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“A história de um ícone do campo”

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Andrielle Mendes – Repórter de economia

“O desenvolvimento da Maísa transformou-se  na página mais importante da história da fruticultura irrigada do Nordeste brasileiro. Aqueles que  a conheceram haverão de concordar”. A declaração do empresário José Nilson de Sá, ex-diretor da antiga Maísa, abre um capítulo do livro ‘a estrada que percorri’ e revela um dos momentos mais fecundos da fruticultura nordestina. A fazenda e fábrica de polpas e sucos, que chegou a empregar seis mil funcionários e faturar US$ 60 milhões (R$129 milhões) no Rio Grande do Norte, superou mudanças de moeda, seca devastadora, crises financeiras. Em 2001, sucumbiu, afundando em dívidas que superavam seu valor. No auge, empregou 16 agrônomos, que  compraram terras da antiga Maísa ou montaram novas empresas no mesmo ramo quando a empresa fechou as portas. Agora, sob novo comando, a “Nova Maísa” está pronta para funcionar.

Fábrica de sucos que pertencia ao complexo foi comprada por grupo de São PauloPara contar essa história, a equipe de reportagem da Tribuna do Norte percorreu mais de 600 km. Entrevistou protagonistas e coadjuvantes, no que pode ser considerado uma tragédia grega, e descobriu que as áreas da antiga Maísa continuam fecundas, empregando potiguares e gerando renda.

Na década de 90, a empresa que começou cultivando caju e criando gado, se tornou referência em pesquisas com frutas ao implantar um sistema moderno de irrigação, inspirado em projetos desenvolvidos em Israel. O semi-árido potiguar era um terreno extremamente fértil para a agricultura irrigada, contradição  descoberta pelos técnicos da Maísa. Graças a empresa, o RN avançou no plantio do melão, responsável por 80% de toda produção potiguar. 

Foram os técnicos e diretores da empresa que revelaram o potencial do estado, mostrando que nas terras potiguares, irrigando, tudo dá. No início da década de 80, os empresários abandonam o cultivo de caju e a criação de gado e passaram a investir na produção de melão. Em 1982, exportaram pela primeira vez.

Para Francisco de Paula Segundo, presidente da Coex – entidade que representa os exportadores – o RN deve muito a empresa. A Maísa expandiu o setor, criou um mercado e pagou um preço muito caro por isso.

Sem apoio governamental durante a crise, fechou as portas e demitiu todos os funcionários. Para adiar o fim, deu férias coletivas, mas não chamou os funcionários. Depois dela, veio a Nolem (melon  (melão em inglês) ao contrário), fundada  por um dos antigos donos da Maísa. 

Em 2008, a nova empresa decreta falência e, mais uma vez, os trabalhadores rurais e técnicos espalham-se. Quem viria depois? “Ninguém”, responde Segundo. O RN não tem mais este perfil. E nem quer.

O presidente do Coex defende um desenvolvimento ‘pulverizado’ e não concentrado nas mãos de poucos empresários. “Dificilmente, surgirá outra Maisa”, arrisca. Para quitar as dívidas acumuladas, a propriedade foi desmembrada em três partes. Uma delas foi adquirida pelo Incra e hoje abriga 11 assentamentos rurais. A outra foi comprada por ex-agrônomos e dá lugar a Fazenda Fruta Vida, da Coopyfrutas. A última (a fábrica de polpas e sucos) foi comprada pelo grupo Gtex, de São Paulo. Em todas, a vida segue seu rumo normal.

Os rumos da “gigante”

A antiga Maísa surgiu ‘num balanço de rede’, como explica José Nilson de Sá, um dos antigos proprietários, no livro ‘a estrada que percorri’. Conversando com engenheiros na Fazenda São João, de Tarcisio Maia, então presidente da IPASE, ele encontrou uma forma de  alavancar a economia potiguar, até então apoiada no sal, algodão e na pecuária bovina – todas em retração: a fruticultura. Ouviu de Geraldo Cabral Rola, futuro sócio e também ex-proprietário da Maisa: “plantem um milhão de pés de cajueiro que a face econômica do seu estado mudará”. Interessado, José Nilson perguntou qual seria a área necessária para o plantio de um milhão de mudas. “Dez mil hectares”, respondeu Geraldo Rola. No dia seguinte, foram visitar um terreno de Tarcisio Maia, com esta exata proporção, localizado próximo a BR 304. Três dias depois surgia a Maisa Mossoró Agroindustrial S/A, voltada a exploração do cajueiro e pecuária bovina. Como alguns trechos não eram férteis, os dois decidiram adquirir mais 20 mil hectares. A nível experimental, plantaram mamona, algodão, amendoim,  milho, girassol e gergelim. A Maisa não obteve sucesso e amargou grandes prejuízos. Em 1983, a situação se agravou. Com a seca, os empresários perderam os cajueiros e a criação de gado. Neste período, Geraldo Rola, diretor técnico da antiga Maisa, visitou Israel e conheceu a fruticultura irrigada. Voltou ao RN para aplicar a técnica na região. Os dois decidiram plantar melão valenciano. Mudança de rumo que superou as expectativas. No ano seguinte, enviavam 30 mil caixas de melão  para Londres, Inglaterra, e instalavam um escritório da empresa em Londres e Roterdã, Holanda.  “Porque a Maísa fechou?”, questiona José Nilson de Sá, em sua autobiografia. A resposta está na falta de apoio e desvalorização do dólar em relação ao real. Na avaliação dele, a empresa fechou, porque não sabia fazer mágica. Ele só não sabia que gerar renda, dar emprego e fixar o homem no campo, plantando frutas em pleno semiárido, era um passe de mágica até hoje não copiado por  outros.

Fábrica ainda espera registro de operação

A Nova Maisa, dirigida pelo grupo GTEX, de São Paulo, está pronta para funcionar.  Já tem até comprador: o Suriname, América do Sul. O registro de operação, do Ministério da Agricultura, deve ser emitido nas próximas semanas. A fábrica de sucos foi comprada num leilão por um grupo de investidores paulistano. A direção está no RN desde junho de 2010. Os funcionários foram contratados ainda em setembro. O grupo investiu até o momento R$ 8 milhões.

A fábrica só não está funcionando ainda, porque  o Ministério não conseguiu enviar técnicos para inspecioná-la devido a cortes no orçamento, atrasando o cronograma. Problema levado pelos investidores até o secretário estadual da Agricultura, Betinho Rosado, que se comprometeu a viabilizar o transporte dos técnicos. Atualmente, a Nova Maísa gera 60 empregos diretos, número que poderá subir para 200, quando estiver em plena atividade.

Do total de funcionários, entre 90 e 95% vieram da antiga Maisa. A fábrica, cuja capacidade inicial de processamento é de 12 toneladas por hora, pretende comprar frutas no RN. Segundo José Domingues dos Santos, proprietário da fábrica, água e frutas não serão problema, como chegou a ser apontado por alguns especialistas. Há poços de água nas terras adquiridas. Depois de recuperar as instalações e maquinário, o grupo se prepara para investir em tecnologia e capacitação profissional. Diferentemente dos antigos gestores, os novos proprietários não produzirão as frutas. “Vamos focar o processamento e deixar o plantio”, esclarece Domingues. Segundo ele, a estratégia tem como objetivo garantir a qualidade do produto final. O grupo, que atua no ramo de materiais de limpeza e tem empresas em cinco estados brasileiros, aguardava a chance de abrir uma empresa no ramo alimentício no Nordeste. Os investidores acreditavam tanto no potencial da região, que compraram a fábrica sem conhecê-la. Quando chegaram em Mossoró, tiveram um susto. A fábrica estava tomada pelo mato. Nem por isso pensaram em desistir ou  levar o maquinário para São Paulo.                                                                                                                                                                                 

“Essa era uma preocupação do juiz que intermediou o processo de compra. Ele não queria que levássemos a estrutura para São Paulo. Explicamos que nós não queremos tirar a Maisa do RN. A fábrica tem que ficar aqui. Queremos desenvolver essa região”. A empresa é familiar e já possui uma unidade de processamento de frutas em São Paulo. No Nordeste,  querem lançar novas marcas no Varejo. “Estamos aqui para investir na região e gerar emprego e renda no RN. Precisamos de todo apoio”. A ideia do grupo é reinvestir todo o faturamento na própria fábrica nos próximos cinco anos para “transformar a Nova Maisa na empresa que sonhamos”. O grupo terá muito trabalho. Talita de Oliveira dos Santos, diretora superintendente da Nova Maísa, sabe disso. “Precisamos agora dar o primeiro passo”.

Regime de trabalho era pesado

Para trabalhadores rurais como José Misael Gomes, 64, Geraldo Damásio, 63 e Valdemar Cândido da Silva, 55, a Maisa foi uma mãe. Uma mãe extremamente rígida. Os três trabalharam mais de 15 anos na antiga Maisa. Hoje, trabalham na  Fruta Vida, da Coopyfrutas, cooperativa criada por ex-agrônomos da antiga fábrica de polpas e sucos. José Misael, mais conhecido com seu Misa, relembra o regime de trabalho pesado a que era submetido. Ele trabalhava de domingo a domingo das 4h às 22h.  Apesar disso, não reclama. “A Maisa foi uma mãe para mim”. Foi com o salário obtido na fazenda que comprou sua casa em Baraúnas. Hoje, tem um fogão ‘bonito’, geladeira, três televisões. “Minha casa é um palácio”, orgulha-se.

Casa que ficou para primeira mulher e os filhos do primeiro casamento. Seu Misa só teve sossego depois dos 40 anos, quando começou a trabalhar na Maisa. Natural de Cerro Corá, começou a trabalhar na lavoura aos seis anos e só estudou 26 dias. Foi criado ‘na chibanca e na foice’, comendo feijão com farinha e rapadura. Desde que começou a trabalhar na antiga Maisa, nunca mais passou fome. No prato, tem ‘mistura’ todo dia. Trabalhou lá até a empresa fechar as portas. “Era um trabalho muito pesado. Sem horário”, relembra. Em 2001, foi para a Nolem, empresa que substituiu a Maisa e depois para a Coopyfrutas.

Trabalha há três anos na Fruta Vida, dos antigos agrônomos da Maisa. O regime de trabalhou melhorou. Hoje, seu Misa trabalha oito horas por dia. Tem duas horas para almoço. No sábado, larga às 10h. Nos domingos e feriados, fica em casa. Tempo de sobra para relembrar a vida difícil.  As agruras do sertão lhe roubaram sete dos 15 filhos, que morreram com menos de 1 ano. Os oito filhos que sobreviveram ficaram abusados com o passar dos anos.

Agora não querem comer bolacha sem manteiga. Talvez por isso seu Misa tenha sofrido tanto com o fechamento da antiga Maisa. “Quando quebrou, passei mal. Não queria que quebrasse. Antes de trabalhar na Maisa, minha vida era só sofrimento. Hoje, tenho tudo. Mudei de vida. Se não fosse a Maisa, eu estava perdido”. 11H: Chega o ônibus e leva seu Misa e sua história. Hora do almoço.

Matéria-prima pode ser problema

Para o reitor da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa), Josivan Barbosa, a região não está preparada para fornecer matéria-prima para a fábrica de polpas e sucos durante 12 meses ininterruptos. Segundo ele, a falta de fornecedores no entorno da fábrica de polpas e sucos dificulta, porém não inviabiliza, a reativação da estrutura.

Para garantir a operação durante o ano inteiro, os investidores precisarão, segundo Josivan, produzir ou estimular a produção de frutas tropicais  exóticas,  além de frutas como caju, graviola e goiaba nas terras próximas. “Acredito que eles encontrarão problemas no fornecimento de matéria-prima. Por isso, terão que diversificar ou estimular a diversificação da produção. Mas isso não inviabilizará a retomada das atividades”. Josivan Barbosa não enxerga a falta de matéria-prima como empecilho, mas como obstáculo que pode ser ultrapassado. “A reativação da fábrica de sucos vai estimular a iniciativa privada a fornecer a matéria prima”. O presidente do Comitê de Fitossanidade do RN (Coex), Francisco de Paula Segundo, evita comentar as prováveis dificuldades enfrentadas pelos novos donos da fábrica de polpas e sucos e  diz que é preciso sentar com eles para “ver o que precisam”. De acordo com o presidente do Coex, é necessário plantar outras frutas. O RN, segundo Josivan Barbosa, não evoluiu na produção de frutas exóticas. Francisco de Paula Segundo complementa, afirmando que é preciso diversificar a produção e instalar novas indústrias de processamento para absorver a produção local. “É necessário instalar indústrias processadoras de frutas no estado”, afirma. A reativação da Nova Maisa é o primeiro passo. Os investidores  estão cientes disso.

MEMÓRIA

Fundada na década de 60, a fábrica de polpas e sucos Maisa já foi referência na fruticultura nacional. Devido a problemas de endividamento, fechou as portas em 2001. Em sua melhor fase, empregava seis mil pessoas e  faturava cerca de US$60 milhões anuais, exportando 60% de sua produção.

Ex-trabalhadores esperam pagamento

Um dos capítulos da história da Maísa ainda está sendo escrito: o do pagamento dos direitos trabalhistas. Nem todos os ex-funcionários receberam indenização completa. A narrativa parece encaminhar-se para um breve desfecho. Segundo o juiz José Dario de Aguiar Filho, titular da 2ª Vara do Trabalho de Mossoró, quem ainda não recebeu todos os direitos trabalhistas receberá em breve. O TRT, segundo Dario, determinou que o processo fosse reavaliado e a indenização, ampliada. Segundo ele, o processo de desapropriação está sendo avaliado para aumentar o valor da indenização.

“Os ex-funcionários não vão ficar sem receber. Eles devem se considerar um povo privilegiado. Em todo país, várias empresas quebram e os ex-funcionários não recebem nada”.

Para não arriscar, os trabalhadores buscaram empregos em outras fazendas. Boa parte foi para a Fruta Vida, da cooperativa Coppyfrutas, comprada por antigos funcionários da fábrica.  Segundo Francisco Vieira da Costa, ex-agrônomo da Maísa e diretor da Coppyfrutas, 80% de toda mão de obra empregada é proveniente da antiga fábrica.   A equipe de reportagem deixa as terras da Maisa com a mesma impressão registrada por José Nilson de Sá em sua autobiografia: “Talvez, a história da Maísa merecesse ser contada em um livro à parte”.

Confira a vídeo-reportagem sobre a Maísa:

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