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‘A exportação é muito burocrática’

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Renata Moura – repórter de Economia

José Suterland Guimarães Menezes - Diretor-Presidente da Terra Sul Assessoria em Comércio Exterior.O comércio exterior do Rio Grande do Norte deu um salto inegável em termos de volume negociado e de empresas agregadas ao setor, mas, em quase duas décadas, não deixou de enfrentar gargalos como burocracia e dificuldades de logística. Esses e outros nós são apontados pelo economista e diretor-presidente da Terrasul Assessoria em Comércio Exterior, José Suterland Guimarães Menezes, que, na entrevista a seguir, também critica “a falta de ações efetivas para implementar Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs) no Brasil”, fala sobre a debandada de exportadores do RN para outros portos e explica por que o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante pode fazer o Estado alçar novos voos no transporte de mercadorias. Suterland foi um dos palestrantes do II Fórum de Comércio Exterior, realizado esta semana pelo IFRN. Ele tem 61 anos e atuou por 23 anos no Banco do Brasil, instituição em que desempenhou, entre outras funções, a de dirigente das carteiras de câmbio e de comércio exterior. Ao se aposentar, há 18 anos, o ex-bancário fundou a Terrasul, empresa que oferece soluções aduaneiras e assessoria em áreas como contratação de câmbio e de frete, fatores determinantes para aumentar ou reduzir custos. A empresa nasceu em Natal e há cinco anos conta com uma filial, em Recife.

Quais são os principais gargalos para exportar produtos do RN para outros países?

Primeiramente nós temos a limitação da oferta de navios. Efetivamente o Porto de Natal ainda tem uma série de restrições e, por consequência disso, os navios também não se disponibilizam a oferecer o serviço, além, lógico, da pequena quantidade de cargas destinadas a isso. Então não temos serviço, rotas, para mercados como Estado Unidos e África. Temos atualmente apenas uma linha marítima, a CMA CGM, que nesta época vem com intervalo de 15 dias e que só passa a vir de forma regular, semanal, quando chega a safra de frutas. Isso compromete um maior escoamento de cargas por aqui e muitas vezes temos de recorrer a outros portos da região para dar saída às cargas para destinos que o Porto de Natal não atende.

Como isso atrapalha, na prática, os negócios das empresas?

Principalmente na exportação, Natal é considerado o porto talvez de menor custo do Nordeste. Então, na hora que o exportador precisa recorrer a outros portos, essa saída para outros portos acarreta uma série de acréscimos de custos a partir mesmo do frete interno. Além do mais, os portos quase sempre têm custos maiores que os do Porto de Natal.

Essa logística alternativa aumenta em quanto os custos do exportador? É possível mensurar?

O que podemos dizer é que para levar uma carga de container para o porto de Suape, Pecém ou Mucuripe, por exemplo, o frete rodoviário interno, oscila entre R$ 1.800 e R$ 2.200.

O que leva um exportador a decidir ir para outro porto, além da questão da oferta de navios?

O que se tem reclamado no mercado é que o Ceará está conseguindo ressarcir o exportador do chamado crédito fiscal do ICMS, que os estados devem dar aos exportadores para serem reembolsados pelo governo federal, com mais rapidez.  Até esse ressarcimento chegar às empresas exportadoras é demorado e o que há no mercado é reclamação grande de que o Ceará está conseguindo repassar esse crédito de maneira mais veloz para exportadoras que embarcam pelo Ceará, com mercadorias declaradas como sendo do Ceará. O benefício está levando muitas empresas a tomar essa atitude. Também existe a questão de que Fortaleza dispõe de mais linhas, com mais destinos oferecidos. Falando nisso, o mercado também está comentando que teremos mais concorrência e grande para o Porto de Natal.

Que concorrência seria essa?

Nosso navio opera no sábado, normalmente, e não havia essa disputa com o Ceará, nesse particular. Entretanto, lá no Ceará, existe a informação de que a Hamburg Sud (empresa armadora) vai colocar o serviço no sábado para concorrer diretamente com a  Mersk e isso pode, por tabela, também afastar exportadores que poderiam embarcar por Natal. Se isso vier  a acontecer vai afetar grandemente a nossa carga.

Mas afeta em que sentido, se Natal também oferece embarques aos sábados?

Mas os serviços são distintos. Os serviços são as rotas oferecidas pelos navios e também o chamado transit time, outro elemento de importância extraordinária e que significa exatamente o tempo de trânsito da mercadoria  para determinado porto. Então além de ter um leque maior de oferta de destinos, vão oferecer mais alternativas de cargas diretas e podem oferecer tempo de viagem menor. São vantagens comparativas que podem afetar grandemente Natal.

Há como se proteger dessa concorrência?

De forma imediata não vejo como. Tendo em vista que isso é decorrente de fatores econômicos administrados por interesse das empresas privadas e as empresas privadas vão quando veem que é mais conveniente pra elas.

Mas no médio ou no longo prazo há alguma saída para que o Porto de Natal consiga reter essas cargas?
Acredito que só com uma ação também de ordem política, tentando agilizar o repasse desse crédito fiscal, assim como faz o Ceará.

E buscar outras linhas de navio, seria uma opção?

O Porto de Natal tem trabalhado muito nesse sentido. Tem provocado empresas armadoras, agências de carga e os próprios exportadores a juntarem as mãos para conseguir um maior volume de cargas aqui. Mas lamentavelmente essas coisas são demoradas porque tem que haver toda uma demonstração de viabilidade econômica para poder um armador colocar um navio aqui com mais firmeza.

O porto precisa crescer para se mostrar mais viável?

De certa forma é isso. O porto não tem carga, o navio não vem porque não tem carga. É um impasse histórico. Também temos que reconhecer a necessidade de uma melhor estruturação de materiais e equipamentos do porto. Para você ter uma ideia, “Natal” ainda não conta nem com um guindaste para operação própria. Todas as operações dependem de guindastes dos próprios navios. São fatores limitativos que de certa forma desestimulam que outros tipos de armadores possam atracar aqui.

Quando se fala no aeroporto de São Gonçalo do Amarante fala-se muito em salto de logística. Haverá realmente esse salto no transporte de cargas do Estado? Vai ter ganho para o exportador?

Acreditamos que sim. Porque hoje a velocidade da entrega de mercadorias é um requisito fundamental do mercado internacional. E o aeroporto foi projetado com essa finalidade, de ser um grande concentrador de cargas. Se porventura o investimento se completar da forma que foi formulado entendemos que ele conseguirá reduzir tarifas de cargas aéreas, viabilizando também a agilização e o aumento do volume de cargas nessa modalidade. Isso logicamente acarreta atração de cargas de estados circunvizinhos.

O que vai permitir ao aeroporto de São Gonçalo oferecer tarifas mais baixas?

Eu acho que só em ter a estrutura aeroportuária como um todo, com pista suficiente para pouso de grandes aeronaves, com estruturação de equipamentos, se tudo isso for estabelecido e puder  contar com redução de tempo de permanência da aeronave em solo, isso será chamariz para cargas regionais e até nacionais.

Hoje é viável exportar por via aérea?

Isso depende. Cargas mais leves, que tenham valor agregado maior conseguem viabilizar a  carga aérea e ter um diferencial muito grande. O pescado fresco, por exemplo, quanto antes  chegar no destino, mais será valioso. Então ele consegue um valor agregado muito grande.

Mas só os produtos frescos vão se beneficiar?

A questão da viabilização não está ligada só à questão da carga fresca. Poderá ser também com a  parte de cargas secas. Desde que tenham valor agregado. Um exemplo que pode ser considerado é a carga de material eletrônico, de componentes eletrônicos, que tem um alto valor específico. Com certeza isso pode ser viabilizado num bom volume.

Mas o custo para exportar por via aérea é mais alto que por via marítima. Ou não?

O que torna mais caro é a tarifa de frete. Mas tem os seus valores comparativos que às vezes são mais vantajosos. Mesmo saindo mais cara, a opção aérea é um diferencial grande para você não ter grandes estoques e para poder atender os grandes mercados com prazos mais imediatos, em intervalos menores.

Mas chega a ser quantos por cento mais caro que o transporte marítimo?

É difícil fazer uma comparação, mas podemos dizer que a carga pode até dobrar o seu custo.

Isso é uma grande perda de diferencial, porque vai onerar o preço final, não é?

Por isso que a carga tem que ter um valor agregado grande. Não pode ser uma carga também de peso grande.

E as ZPEs que, espera-se também, devem impulsionar as exportações. O que o senhor acha delas e como impulsionam, de fato, as exportações?

As ZPEs já deram certo em muitos países. O Brasil já fala nisso há mais de 20 anos e ainda continua apenas com estabelecimento de áreas. Faltam ações efetivas de implementação, de apoio governamental, de estruturação para que o capital privado possa confiar e investir na área. Então cada vez que vemos a criação de uma ZPE nos vem à mentalidade que aquilo vai parar por aí, na criação da Zona.  

Aqui no Rio Grande do Norte há projetos aprovados para duas ZPEs. O senhor acha que há interesse das empresas exportadoras do Estado em se estabelecerem nessas áreas?

Veja bem, efetivamente a ZPE não está restrita ou dependente do exportador local. A pretensão é que o capital estrangeiro se instale, que crie empresas e a partir daí possa exportar agregando valor aquele material de origem brasileira. A ZPE propicia que as matérias-primas ou semi elaboradas possam ser processadas num estágio mais avançando, agregando valor interno para poder ser exportada, evitando saim diretamente para o exterior para ser processadas lá. Para que isso aconteça, é necessário que o governo crie os pré-requisitos fundamentais, estruturais. Logicamente se capitais nacionais estiverem em condições  de fazer o investimento vão poder usufruir também do mesmo benefício. Mas a pretensão primeira é a de captar o investimento estrangeiro.

As exportações do Estado sofreram um baque em função da crise. Estão se recuperando, mas alguns produtos continuam com desempenho negativo. Como os exportadores sentiram esse impacto e, de fato, eles estão se recuperando?

Em 2008, quando se estabeleceu a crise, sentimos com muita antecedência o recuo dos interesses de aquisições externas. Temos um termômetro desses acontecimentos. Acompanhamos o mercado muito de perto porque estamos inseridos nele e a nossa rentabilidade depende muito dessas ações. Já em 2009 tivemos um ano muito negativo para  a economia do estado. Perdemos inclusive o posto de primeiro exportador de frutas do Brasil, para o Ceará. Em 2010, apesar das promessas, ainda sou muito reticente de que venha a acontecer (a  recuperação) como o mercado tanto propala. A melhora tem acontecido, mas a passos pequenos. Na área de comércio exterior não sentimos essa dinâmica de recuperação tão grande. Nós temos tido sim aumento de importações, até por conta da taxa de câmbio estar favorável, mas isso não traduz efetivamente em negócios maiores ou que criem perspectivas para nós de que seja um boom de recuperação. A recuperação é lenta, mas isso pode ser um fator positivo. Porque sendo lenta, ela pode ser mais permanente.

O que impede neste momento que a recuperação seja mais rápida?

Primeiramente o mercado comprador. Os nossos principais destinos ainda estão retraídos. Ainda não estão comprando como antes da crise.

O que avançou no mercado e o que retraiu nesses 18 anos de atuação da sua empresa?

Houve avanços consideráveis. Nesse período, vimos o mercado se alargar, o universo de empresas exportadoras cresceu e o de importadoras também. O crescimento foi inegável. Lamentavelmente, os empresários ainda lutam com muita dificuldade. Hoje, do que mais nos ressentimos é realmente do apoio oficial. O governo detém ainda muitos controles da atividade do comércio exterior. Exerce, em alguns pontos até exageradamente, esses controles, mas não disponibiliza as pessoas, os servidores, com a celeridade que a dinâmica do comércio exterior precisa.

Quer dizer que o mercado ainda é muito burocrático.

Muito burocrático. Apesar do avanço da tecnologia, nós temos ainda, no dia a dia, muitas dificuldades de operação como prestadores de serviços por conta desses gargalos que existem na estrutura oficial.

A burocracia é pior em que fase do processo de exportação?

Não só na fase de obtenção de certas autorizações, na fase de licenciamento, por assim dizer, como também no pós embarque, na produção de documentos. As vezes há dificuldades. Como eu falei, a dinâmica é grande, os navios são rápidos e a produção de certos documentos tem que ser muito ágil e correta. Então temos muita dificuldade com isso. Na hora em que dependemos da interferência do órgão oficial. Ainda temos certos excessos de controles governamentais que poderiam ser abolidos para beneficiar e agilizar as exportações.

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