendiam o que aquelas pessoas pretendiam ali, em plena caatinga de folhas secas e galhos retorcidos pela seca. Alguns até imaginavam que a equipe raptava crianças. Para os atores oriundos do teatro, o cenário dispensava o esforço da imaginação humana na busca pelas sensações porque tudo ali é real. Inclusive a pobreza, a criatividade e hospitalidade de quem até então não entendia como são feitos os filmes, mas souberam como ninguém escrever a história de Luzia.

José Antônio da Silva, 13 anos de idade, observou bem de perto a gravação de uma das cenas na zona rural do município de Lajes Pintadas. Montado em uma bicicleta, sem mexer os olhos em outra direção que não fosse a de um lajedo onde a banda Rosa de Pedras atuava em uma das cenas do filme, o menino nem se deu conta que em alguns instantes as lentes o enquadrava. “Ouvi falar na história de Luzia e vim ver”, disse. O “filme do filme”, como denominam os diretores e produtores, será exibido em Natal no dia 17 de junho.

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