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A lista

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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República

Na semana passada, conversamos aqui sobre John Henry Wigmore (1863-1943), que, em 1900 (e, sucessivamente, em 1908 e 1922, pelo menos), com a elaboração de uma lista de “romances jurídicos” – “A List of Legal Novels” –, deu origem a um dos três ramos do movimento “Direito e Literatura”, mais especificamente aquele chamado de “direito na literatura” (“law in literature”, “le droit dans la littérature”, “el derecho en la literatura”).

A elaboração de “A List of Legal Novels” fez parte de um fenômeno parecido com algo que vivemos em nossos dias: uma “febre das listas” (eu mesmo, dia desses, adquiri na Livraria Cultura um livrão, com quase mil páginas, intitulado “10.000 Things You Need to Know: The Big Book of Lists”, edição de Elspeth Beidas e publicado pela Universe Publishing em 2016. Vivo folheando. É uma delícia). À época, uma das ferramentas mais  utilizadas, a fim de direcionar e melhorar a qualidade da leitura, “era a elaboração de catálogos ou listas especiais para uso dos leitores de bibliotecas”, explica Esther Jane Carrier (em “Ficton in Public Libraries 1876-1900”, The Scarecrow Press, 1965).     Classificadas por temas (aventuras, melodramas, história etc.), destinada a públicos diferentes (adultos ou crianças, por exemplo), as tais listas eram mais que uma prática corrente. “Eram imperativas”, aduz Anne Simonin no artigo “Make the Unorthodox Orthodox: John Henry Wigmore y el nacimiento del interés del derecho por la literatura” (que consta do livro “Imaginar la ley: El derecho en la literatura”, título original “Imaginer la loi: Le droit dans la Littérature”, organizado por Antoine Garapon y Denis Salas, e publicado pela Editorial Jusbaires na Argentina, com o apoio do Poder Judicial de la Ciudad de Buenos Aires/Consejo de la Magistratura, em 2015). As listas de leitura tinham “a função, então, de pôr a literatura em seu lugar, promovendo exclusivamente as obras consideradas úteis e boas para um determinado público”.

Esse, sem dúvida, era também um dos objetivos de John Henry Wigmore ao publicar em “The Brief”, em 1900, a primeira de suas listas de “Legal Novels”: separar o joio do trigo. Vendo uma intersecção entre as duas culturas, a literatura e o direito, Wigmore sugeriu que os operadores do direito incluíssem as obras de ficção, especialmente os romances, em suas leituras cotidianas, ao mesmo tempo fornecendo um guia que separava a (suposta) boa da má ficção jurídica.

Para além disso, conforme registrado por Anne Simonin, o próprio Wigmore, na sua introdução à lista de 1908, afirmava, sob o seu ponto de vista, três grandes funções dessa (boa) ficção jurídica: “1º – Informar ao jurista a representação que do direito faz o homem comum: ‘Que jurista pode permitir-se atravessar a vida sem estar familiarizado com esses clássicos entregues ao mundo, como o advogado Pleydell em Guy Mannering, o attorney Tulkinghorn em A Casa Desolada ou o magistrado Popinot em César Birotteau (…)?’. 2º – Impor à atenção do jurista a aplicação concreta e, consequentemente, a consciência da necessária evolução da lei: ‘A reforma das prisões se deve mais aos ensaios de Jeremy Bentham ou ao romance de Charles Reade, It Is Never Too Late To Mend?’. 3º – Enriquecer o conhecimento do jurista sobre a natureza humana: ‘[O jurista] deve procurar a ficção, que lhe oferece um museu de retratos da vida’. Para estudar a natureza humana, duas possibilidades se oferecem ao jurista: lhe é necessário viver ou ler”.

O fato é que a lista de Wigmore foi, desde o princípio, um sucesso. “Incluindo cem títulos de cinquenta autores, precedida de uma ‘short list’ de dezessete melhores títulos, a lista de ‘Legal Novels’ [de 1900] encontra um eco imediato entre os bibliotecários, e é republicada, particularmente e sem autorização de Wigmore, em ‘The Library Journal’”. E, claro, a coisa não parou aí. Pelo contrário, a empreitada ganhou uma dimensão coletiva, e as listas seguintes, de 1908 e 1922, nas respectivas elaborações, ganharam o importante apoio de outros acadêmicos da Faculdade de Direito da Northwestern University.

Por fim, restou o grande legado na forma de uma trilha a ser sucessivamente explorada. Pelos seus contemporâneos e pelos que seguiram. Para se ter uma ideia, como aponta a já citada Anne Simonin: “Um artigo do juiz da Corte Suprema Benjamin Cardozo destinado a marcar uma época, publicado em 1925 em The Yale Review – ‘Law and Literature’ –, legitimará de maneira decisiva o interesse do direito pela literatura. Propondo, no ano seguinte, uma ‘short list’, um comentário detalhado de doze autores de Legal Novels presentes na lista de Wigmore de 1922, seu grande amigo Frank J. Loesch – advogado, membro influente da Comissão de Crimes de Chicago, que fará cair Al Capone –, devolverá a vida e dará um ‘impulso’ decisivo à difusão da lista de Wigmore. Outro jurista, chamado a ter um papel essencial na história do movimento ‘Direito e Literatura’ nos Estados Unidos durante os anos 1970, Richard H. Weisberg, assegurará a ‘reestreia’ e a atualidade da empresa de Wigmore, ao republicar, aumentada, a lista de 1922, sempre na Illinois Law Review, em 1976”. Hoje, é uma trilha a ser explorada por nós, os amantes contemporâneos dessa mistura direito/literatura.

Bom, de minha parte, agora, vou xeretar as tais listas de Wigmore. Ali estão Balzac, Collins, Dickens, Dumas, Fielding, Gaboriau, Howthorne, Hugo, Scott, Stevenson, Thackeray, Trollope e por aí vai. Vou escolher algo para ler. Sem pressa e diletantemente.

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