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‘A mina possui um bom potencial’

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Luiz Freitas – repórter de Economia

Conciliando a carreira médica com a administração de umas das mais tradicionais empresas de mineração do Estado, a Mineração Tomaz Salustino (MTS), o médico Carlos Salustino Dutra fala sobre a retomada da produção na Mina Brejuí, em Currais Novos, considerada a maior mina de scheelita da América do Sul. Ele revela que a empresa tem potencial para produzir por mais 20 anos e fala sobre o interesse de grupos estrangeiros em adquirir a empresa, considerada um marco no ciclo da mineração do Rio Grande do Norte e uma das mais importantes na história da mineração no país.

Como começou o ciclo da mineração de scheelita no Seridó?

Foi durante a Segunda Guerra Mundial, um período de escoamento das reservas dos EUA. O americano sempre manteve uma reserva de tungstênio, mas com a guerra ele viu essas reservas diminuírem, ao mesmo tempo em que ficaram sem suas fontes nas minas da Europa e da Ásia. Então eles se voltaram para o Nordeste. Os americanos estavam aqui desde 1940 para estimular a criação de minas e a descoberta de minérios estratégicos na época como a tantalita, berilo, columbita e scheelita. Estabeleceram uma agência de compra de minério em Parelhas, passaram a dar picaretas, pás e carroças, além de orientação técnica sobre mineração.

O que estimulou os americanos a procurarem o Seridó?

O geólogo Júlio Neves noticia mais de 600 ocorrências de scheelita, no Seridó do RN e na Paraíba nessa época. Mas a maior concentração estava em Currais Novos, nas minas Brejuí, Barra Verde e Boca de Laje, que hoje ainda produzem, além da mina Bodó, na Serra de Santa, que hoje é da Metasa e está ativa. Essas minas foram exploradas por grupos nacionais e internacionais, mas a mineração de Tomaz Salustino teve esse fator nacionalista, ele nunca procurou vender a empresa, sempre resistiu às investidas. Um empresário chinês Wah Chang, dono nas minas da Califórnia, levou meu avô para os Estados Unidos e veio aqui três vezes para comprar a mineração, mas as propostas foram recusadas. Então Wah Chang firmou uma parceria com o grupo da mina Barra Verde e a explorou durante 10 anos.

Que fator fez com que a mina Brejuí se destacasse tanto naquela época?

O diferencial da MTS era o processamento e beneficiamento do tungstênio. Desde a descoberta da mina Brejuí em 1943 por meu avô, Tomaz Salustino, ele teve a orientação técnica de um engenheiro de minas com formação em metalurgia nos EUA. Esse engenheiro fez toda a projeção para o futuro da empresa como uma mineração mecanizada. Foi aos EUA e comprou todo o equipamento, máquinas, caminhões pesados, tratores. Esse investimento tornou a empresa muito rica. Em 1945, tínhamos cerca de 2 mil homens trabalhando no sistema de garimpo, extraindo aquelas banquetas, a produção era somada e vendida praticamente toda para os EUA.

A mineração parou suas atividades em 1997. O que aconteceu?

A MTS foi uma das últimas a fechar com a crise econômica do dumping chinês. Primeiro o chinês vendeu muito minério ao mundo, a oferta era muito grande e o preço caiu bastante. Daí as minas daqui foram fechando porque se tornaram antieconômicas diante dos preços baixos. Depois a China, com seu crescimento econômico acelerado, sentiu que precisava das reservas e que as minas de scheelita e tungstênio estavam se exaurindo. Então passaram a controlar as exportações, deixaram de vender a scheelita primária que nós extraímos e passaram a vender apenas a manufaturada, o ferro tungstênio e outras ligas intermediárias. A scheelita passou a se tornar difícil com o fechamento do mercado chinês e desde 2003 novamente as minas de scheelita do Seridó passaram a ser focadas como um potencial que poderia ser exaurido ou trabalhado.

Nesse momento ela voltou a produzir?

Desde 2004 a mineração começou a produzir novamente e a montar sua estrutura mecanizada. Vendemos caminhões velhos, compramos novas máquinas, restaurando todo o equipamento da usina e reaproveitando alguma estrutura que a gente tinha porque mantivemos alguma coisa montada, não havíamos vendido nada. Trouxemos novamente nossa equipe técnica de mineração, com engenheiro de minas, topógrafo, geólogo, mecânicos. Temos uma oficina, uma carpintaria, um laboratório de análises com um químico contratado. Mantivemos a empresa trabalhando a todo vapor, aumentando a produção. Temos um potencial muito grande para o futuro e despertamos o interesse de muitas empresas.

Por que a scheelita ainda desperta tanto interesse? Quais são suas aplicações hoje?

Sempre somos procurados na medida em que o tungstênio se torna um mineral estratégico, de aplicação muito ampla. É um metal duro, de alta densidade, um dos mais densos existentes, e de alto ponto de fusão. Só consegue derreter a scheelita com uma temperatura de 1.419 graus Celsius. Hoje o tungstênio é utilizado na fabricação das caixas pretas de avião, nas brocas das sondas de perfuração de petróleo em águas profundas, na indústria metalúrgica, em equipamentos de raio-x, até a esfera da caneta Bic é feita de aço com tungstênio. A indústria que projeta foguetes espaciais também utiliza o tungstênio. Podemos dizer que demos a nossa contribuição para a chegada do homem à lua, porque o material utilizado para a construção daquelas primeiras aeronaves certamente era do Seridó.

A venda da empresa para grupos estrangeiros já foi ventilada algumas vezes. Como está esse processo? Os acionistas têm interesse em vender a empresa?

Mantemos o conceito que a empresa sempre teve, de uma mineração séria, que atua sempre dentro dos trâmites legais. Estamos tendo uma boa resposta na medida em que somos procurados por grandes grupos internacionais interessados em fazer negociações com a MTS do Japão e da China, por exemplo. Essas empresas vêm, examinam nossas minas, nossas economias, mandam técnicos, ficam interessados em fazer uma negociação. O conselho da mineração é constituído pelos descendentes de dez grupos familiares, os dez filhos de Tomaz Salustino. Hoje somos 46 netos, a família já se encontra com mais de 400 membros. Veja o que é produzir e render dividendos para uma família tão grande. Então já nos convencemos que seria melhor para a família fazer essa negociação. Há um consenso de que havendo um grupo interessado, a gente estuda e atende essa negociação se a proposta for satisfatória. Um grupo australiano visitou a mina há alguns meses e figura hoje como o atual interessado.

O que vem dificultando a venda então?

Infelizmente há dificuldade em se chegar a um consenso sobre as propostas. Temos uma boa vontade, mas como as propostas não nos interessaram, continuamos na atividade. Estamos produzindo bem, não estamos vendendo a empresa porque ela não tenha mais minérios ou porque ela esteja caindo. A empresa está sempre procurando produzir e tem um potencial mineral muito bom, que permitirá produzir ainda por 15 a 20 anos. Nossos cálculos mais recentes mostram que temos mais de 23 milhões de toneladas de minério nas nossas jazidas.

Como se encontra a produção da mineradora hoje?

Nos últimos anos mantivemos uma produção de 15 toneladas mensais, ultimamente temos alcançado 17 a 19 toneladas por mês. Desde a retomada da produção em 2004, exportamos 120 toneladas para a China, que nunca havia comprado scheelita, sempre vendeu, para a Inglaterra e os EUA. Acreditamos que hoje a produção no RN é de 40 a 45 toneladas por mês, então a MTS está dominando a produção com seu desempenho atual. A empresa tem mantido uma produção satisfatória. Se ela produzia de 30 a 40 toneladas com 700 ou 800 funcionários, hoje ela consegue produzir 17 ou 18 toneladas com 160.

Qual é o mercado consumidor da MTS atualmente? A empresa continua exportando?

Nos últimos dois anos exportamos para os EUA e Inglaterra. Esse ano estamos oferecendo tungstênio apenas para o mercado interno. As metalúrgicas de São Paulo é que estão adquirindo a xelita aqui do seridó. Não fizemos nenhuma exportação devido à queda do dólar. Estamos alcançamos melhores preços no mercado interno, com essa situação do real valorizado. Enquanto o dólar estiver baixo a exportação se torna inviável. Recebemos ofertas de venda para a China, Rússia, Inglaterra e EUA, e não podemos efetivar os negócios porque  quando fazemos os custos com transporte de navegação, impostos, análises químicas em laboratórios internacionais isso inviabiliza o negócio. Aqui o caminhão sai da mina diretamente para a fábrica em são Paulo com o frete pago pelo comprador.

O senhor acredita em um novo ciclo da mineração no Estado?

Podemos considerar que estamos dentro de um novo ciclo desde 2004, quando as minas principais voltam a produzir e o tungstênio passa a ser novamente economicamente viável. Mas as ocorrências do Seridó já foram muito estudadas e o próprio desenvolvimento da metalogênese demonstram que as ocorrências atuais são pequenos focos que servem apenas para o garimpo e que se exaurem rapidamente, impedindo uma exploração mecanizada. É possível que não haja outro boom no desenvolvimento mineral porque naquele primeiro momento houve as situações extraordinárias das guerras, onde houve grande necessidade de tungstênio e a sua produção alimentava a indústria da guerra. Hoje existem vários produtos que substituem o tungstênio, embora seu uso seja indispensável em certas ligas de aço. A China ainda representa 76% do potencial mundial e aqui no Brasil as ocorrências de tungstênio da xelita são todas praticamente no seridó. Existe ainda a volframita, que é um tipo de tungstênio com qualidade inferior, existente no Paraná, são Paulo e Rondônia.

Qual é o valor de mercado atual do tungstênio?

De 2004 para cá, o preço do tungstênio variou entre R$ 20 e R$ 32, já houve um fluxo e estamos no refluxo. Mantivemos nossa oferta, controlamos um pouco o preço do nosso produto, porque temos um minério mais desejado, com mais qualidade, que passa por um processo de beneficiamento. A scheelita de Brejuí é conhecida internacionalmente, somos submetidos a análises do laboratório internacional AHK, que demonstram que a nossa scheelita atinge um teor de 75,60% de tungstênio, um dos maiores teores. O mérito da mineração é o know how ao longo do tempo de seus técnicos, com mais de 30 anos no mercado, e a seriedade com que a empresa trabalha em suas negociações, seus contratos, algo muito importante.

Essa queda de preço pode impactar novamente a produção?

Quando o preço cai, a atividade torna-se anti-econômica e as pequenas minas vão logo fechando. Somente as empresas mais organizadas que controlam seus gastos tem condições de continuar produzindo. As empresas estrangeiras são as primeiras a sair porque tem um custo elevado de administração, técnicos morando na região, etc. Hoje novamente quem trabalha em garimpo já tem que investir, tem custos com despesa de material, de consumo. O nível do salário mínimo atual corta a possibilidade de explorar áreas mineralizadas com o garimpo. Você não cobre as despesas, o combustível, a dinamite é controlada pelo exército e é muito cara.

Além da scheelita, que outros minerais são explorados atualmente?

Ao colocar a empresa em situação de negociação, levantamos todo o seu potencial mineral. Além das jazidas de scheelita e tungstênio, temos potencial em molibdênio, um minério estratégico caro, com um potencial menor, mas que agrega valor à mina. O potencial de calcário é que é interessante. Só a área de Brejuí 1, que está sendo explorada há 60 anos, há o registro oficial de 58 milhões de toneladas de calcários. Nos outros setores da mina há estimativas não confirmadas de 100 milhões de toneladas. O calcário vem como um acréscimo ao potencial da mineração. Serve para a fabricação de cal, de argamassa, cimento, para a agricultura. Poderíamos fornecer calcário para pequenas fábricas de cimento, de azulejo, de vidros. É um potencial que vai acrescentar valor à extração do tungstênio.

Existe algum aproveitamento dos resíduos da mineração?

Temos cerca de 6 milhões de toneladas de dunas minerais. Quando assumi a empresa em 2002 já tinha a ideia de que elas tinham potencial para aproveitamento da scheelita. Fizemos pesquisas junto a um grupo holandês-israelita para a utilização de uma tecnologia de separação mineral. Mas a pesquisa se tornou muito demorada e a recuperação não era economicamente viável. Mas aquele material tem valor econômico, vários metais estão presentes naquelas dunas minerais e que podem ficar como reserva, aguardando o progresso da ciência e da tecnologia e descoberta de técnicas mais refinadas para retirar chumbo, cobre, níquel, prata, ouro. No mínimo, esse material pode ser usado na indústria de construção, como material de aterro ou base para estradas de asfalto.

A Mineração Tomaz Salustino deu várias contribuições para o município de Currais Novos. Como se encontra hoje essa relação?

A empresa manteve o hotel e o flat sob o seu comando. Mas hoje estamos voltados para o turismo. Desde que assumimos em 2000 o conselho da mineração e em 2002, quando me tornei presidente com a morte do deputado Gilberto Lins, tivemos a ajuda e o interesse de pessoas da família em pensar e fazer o Memorial Tomaz Salustino, enquanto a empresa estava com as atividades paradas. Em 2002, ele se transformou no Museu Mineral Mário Moacyr Porto, e já conta com mais de 50 mil visitantes, principalmente alunos de escolas do RN, Paraíba e Pernambuco, além de milhares de estrangeiros que visitam Natal e são levados para visitar a mina Brejuí. Somos inscritos no Museu Nacional como membro da Associação de Museus e temos recebido visitas de professores do sul que elegem o museu como um dos quatro melhores do país. A empresa também vai melhorar as instalações de uma área do Museu Câmara Cascudo, onde a mineração está exposta desde 1975. Estamos preparando um programa para os 50 anos do museu e vamos preparar uma atualização da nossa mostra da MTS, enriquecendo esse acervo.

A mineração também é conhecida nos meios acadêmicos?

A MTS é uma empresa que é reconhecida por voltar seus olhos para o ensino e a cultura. Somos o campo de trabalho de ensino e orientação das faculdades de engenharia de minas e geologia no Nordeste. Recebemos alunos da Paraíba, de Pernambuco, os cursos do IFRN de mineração. Abrimos as galerias e seu campo de trabalho para que esses alunos aprendam. Demos sempre essa importância ao ensino, damos oportunidade as pessoas conhecerem a extração e beneficiamento dos minérios.

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