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A escravidão moderna da máfia italiana

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LÍDER - O italiano Giuseppe Amirabille é considerado o chefe do grupo criminoso A estrutura montada pela máfia italiana em Natal se assemelha em alguns aspectos ao conceito de escravidão moderna. As prostitutas tinham de pagar pela hospedagem nas pousadas mantidas pela quadrilha e pagavam, também, um percentual sobre cada programa que elas conseguiam com os clientes das boates Ilha da Fantasia e Forró Café, ambas em Ponta Negra. Para manter a dependência financeira com o bando, os mafiosos financiavam para as jovens cirurgias plásticas de implante de silicone e lipo escultura, pagas aos poucos com o apurado nos programas.

Os italianos Giuseppe Amirabille e Salvatore Borreli são apontados como os líderes do esquema e integrantes da máfia Sacra Corona Unita. Eles tinham contatos em vários estados brasileiros e uma rede de agenciadores de prostitutas. Quando uma mulher era localizada e aceitava vir para as casas de prostituição do grupo, mesmo que não tivesse como custear a viagem, tinha as despesas de transporte – avião na maioria dos casos – até Natal, custeadas pelo grupo que, mais tarde, cobravam o ressarcimento.

As garotas recém-recrutadas passavam por um estágio no Ilha da Fantasia – o QG do bando – e depois de algum tempo, aquelas que tivessem a confiança dos acusados recebiam uma oferta de trabalho no exterior. O grupo, segundo informações da Polícia Federal, mantém uma boate na cidade de Sevilha (Espanha), para onde são levadas as brasileiras. O local já foi alvo de batidas policiais e, em algumas oportunidades, foram encontradas mulheres brasileiras trabalhando por lá. Na Espanha, segundo o relato de uma garota de programa que já esteve naquela boate, as brasileiras são incentivadas a vender drogas. O apurado apenas com os programas, segundo a jovem, não é suficiente para pagar as despesas de moradia, alimentação e a passagem aérea. Uma das vítimas do grupo denunciou que na Espanha a primeira providência dos mafiosos é apreender o passaporte das brasileiras, que só é devolvido quando elas quitam as dívidas.

Apesar do tratamento dispensado às brasileiras, o grupo conseguia – com certa facilidade – mulheres dispostas a fazer a viagem. Em janeiro deste ano, segundo informações de uma garota que frequentava a Ilha da Fantasia – e que prefere manter o anonimato -, seis brasileiras, todas de Goiânia, foram aliciadas para ir a Espanha. Entre as jovens havia, inclusive, uma estudante do curso de direito de uma faculdade particular.

No Ilha da Fantasia, as garotas de programa eram submetidas a um rígido controle, sendo estipulados horário de chegada e saída, bem como os valores para o programa, no caso delas usarem a Pousada Europa – pertencente ao bando – e um valor maior, caso o programa fosse feito fora das instalações dos mafiosos. Quem infringisse as regras era multada ou até mesmo proibida de freqüentar a estrutura da quadrilha. Toda a movimentação de clientes e mulheres era vistoriada através de um circuito interno de TV.

As mulheres que conseguiam a confiança dos acusados, eram agraciadas com cirurgias plásticas para melhorar a aparência física. Essa era uma forma de manter as garotas sob o controle do grupo – uma vez que elas aceitavam a oferta das cirurgias e ficavam endividadas. O grupo argumentava, para convencer as garotas das cirurgias, que estava interessado apenas em “melhorar o nível da boate”. As cirurgias eram feitas em clínicas de Natal ao custo de R$ 5 mil a R$ 10 mil.

Estrangeiros presos têm antecedentes criminais

Os italianos Giuseppe Amirabille, 41 anos, e Salvatore Borreli, 46 anos, têm maus antecedentes criminais. O segundo sequer poderia se afastar da Itália desde dezembro do ano passado porque uma ordem judicial o impede de deixar o país devido às ligações dele com organizações mafiosas. Segundo a PF, Giuseppe, conhecido pelos apelidos de “Pino” e “Pinguim”, é o chefe do bando. Nascido em Mola di Bari, ele tem antecedentes criminais desde 1995.

Os adidos policiais da Espanha, Itália, Alemanha e a Interpol repassaram várias informações sobre ele à PF. Na Justiça italiana constam acusações de extorsão, tráfico de entorpecentes, receptação, crime falimentar, lavagem de dinheiro, crimes tributários e associação criminal do tipo mafiosa. A ficha repassada pela Interpol é extensa. Giuseppe Amirabille chegou a se envolver com o tráfico de automóveis furtados ou adulterados para o exterior e foi preso pela última vez em 2003. Por ordem da Justiça, estava em liberdade, podendo inclusive fazer viagens internacionais, apesar da polícia italiana ter informações que ele intermediou a entrada de armas ilegais provenientes do Leste Europeu na Itália.

Salvatore Borrelli nasceu em Nápoles e está sendo apontado como o “braço direito” de Giuseppe. Ele tem antecedentes criminais desde 1981, na Itália, acusado de contrabando, falsificação de documentos públicos, fraudes, falsidade, receptação e associação criminosa. Borreli é considerado uma pessoa perigosa. Em 2000, ele foi extraditado de Montenegro para a Itália para cumprir pena por lavagem de dinheiro. Cumpriu parte da pena e foi posto em liberdade, mas estava proibido de deixar a Itália desde dezembro de 2004.

Apesar da proibição, ele estava em Natal desde janeiro deste ano e figura como um dos administradores do Ilha da Fantasia. Ele é encarregado, inclusive, de aliciar e recrutar as garotas de programa. O acusado é casado com a brasileira Aldenilda Gomes de Araújo Borrelli, que também foi presa na operação batizada de “Corona”, uma referência da organização criminosa Sacra Corona Unita, a qual Giueppe e Salvatore são suspeitos de integrar.

PF identifica como grupo agia

A PF detectou que os recursos de Giuseppe Amirabillle chegavam ao Brasil de duas formas. Uma parte chega oficialmente através de movimentação junto ao Banco do Brasil e outra vinha nas malas dos membros da quadrilha em vôos da Itália. Duas dessas movimentações, de 30 e 40 mil dólares, foram identificadas na investigação.

A parcela recebida através do BB servia para comprovar os investimentos feitos em Natal e para que Giuseppe conseguisse o visto de investidor. O Governo Brasileiro prevê a possibilidade de um estrangeiro se instalar no País no caso dele investir, no mínimo, 50 mil dólares em empreendimento que gere emprego.

O dinheiro ilegal chegava via aeroporto Augusto Severo. O grupo tinha pessoas de confiança que eram encarregadas de trazer o dinheiro em malas ou presos ao corpo. Dois dos acusados, Vito Ferrante e Paolo Quaranta foram flagrados por agentes disfarçados de ficais da Receita Federal fazendo o transporte de dólares. A PF, nas duas ocasiões, optou em não intervir e continuar observando a quadrilha para evitar suspeitas sobre a investigação.

O dinheiro, ao chegar em Natal, era negociado num câmbio clandestino. O valor total da remessa ilegal, segunda estimativa, passa de R$ 1 milhão em cerca de 11 meses de atuação do grupo.

O dinheiro ilegal era investido em empresas e, com o lucro dissimulado, a quadrilha “lavava” ou dava uma aparência de legalidade ao dinheiro sujo. Os acusados também aplicaram dinheiro na compra de uma cobertura em Ponta Negra e na aquisição de alguns automóveis.

A investigação, depois da prisão de 15 suspeitos, focou a atenção para a análise das contas bancárias dos acusados e na análise dos documentos apreendidos. A PF quer comprovar outras movimentações do grupo e descobrir outras ramificações.

Negócios do grupo

A boate Ilha da Fantasia fica na avenida Engenheiro Roberto Freire, em área nobre de Ponta Negra, cujo metro quadrado é cotado em R$ 1.500. É considerada o quartel general do grupo e local das reuniões e o fechamento do caixa da Pousada Europa e do Bar Caipifruta. Tem como sócios Salvatore Borrelli, Giuseppe Amirabille, Vito Francesco e João Henrique. O capital social é de R$ 207 mil. A boate, no entanto, é avaliada em mais de R$ 1 milhão.

A Pousada Europa, na rua Doutor Manoel Augusto, foi comprada por Giuseppe Amirabille por R$ 450 mil e fica estrategicamente instalada ao lado do Ilha da Fantasia. Os dois imóveis têm uma passagem elevada que os interliga. A PF acredita que os quartos da pousada eram usados para os programas com os estrangeiros, porque o estabelecimento não é aberto ao público. Constam como sócios Giuseppe e Aldenilda Gomes. No térreo da pousada funciona uma loja de roupas íntimas, comandada pelos italianos.

A boate Forró Café está localizada na avenida Erivan França, na beira-mar de Ponta Negra. Nos fundos da boate foram construídos quartos para a realização de “programas”. Com capital social de R$ 100 mil, a Latina Danceteria LTDA, tem como sócios Vito Ferrante, Paolo Quaranta, Camila Ramos e Aldenilda Gomes.

O bar Caipifrutas fica ao lado da Pousada Europa. Com capital social de R$ 350 mil, o bar tem como sócios Camila Ramos, Vito Ferrante e Paolo Quaranta. O bar seria subordinado a Giuseppe e o dinheiro do caixa, todos o dias, é levado para a Ilha da Fantasia.

Loja de roupas Fornarina, no shopping Midway Mall, seria a primeira de quatro lojas a serem instaladas pelo grupo. Fornarina é uma grife italiana, cuja franquia de algumas lojas foi obtida pelo grupo. Além de Natal, a quadrilha pretendia expandir a loja para Recife, Fortaleza e Porto Alegre. A loja foi inaugurada quatro dias antes das prisões dos acusados.

O grupo pretendia expandir os negócios. Giuseppe chegou a negociar a compra da Boate Ilha da Fantasia, em São Paulo, e tinha pretensão de comprar uma grande casa de espetáculos em Fortaleza. Em Recife, o italiano queria montar uma boate nos moldes do Ilha da Fantasia de Natal, com uma pousada de fachada para os “programas”. Ele também teria feito contato com empresários natalenses se mostrando interessado em adquirir um hotel no valor de R$ 1 milhão.

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