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A força do Direito

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Mota Neto – Parte V

Tomislav R. Femenick ([email protected])

Ordenar quer dizer organizar um conjunto de elementos, relacionando-os de forma lógica, atribuindo-lhes categorias e escalões de importância e prioridades, de tal forma que todo fator possua uma causa e um efeito. Esse é um dos pensamentos básico da doutrina do direito, ciência que tem por finalidade regulamentar a conduta social do ser humano. Utilizando-se de conceitos abstratos e de normas concretas, a ciência do direito estrutura o ordenamento jurídico das relações das pessoas e dos vários segmentos da sociedade. Assim é que as leis, os códigos, regulamentos e outros elementos do direito dão o arcabouço geral das prerrogativas e responsabilidades dos cidadãos. Daí por que a ordenação jurídica de um país é um enunciado objetivo e obrigatório de como devem ser executados esses direitos e deveres.

Entretanto, a ordenação jurídica e a realidade objetiva devem ser consideradas em suas respectivas plenitudes; compreendidas no contexto histórico, nas condições sociais, econômicas e políticas e seus condicionamentos. Entendida desta forma, conclui-se que somente uma Constituição nascida de uma situação histórica propícia a essas condicionantes pode dotar um país de uma ordenação jurídica orientada pelos parâmetros da razão. Por isso é que nenhuma Assembléia Constituição pode construir um estado de direito, se os senhores constituintes abandonam as circunstancias da realidade cultural, social, política e econômica, se se voltarem eminentemente para elementos abstratos. Se assim fizerem, a Constituição (e as leis que dela derivarem) poderá ser apenas uma carta de intenções, desassociada da vida real da nação.

No último encontro que mantive com Vicente da Mota Neto, por volta de 1980, já perto do seu falecimento, ele abordou a sua participação na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, oportunidade em que atuou, formal ou informalmente, nos trabalhos das comissões e subcomissões que estavam ligadas a formatação do ordenamento jurídico do país. Nessa tarefa ele contou com o assessoramento informal da Ordem dos Advogados do Brasil, nas pessoas de três renomados jurisconsultos, inclusive o doutor Sobral Pinto, em cujo escritório se davam as reuniões. Naquela ocasião pedimos a Mota Neto que ampliássemos nossa conversa sobre o assunto.

– “A própria composição da Assembléia e o origem e os partidos políticos pelos quais foram eleitos os deputados e senadores constituintes, ressalta a dificuldade de se ampliar as conquistas democráticas no pós-guerra. Hoje, passados quase 35 anos, podemos ver a situação real: na Câmara Federal o PSD, o meu partido, tinha mais de 150 representantes, a UDN cerca de 80, o PTB getulista tinha pouco mais de vinte, o PCB 14 e os outro menos de 20. No plenário geral (Câmara e Senado juntos) estavam o ex-presidente   “http://www.cpdoc.fgv.br/nav_gv/htm/biografias/Artur_Bernardes.asp” Artur Bernardes, do PR, e “http://www.cpdoc.fgv.br/nav_gv/htm/biografias/Luis_Carlos_Prestes.asp” Luís Carlos Prestes, do PCB, “http://www.cpdoc.fgv.br/nav_gv/htm/biografias/Agamenon_Magalhaes.asp” Agamenon Magalhães, ex-ministros da ditadura de Vergas… e o próprio Getulio. Como se ver, o predomínio aparente era de forças  liberais e democráticas que, juntas dominariam folgadamente. Mas a realidade era outra. No PSD haviam muitos coronéis do tipo da República Velha e na UDN e no próprio PTB o liberarismo-democrático era mais de fachada que de propósito. Ai estava a dificuldade de se fazer uma Carta Magna que assegurasse uma ordem jurídica que reconhecesse realmente os direitos do todos os cidadãos e não somente dos mais afortunados”.

– “A grande dificuldade, minha e de um grande numero de constituintes compromissados com a ordem jurídica do país que queríamos – continuou Mota Neto –, estava no aprimoramento do texto do Capítulo II, do Título IV, da nova Constituição, que trava dos Direitos e das garantias individuais das pessoas. A grande vitória foi inserir o parágrafo 35, que obrigava o Poder Público a conceder assistência jurídica gratuita aos necessitados. E olha que isso era apenas um retorno de uma garantia existente em Constituições anteriores à editada pelo Estado Novo getulista. Que direitos são esses, afinal? Basicamente são quatro: a defensoria pública gratuita, para aqueles que não podem arcar com os custos advocatícios e processuais; o de requere aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades e abusos praticados por esse mesmo poder público (já previsto nas Constituições 1824 e 1934, porém restringido na Carta de 1937, que o limitava à situações ‘de direitos ou do interesse geral’); o de pleitear a anulação de ato considerado lesivo ao patrimônio público, e a obtenção de certidões de repartições públicas, em defesa de direitos ou para esclarecimentos (esses dois últimos já contemplados na Constituição de 1934). Notes alguns que esses princípios foram respeitados até pelos atos, Constituições e leis editadas pelo atual regime militar”.

Indagado sobre a formatação dos poderes do estado e das suas relações com a sociedade civil, respondeu:

– “A democracia representativa exige que se faça uma ordenação clara dos poderes e dos limites dos poderes do estado em sua relação com a sociedade civil. É preciso, também, que se faça claramente a extensão dos direitos dos indivíduos e, para que isso aconteça, as leis têm que ser coercitivas para os cidadãos e, necessariamente, para o executivo, o legislativo e o judiciário. Da mesma maneira que as pessoas não podem extravasar dos seus direitos, o estado não pode arbitrar, determinar, seus poderes. Esta é a mais pura forma de manifestação do Estado Democrático de Direito, a maneira de se evitar o predomínio do poder do mais forte. Para darmos mais aptidão a esse aspecto constitucional contamos com a colaboração de um grande jurista potiguar, Miguel Seabra Fagundes, que menos de dez anos depois terminou por ser Ministro da Justiça no governo de Café Filho. Esse foi um trabalho duro, pois tivemos que enfrentar as obstruções de parte daqueles que esperávamos que assim o fizesse – Gustavo Capanema, por exemplo. Mas vencemos”.

Por que é que tendo feito todo esse trabalho para a construção de um estado democrático no país (para o qual certamente teve que resgatar todo o seu aprendizado da ciência do direito) para o grande público você é conhecido somente como um “bom vivan”, uma figura de grandes amizades, um vividor? Por que essa sua face de construtor social é apagada, permanece escondida?

– “Primeiro porque sou mesmo um “bom vivan”, cultivo a amizades dos meus amigos e gosto muito de viver a vida. E a vida não tem somente o lado serio. Não. Ela é uma composição múltipla. Uma mesma pessoa tem vários papeis para representar. Por que um homem que faz coisas sérias não pode dar umas boas gargalhadas? Pode sim. O padre Mota foi um dos melhores prefeitos da historia deste país; guardadas as proposições de Mossoró. Isso não lhe impedia de ter o seu lado brincalhão. Getúlio e Juscelino foram grandes presidentes, o primeiro chegado aos volteio gaúchos e o mineiro era um “pé de valsa”. Lá fora também. O próprio presidente Kennedy, um mito da historia, era muito dado às diversões.  O caso é que eu sou visto pelo povo, ando no meio das pessoas, converso com elas e vivo a vida que elas vivem. Daí é que vem o rótulo de populista, de vivedor.

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