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A leitura prazerosa

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Ivan Maciel de Andrade
Advogado 

Ler não é somente um ato intelectual, mas um ato de amor. De amor não apenas à arte como à própria vida. Porque a arte multiplica a vida em infinitos prismas que criam ou desvendam universos inalcançáveis através da rasa textura do cotidiano. Além disso, a arte interpreta, desmascara e aprofunda a realidade que ela mimetiza, descobrindo o seu sentido mais íntimo, aquele que de outra forma permaneceria desconhecido – oculto ou dissimulado. E não se pode menosprezar o enorme e especialíssimo prazer que a arte proporciona. Uma “orgia perpétua”, como queria Flaubert. Porque pode ser renovado com toda intensidade a qualquer momento, dependendo apenas da nossa iniciativa. Cabe-nos decidir quando e como ouviremos as “vozes do silêncio”, de que falava Malraux.

Por isso mesmo é que às vezes me pergunto: por que deveremos optar pela leitura de obras literárias cujos méritos foram reconhecidos pela crítica ou pelas resenhas de maior credibilidade? Essas obras podem não coincidir com o nosso gosto estético. Há grandes escritores que admiramos de forma distante, fria, desinteressada, por não termos com eles nenhum ponto de afinidade. Poderemos lê-los, sim, para formarmos uma opinião a seu respeito, por mera curiosidade ou para suprir lacunas da formação intelectual. Sem o prazer, porém, que buscamos na boa leitura. Isso não prejudica o reconhecimento das façanhas criativas e da engenhosidade desses autores na realização, muitas vezes, de um talentoso projeto literário. Mas, na hora de uma prazerosa leitura, a nossa escolha é outra, sem considerar até mesmo o grau de facilidade ou dificuldade da leitura pela qual optarmos.

Tomo como exemplo um genial escritor russo: Liev Tolstói. Há uma aguda observação de Vladimir Nabokov (“Lições de literatura russa”, Três Estrelas, 2014) sobre ele: “Quando alguém lê Turguêniev, sabe que está lendo Turguêniev. Quando lê Tolstói, lê simplesmente porque não pode parar”. Esse comentário é válido para toda a obra ficcional – romances, novelas e contos – de Tolstói, mas particularmente aplicável em relação a “Anna Kariênina”. Adverte Nabokov: “Embora seja uma das maiores histórias de amor da literatura mundial, ‘Anna Kariênina’ não é apenas um romance que trata de aventuras sentimentais”. Nesse romance, Tolstói trata de questões de “grande interesse para toda a humanidade, em todos os tempos”. É muito fácil conferir: basta escolher uma reedição diretamente do russo de “Anna Kariênina” e começar a leitura. Uma leitura que começando não terminará nunca, porque haverá sempre o apelo de inevitáveis releituras. E releituras com o sabor de primeira leitura.

Causaria espanto se eu dissesse que os usuários do Facebook supervalorizam a poesia? Pois, por mais surpreendente, é a pura verdade. Com base em quê faço essa afirmação? Na quantidade e qualidade de poemas postados, que despertam o interesse e o entusiasmo de pessoas sem qualquer familiaridade com a literatura. É que elas veem na poesia algo mágico que transcende e ilumina a mesmice e insignificância da vida de todos os dias. E com grande razão, uma vez que Joseph Brodsky discerne na poesia “uma forma de desobediência linguística que questiona toda a ordem existencial”.

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