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A imunidade do ITBI no entendimento do STF

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Amanda Lucena Lira Seabra de Moura
Advogada, especialista em Direito Societário pela FGV/SP
Frederico Seabra de Moura
Advogado, Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Coordenador do IBET em Natal/RN
Recentemente, o STF fixou a tese de que “a imunidade do ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. As objeções vieram rápidas: impropriedades na interpretação de conceitos relevantes e questionamentos se a Corte não teria se apegado à literalidade do texto em prejuízo da finalidade da imunidade, com a consequente oneração das operações referidas na regra constitucional.
Compreendemos a objeção quanto ao possível desprestígio da finalidade constitucionalmente buscada com a imunidade (alegadamente a de desonerar as mais diversas atividades de reorganizações societárias), muito embora seja importante registrar – na linha do voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes –, a existência de precedentes do STF pela necessidade de interpretação restritiva dos preceitos imunizantes. Trata-se de tema central em direito tributário, mas que escapa aos fins deste texto.
Não há dúvidas que o texto constitucional disse expressamente que a imunidade alcança a transmissão de bens e direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica “em realização de capital”, o que, num contexto de interpretação restritiva, legitimaria a conclusão da Suprema Corte. 
Nesse entendimento, para haver a incidência da imunidade seria necessário que os bens transmitidos não ultrapassassem o valor do capital social subscrito. O precedente demonstra didaticamente a questão: o capital social da empresa era de R$ 24 mil, mas pretendeu-se integralizar as cotas respectivas com imóveis cujo valor ultrapassava R$ 800 mil, sendo um caso claro em que o valor integralizado superou a totalidade das cotas subscritas.
Como juridicamente só seria possível a integralização de R$ 24 mil, o STF garantiu a imunidade tributária até essa monta, legitimando a incidência do ITBI sobre o restante do valor dos bens, que na escrituração contábil da empresa seriam destinados à conta de “reserva de capital”.
Certa ou errada a conclusão, esse não parece ser o aspecto mais importante a se discutir neste momento, pela simples e pragmática constatação de que o debate está provavelmente encerrado, salvo na hipótese de atribuição de (improváveis) efeitos infringentes aos embargos de declaração que foram opostos. Inclusive, em julgamento virtual iniciado em 18 de setembro de 2020, já há voto do Ministro Relator rejeitando-os. 
Outros pontos, todavia, merecem atenção. O primeiro deles diz respeito à aparente superação (posto que enunciado em “obiter dictum”) do entendimento que até então prevalecia na doutrina e na jurisprudência quanto à análise da preponderância da atividade imobiliária para fins de gozo imunidade. Com efeito, o enunciado constitucional sempre foi majoritariamente interpretado no sentido de que – tanto nos casos de transmissão de bens em realização de capital, quanto nos de transferência decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção – a imunidade só prevaleceria se a atividade preponderante do adquirente não fosse imobiliária.
Todavia, a decisão restringiu a análise da referida preponderância aos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção, afastando-a nas hipóteses de transmissão do bem em realização de capital. Assim, toda e qualquer integralização de capital com imóveis estaria protegida da incidência do ITBI, tornando desnecessária a análise da atividade preponderante da empresa. 
Esse entendimento tem extraordinárias repercussões, uma vez que expurga a  possibilidade dos fiscos municipais negarem aos contribuintes o gozo da imunidade sob as alegações costumeiras – e, em geral, não fundamentadas – de que a empresa adquirente exerce preponderantemente a atividade imobiliária ou de que não fez prova de que não a exerce.
Então, por esse aspecto, a imunidade estaria não mitigada, mas possivelmente  ampliada.
Todavia, em razão da vagueza dos termos vistos na tese fixada, não seria espantosa a conduta fiscal que compreendesse equivocadamente o enunciado como uma autorização para exigir o ITBI sobre a monta que viesse a exceder o total que o particular efetivamente integralizou, constituindo o tributo com base naquilo que entenda ser o valor de mercado do bem, ignorando, a um só tempo, que: i) o contribuinte pode optar por transmitir o imóvel pelo valor constante na sua declaração de bens; e ii)  conforme indiscutível querer constitucional, o ITBI somente pode incidir sobre o valor da transmissão propriamente dita, não se confundindo a sua base com a do IPTU.
No ponto, é relevantíssimo registrar que o julgado não tratou da regra que permite ao particular optar por transferir os imóveis pelo valor da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado (art. 23 da Lei 9.249/95 c/c art. 142 do Regulamento do Imposto de Renda). Logo, continua a ser uma escolha do contribuinte a designação do valor pelo qual o bem será transferido, sendo vedado ao município arbitrar valor distinto ao definido pelo particular.
Assim, a verdadeira mitigação da imunidade poderia advir não do precedente em si, mas do possível mau e descontextualizado uso, pelos fiscos, da tese consagrada pelo Supremo, aliada ao desprezo ao teor do regramento federal referido. Com efeito, há justificado receio de imposição pelas Fazendas Municipais de que a transmissão se dê com arrimo no valor de mercado do imóvel, o que ensejaria a indevida incidência do ITBI sobre o montante que excedesse ao capital social realizado, já que o STF considera que a imunidade abrange exclusivamente a transferência de imóveis até o valor consignado como o do capital social subscrito da empresa.
Em casos tais, caberá ao Poder Judiciário interpretar não apenas o que efetivamente foi objeto do precedente, mas também elementos normativos diversos que, se conjugados com o conteúdo da decisão vinculante, haverão de afastar pretensões fiscais indevidas.
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