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A dona da chave do cofre

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Tomislav R. Femenick 
Jornalista e historiador
Meus bisavôs maternos se chamavam Vicente e minhas bisavós, também maternas, chamavam-se Philomena. Deles somente conheci um, o coronel (da Guarda Nacional) Vicente Ferreira da Mota, pai de minha avó, Maria da Mota Lima. 
Quando meu pai faleceu no Rio de Janeiro, onde morávamos, eu, com sete anos de idade, e minha mãe viemos morar na casa de meus avós, em Mossoró. Era um mundo bastante desconhecido, se não estranho, para mim. 
Meu avô, o coronel (também da Guarda Nacional) José Rodrigues de Lima, era bastante conhecido na região e no Estado. Era proprietário de salinas, comerciante, dono de empresa de navegação de pequeno curso, industrial, agricultor, sócio do Banco Mossoró e proprietário de imóveis localizados em Mossoró, Rio de Janeiro, Natal e Apodi. Foi pioneiro no cultivo de frutas irrigadas e na indústria têxtil. Homem bastante prático e simples, que usava camisas feitas de sacos de açúcar (eram mais resistentes e frescas para enfrentar o calor), calças de zuarte e chinelos de dedo, feitos por ele mesmo com couro de boi. Para evitar cinturão, usava duas arreatas nas calças que, laçadas, substituíam-no. Usava, de vez em quando, um chapéu de palha, daqueles feitos aqui mesmo. De pouca instrução formal, era um leitor ávido de livros espiritas e dos que explicavam as teorias de Einstein. Detestava política.
Já minha avó, Maria da Mota Lima, a Dona Mariquinha, tinha a política no sangue. Seu pai, Vicente Ferreira da Mota, dois irmãos, o padre Mota e Francisco Vicente Cunha da Mota, bem com dois sobrinhos foram prefeitos de Mossoró. Isso sem contar com o célebre Mota Neto, prefeito, deputado estadual e federal. Na época da campanha, a nossa casa virava um comitê eleitoral e no dia da eleição era ela que cuidava daquilo que hoje chamamos de logística: transporte, alimentação e abrigo para os eleitores.
Além dessa atuação, Dona Mariquinha tinha outras atribuições: cuidava da casa e dos jardins que a circundavam, cobrava os aluguéis dos imóveis, cuidava do dinheiro do dia a dia e tinha a chave do cofre que existia lá em casa. 
Estava escrevendo este artigo quando minha neta perguntou se eu não tenho saudades daquela época. Disse que tenho. Mas que prefiro viver o hoje. Saudades é para se guardar no coração.
Minha avó tinha outros predicados bem próprios dela. Um deles era a leitura de jornais, assinava todos da capital e de Mossoró. Quando sabia que alguém de seu circuito de amizade ir viajar, encomendava os jornais do lugar e de onde mais pudesse. O seu “ritual jornalístico” (como nós chamávamos) era simples: depois do café da manhã, arrumava os jornais por ordem de data para assim os ler; mais a Ordem, de Natal, sempre era o primeiro. Quando está nessa tarefa, não atendia a ninguém que não fosse o marido. 
Dona Maria da Mota Lima e o coronel José Rodrigues tiveram 21 (vinte e um) filhos. Só dez sobreviveram.
* Artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor
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