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A emoção cantada de “Os Miseráveis”

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Os números impressionam, e dão uma ideia da dimensão e da importância de “Os Miseráveis”, obra clássica em cinco volumes do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), para a literatura mundial. Publicado em 1862, e lançado com  simultaneamente em sete países da Europa e no Rio de Janeiro, o livro possui 48 adaptações para cinema e televisão, produzidas desde 1907 em países de cultura distintas como Egito, Turquia, Japão, Índia, França, Estados Unidos, México, Rússia e Brasil; e mais seis versões de musicais para o teatro. A primeira dessas versões, e a mais famosa, criada em 1980 por Robert Hossein, Claude-Michel Schönberg e Alain Boublil, serviu como ponto de partida para a superprodução norte-americana dirigida por Tom Hooper, ganhador do Oscar em 2011 por “O Discurso do Rei”.
Inspirado em obra de Victor Hugo e baseado em musical da Broadway, Os Miseráveis chega às salas locais com pompa e clima de ópera
Estrelada por Hugh Jackman (Jean Valjean), Amanda Seyfried (Cosette), Russel Crowe (Inspetor Javert) e Anne Hathaway (Fantine), a nova versão cinematográfica do musical estreia esta sexta-feira nos cinemas brasileiros e em Natal, por enquanto, está em cartaz apenas na rede Moviecom. O filme está indicado ao Oscar 2013 nas categorias de melhor filme, ator, atriz coadjuvante, canção original, mixagem de som, figurino, design de produção, maquiagem e cabelo.

A história se passa na França do século 19, entre duas grandes batalhas: a Batalha de Waterloo (1815) e os motins de 1832, tendo como fio condutor a trajetória do ex-detento Jean Valjean, condenado a 19 anos de prisão após roubar um pão. Em torno dele giram outros personagens, e juntos testemunham a pobreza e a miséria daquele período.

O jeito é abandonar-se à música e ao visual

Luiz Zanin Oricchio

Continua entrando a safra Oscar e agora chegam “Os Miseráveis” e “O Lado Bom da Vida”. O musical, adaptado da peça e do livro de Victor Hugo, dirigido por Tom Hooper, é vencedor do Globo de Ouro de melhor comédia ou musical, divisão que não existe na Academia de Hollywood. Em todo caso, entra com oito indicações e seu cacife é bom. Talvez não para ganhar os prêmios principais, mas alguns dos secundários.

E o filme em si? Bem, é um musical puro. Isto é, todos os diálogos são cantados, com uma ou outra raríssima exceção. Há gente que não tolera isso. Tanto assim que não vemos os cartazes apregoar que se trata de um musical. Como se fosse algo a ser escondido. Tolice, há grandes musicais, o maior de todos “Cantando na Chuva” (Stanley Donen/Gene Kelly). Mas, enfim, quem for ver (e ouvir) o filme deverá ir com o espírito de quem vai a uma ópera. Isto implica, entre outras coisas, abandonar a cobrança do realismo, uma das referências mais automáticas do cinema, em especial o cinema comercial. De qualquer forma, “Os Miseráveis” é o musical mais visto do mundo. Funcionará na tela? É conferir.

O jeito é abandonar-se à música, ao visual, que tem algumas sequências magníficas, e à emoção de uma das mais tocantes histórias já escritas. Qual é essa história? A de Jean Valjean (Hugh Jackman), preso por roubar um pão e conduzido às galés. Ao sair do cárcere, Valjean é homem embrutecido, mas sua alma, digamos assim, será libertada por um sacerdote de bom coração. Valjean decide mudar de vida e de nome. Mas um policial, Javert (Russell Crowe), não lhe dá sossego e o persegue onde quer que vá. Esse nome, Javert, ficou como uma espécie de logotipo dos perseguidores implacáveis, cegamente obedientes à lei, mesmo que injusta, sem qualquer outro tipo de consideração humana.

A ação se dá na França oitocentista, tendo como pano de fundo a derrota de Napoleão em Waterloo e a revolta popular de 1832. Na magnífica edição do romance, da Cosac Naify (texto integral, ilustrado), há um prefácio esclarecedor do filósofo Renato Janine Ribeiro. O romance de Hugo é um marco daquilo que poderíamos chamar de “percepção da pobreza”. Em épocas anteriores, a pobreza seria enxergada, mas não vista, porque parecia tão parte da ordem natural das coisas que se tornava virtualmente invisível.

Mas, a partir de certo momento histórico, essa invisibilidade não resiste à evidência dos fatos. Janine conta que o próprio Hugo, em sua trajetória, participara dessa cegueira. Até o momento em que finalmente abre os olhos. Esse momento é preciso. Numa rua de Paris, Hugo nota o olhar de ódio de um mendigo, dirigido ao figurão que embarcava em sua carruagem de luxo. Percebeu que ali havia alguma coisa extraordinária. Luta de classes, poderia dizer, caso usasse o vocabulário de seu contemporâneo Karl Marx. Hugo era um poeta, artista, não um filósofo revolucionário. Sentiu que os universos dos pobres e dos ricos se afrontavam e para esse lado dirigiu sua obra. Marx, diz-se, achava a revolta de Hugo contra a injustiça romântica e algo ingênua. Pode ser, aos olhos do revolucionário, preocupado em saber como a revolta tomará a forma efetiva de transformação do mundo.

No entanto, é tão marcante a sensação de injustiça passada por uma obra como “Os Miseráveis” que ela não deixa de ser transformadora, mesmo se a considerarmos superficial ou a acusarmos de sentimentalismo. Hugo, como se sabe, é poeta às vezes contestado, como o é o Romantismo em seu todo. Mas dele dizia Nietzsche: “Um farol no mar do absurdo”.

De qualquer forma, a imensa desproporção entre o crime e o castigo de Valjean, a cega perseguição de Javert, o martírio de Fantine (Anne Hathaway) jogada na prostituição, o destino incerto de Cosette (Amanda Seyfried) – tudo isso é tão gritante que parece pedir o registro operístico. Não espanta, talvez, que “Os Miseráveis” tenha encontrado no musical a sua forma contemporânea mais adequada, aquela através da qual consegue se comunicar com um público frio em relação aos seus temas principais.

OS MISERÁVEIS

Título original: Les Misérables. Direção: Tom Hooper. Gênero: Musical (Reino Unido/2012, 157 min.).

Classificação: 10 anos.

PALAVRA DO CRÍTICO

Os Miseráveis no cinema americano

Valério Andrade – Crítico da TN

Como outro romance famoso, “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas, “Os Miseráveis” de Victor Hugo é igualmente cinematográfico. A narrativa de ambos é dramaticamente impactante e repleta de situações emocionantes vividas por personagens que se ajustam com perfeição à corporificação fílmica.

Embora tenho sido filmado, pelo menos, quatro vezes (1934, 1957, 1982 e 1995) pelos franceses, nenhuma dessas versões superou a americana feita em 1935 por Darryl F. Zanuck e dirigida por Richard Boleslawski. Para os padrões da época foi uma superprodução, entretanto, mais do que qualquer outra coisa, talvez tenha sido o elenco que diferencia este filme das demais versões.

E se Fredric March, no papel de Jean Valjean, tem excelente interpretação, é Charles Laughton, como Inspetor Javert, quem se agigantou numa atuação inesquecível, e, até hoje, insuperável. Talvez por ter sido indicado pela Academia pelo desempenho em “O Grande Motim”, Laughton não chegou a ser incluído entre os finalistas do Oscar, mas o filme foi (e perdeu justamente para “O Grande Motim”).

A segunda versão americana, exibida no Brasil com o título de “O Implacável” (1952), com Michel Rennie no papel que havia sido de Fredric March e Robert Newton no de Laughton, é apenas boa. Curiosamente, embora tenha sido dirigida por Lewis Milestone, cuja filmografia suplanta em êxitos a de Richard Boleslawski, essa refilmagem não alcançou o mesmo padrão artístico da versão de 1935.

Jean Valjean – (Hugh Jackman)

Posto em liberdade após 19 anos de prisão por roubar um pão, ele é rejeitado pela sociedade até assumir uma nova identidade. Torna-se proprietário de uma fábrica e prefeito.

Fantine – (Anne Hathaway)

Abandonada pelo amante, Fantine deixa sua filha Cosette aos cuidados de outra família e parte em busca de trabalho. É demitida por ser mãe solteira, e acaba vendendo o cabelo e seus dois dentes da frente antes de cair na prostituição. Morre sem reencontrar a filha.

Cosette – (Amanda Seyfried)

Entre três e oito anos, Cosette é espancada e obrigada a trabalhar para a família que ficou com sua guarda. Após a morte de Fantine, é resgatada e adotada por Valjean. Educada por freiras, cresce e torna-se uma mulher bonita.

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