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A luz, sempre a luz…

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Cláudio Emerenciano
[ Professor da UFRN]
O Eclesiastes adverte a humanidade para a eterna mesmice, invariável, vinculando passagem da vida e sucessão de gerações ao nascer e ao pôr do sol: “Geração vai e geração vem, mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo”. Por isso Ernest Hemingway, gênio, converteu o Eclesiastes em prólogo de um dos seus notáveis romances: “O sol também se levanta”. É quase autobiográfico. Como também foi o excepcional “Adeus às armas”.  E ainda, de certa maneira, “As neves do Kilimanjaro” e “Por quem os sinos dobram?”. Em todos eles, predomina seu estilo jornalístico, conciso, mas incomparavelmente profundo, que mergulha na alma humana e fascina ao descrever situações, circunstâncias, panoramas. Tudo se associava, mítica e invariavelmente, com as evoluções do sol. Ninguém descreveu o amanhecer em Paris como Hemingway. As civilizações e as nações não escapam às comparações com a luz, a aurora, o mar e o crepúsculo. Quem primeiro enveredou por essa simbologia foi o historiador Plutarco ao narrar as vidas de Alexandre e Júlio César. Edward Gibbon, em “Declínio e queda do Império Romano”, disse que os bárbaros apagaram vestígios de sua opulência: “o crepúsculo do Império foi o início de uma longa noite na História”. Enquanto André Maurois, em “Tragédia na França”, e André Torrés, em “A França Traída”, reconheceram que a invasão da França pela Alemanha, em 1940, não foi apenas uma vitória militar. Foi a “morte fulminante” de um tipo de sociedade predominante desde o final do século XIX: a “Belle Époque”. Seus maiores intérpretes na literatura: Guy de Maupassant (morreu prematuramente em 1893), Marcel Proust, Émile Zola, André Breton, Roger Martin du Gard, André Gide, Gabrielle Colette, André Maurois e François Mauriac. Estudo irretocável de Paul Kennedy, em “Ascensão e queda das grandes potências”, demarca o crepúsculo de uma nação, significando desmoronamento dos seus valores morais, sonhos, ideais e maneira de ser.

A presença imutável da luz e a influência do mar na vida de povos germinam circunstâncias que moldam e fecundam civilizações. Desde a aurora dos tempos. Especialmente no agir das pessoas. É o que nos ensina, misturando prosa e verso, Victor Hugo em “Trabalhadores do Mar”. Também Axel Munthe em “O livro de San Michele”. As coisas da vida se descortinando na perspectiva do infinito. Renovando-se em belezas sem fim. A essência da majestade e do encantamento da vida. O eterno poema da harmonia, do amor e da paz. Muitíssimo antes deles, Homero desvendou mistérios, paixões, mitologias, sonhos, valores, percepções e criatividade dos gregos na “Ilíada” e na “Odisseia”. Fontes da civilização ocidental, que se expandiram em desdobramentos épicos e líricos na “Eneida” de Virgílio e nas “Metamorfoses” de Ovídio. Os versos de Petrarca, Abelardo e Dante foram luzes que dissiparam as trevas do obscurantismo medieval. Arremeteram de novo a civilização ocidental para o humanismo e seus compromissos milenares. Foi um reencontro com a luz. Mas, aqui e ali, irrompem retrocessos, violências, estupidez e selvagerias que degradam a condição humana. Periodicamente histeria, fanatismo, prepotência, mediocridade, intolerância, cinismo,  mentira, privilégios, interesses espúrios, injustiça e escamoteação da verdade parecem predominar. Mas a luz inexoravelmente se restaura. André Malraux simplificou magistralmente seu triunfo: “A voz da luz se faz ouvir no silêncio da consciência de cada homem”. Enfim, está em João (1,4): “A vida estava nele e a vida é a luz dos homens”.

A perplexidade no mundo e, em particular, no Brasil, não intimida, não abate nem desvirtua os mais preciosos sonhos dos brasileiros. Nesse sentido, como outros povos e civilizações, temos vinculações universais. Algo como do mar recebêssemos estímulos para desafiar o desconhecido. Daí a vocação talássica. Legado milenar de Ulisses  (“Odisseia”), confirmando o atributo humano para desafiar e desvendar o desconhecido. Espécie de germinar titânico. Por isso Neil Armstrong, ao pisar no solo lunar, comparou-se ao mítico herói e disse: “eis a aventura sem fim do homem…”     

    Mas não seria preciso ir tão longe. Jorge Amado, em quase toda sua obra, exaltou elementos telúricos que fazem da Bahia uma espécie de “paraíso tropical”. Onde a nacionalidade brasileira, disse comovedoramente Tancredo Neves, misto de político e de pensador, renova-se pela autenticidade e vigor de sua concepção de vida. Sim! A Bahia do litoral tem uma forma de vida incomparável, afetando a maneira de ser das pessoas em outras regiões do país. Aqui, em Natal, o mar, o rio e as dunas também sugestionam o ser das pessoas. To­dos, sem exceção, impregnam-se daquela sensibilidade universal que Chateaubriand tanto exaltou em “Atala”.  Reconhecimento de valores da “americanidade” já em pleno século XVIII. São inexauríveis as incursões literárias sobre o tema de latino-americanos: Octávio Paz, Jorge Luiz Borges, Pablo Neruda, Gabriel Garcia Márquez, Miguel Angel Astúrias, Vinicius de Morais, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Josué Montello, Mário Vargas Llosa, Ramón Del Valle-Inclán, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Vianna Moog, Gabriela Mistral, Érico Veríssimo, Eduardo Galeano, Darcy Ribeiro, entre tantos outros intérpretes desse estado de espírito.

Eis a tragédia dos nossos dias em dimensão nacional e universal. Homens públicos (até magistrados e promotores) ignoram o mundo, suas transformações, seus valores, seus sonhos. Vivem como caramujos. De si para si. Seu viver é retrógrado. Emerge e depende do poder, do fisiologismo, das vaidades, da intolerância ou do arbítrio. Nesse caso, a voz da luz proclama como Júlio César: “Alea jacta est” (a sorte está lançada)…  

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