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A idolatria da internet

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João Medeiros Filho
Padre 
Na liturgia eucarística e sacramental, o sacerdote saúda os fiéis: “O Senhor esteja convosco!” Em seguida, a resposta: “Ele está no meio de nós!” Há um receio de que num futuro próximo as palavras do ritual possam ser modificadas. Cerimônias religiosas têm sido cada vez mais transmitidas pelo youtube, facebook e instagram, recebendo forte influência dessas tecnologias. Teme-se que um dia o celebrante dirija-se distraidamente aos participantes do ofício com os seguintes termos: “A internet esteja convosco”. Ao que responderá a assembleia: “A web aqui nos reuniu”. Nos consultórios, restaurantes, lojas e locais de afluência de público não faltam avisos sobre a senha da internet, dando sinais de sua onipresença. Numa paróquia do interior uma catequista, procurando explicar quem é Deus, dissera que Ele é um ser perfeito, todo-poderoso e onipresente. Incontinenti, uma criança indagou: “Tia, Ele é como a internet?” 
Os hábitos dos usuários das redes vêm substituindo paulatinamente costumes religiosos. No alvorecer, em lugar das orações matinais, toma-se o celular e faz-se, não o sinal da cruz, mas aquele que desbloqueia o smartphone. Age-se numa concentração e silêncio tais, como se colocasse diante do Transcendente para agradecer o novo dia. Há os que acreditam não estar diante de um simples aparelho eletrônico, mas do Infinito. Colocam-se, não na presença do Criador, mas da diva internet, a qual está dominando o ser humano desmedidamente. Vive-se uma nova forma de idolatria. 
Os católicos de rito oriental e ortodoxos afirmam que os ícones bizantinos são como janelas, que parecem se abrir para o Eterno. Para eles, não é só o cristão que contempla a imagem sacra, mas aquele ali representado também o acompanha lá do Alto. De modo análogo, na tela do celular – qual um “objeto sagrado” – não é apenas o usuário a observar algo, mas igualmente quem está do outro lado do telefone o admira. No universo digital, o celular torna tudo atemporal e na virtualidade acaba com a sensação de tempo, espaço e distância. Assim, por meio desse “abençoado” aparelho, o que é o passado, se quase tudo pode retornar ou ser reprisado? O que vem a ser futuro, pois é possível conjugar informações e tecer prospecções relativamente seguras? O que se considera distância, se alguém consegue alcançar léguas e milhas, terras longínquas e desconhecidas, no mesmo instante e como se elas estivessem ao lado? Tais aspectos impactam em muitos.
E assim, na conectividade tem-se a ilusão de presença e comunhão. Se os membros de grupos das redes sociais ainda não chamam os outros de irmãos, já os denominam de “amigos” e seguidores. Estes são uma espécie de discípulos. Nesse tipo de seguimento não falta quem se acredite e se intitule “pescador de homens” na rede mundial de computadores. Há os que ousam considerar o manuseio e a fidelidade às redes sociais como anúncio do Reino de Deus. Alguns se jactam: “Tenho mais de dez mil seguidores!” Conectados, sem análise crítica séria, compartilham ideias, tendências, paixões e intolerâncias. Ali, ninguém está sozinho em suas opiniões e comentários. E assim, pouco a pouco, a família e a comunidade vão se desintegrando. 
Talvez, em tempo não muito distante, as palavras do salmista (Sl 23/22, 1) sejam deturpadas: “O Google é meu pastor, nada me faltará.” Através dele, chega-se à informação desejada, quer para ler, copiar ou imprimir. Eis a árvore do conhecimento do bem e do mal, agradável aos olhos e desejável ao paladar, já preconizada no Gênesis (Gn 2,17). Antes de alimentar-se, como num gesto de ação de graças, rende-se tributo à deusa-internet com imagens para as redes sociais. A comida é fotografada com a reverência de quem se persigna, antes das refeições. Os dedos deslizam no celular como se dedilha um rosário ou terço. Vez por outra, parece haver um exame de consciência, diante de uma selfie. Cecília Meireles já aludia no poema Retrato: “Em que espelho ficou perdida a minha face?”  Antes de dormir, muitos ainda veem seus últimos “posts”. E assim adormecem: “Com a internet me deito e com ela me levanto, graças ao wi-fi. Amém.” Contudo, as palavras bíblicas ecoam no ar: “Eu sou o Senhor, e outro não há. Não existe Deus, além de mim.” (Is 45, 5).
* Artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da TRIBUNA DO NORTE, sendo de responsabilidade total do autor
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