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A origem dos sonhos

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Tádzio França
Repórter

O desejo é a matéria-prima do sonho. Mas esse desejo na maioria das vezes não é algo claro na mente das pessoas e, ao acordar, o sonho vira uma lembrança apagada e sem sentido. Estudar essa experiência instiga a humanidade há séculos e, só a partir de 1900, com a obra de Freud, o sonho ganhou um caráter científico. Hoje o sonho é um reconhecido objeto de estudo clínico trabalhado na psicanálise, e que pode ser usado de várias formas para analisar questões pessoais, anseios, sentimentos, e até estimular a criatividade.

A experiência do sonho instiga a humanidade há séculos, mas só a partir de 1900, com a obra de Freud, ele ganhou um caráter científico. O desejo é sua matéria-prima, mas nem sempre clara para a mente

A experiência do sonho instiga a humanidade há séculos, mas só a
partir de 1900, com a obra de Freud, ele ganhou um caráter científico. O
desejo é sua matéria-prima, mas nem sempre clara para a mente

“O sonho é como um enigma que precisa ser interpretado, não desvendado. A análise clínica do sonho nos permitir conhecer melhor a pessoa dentro de suas subjetividades”, afirma o psicólogo e psicanalista Pedro Von Sohsten, diretor e professor da Percurso Livre em Psicanálise (PLP), uma instituição que explora a pluralidade teórica e clínica do campo psicanalítico. Ele ressalta que esse tipo de interpretação de sonho só deve ser feita mediante o trabalho de um profissional do segmento.

Sonhos subjetivos
Von Sohsten afirma que não existe “adivinhação” no sonho, já que o ato de sonhar é algo totalmente gerado no inconsciente da pessoa. “O sonho tem a função de representar nossos desejos e ao mesmo tempo realiza-los. Quando ele traz figuras e imagens, serve ao trabalho clínico de conhecer elementos da vida subjetiva do sonhador. Não é exatamente auto-conhecimento, mas um reconhecimento”, explica. A confusão de informações faz parte do sonhar.

“A representação no sonho vem naturalmente ‘embaralhada’. O inconsciente submete o desejo há uma certa censura que deforma o sentido do que foi sonhado. Há uma briga de foice interna”, explica o psicólogo. Freud já havia declarado em seu clássico “A Interpretação dos Sonhos” que os sonhos noturnos são gerados na busca pela realização de um desejo reprimido. O sonho é o espaço para a realização desses desejos inconscientes reprimidos. O desejo está disfarçado na cena onírica, portanto, muitas vezes deixa a confusão no sonhador ao acordar.

A interpretação de sonhos está longe de ser algo místico ou religioso, sob o olhar da psicanálise. “Sonhar com uma queda no abismo, por exemplo, não tem um ‘significado’ único. Isso pode ter vários sentidos que mudam de pessoa para pessoa, e a psicanálise explora essas representações de maneira singular. O que nos interessa é explorar as individualidades que cada um traz dentro de si”, afirma Pedro Von Sohsten. O debate do sonho permite que a pessoa entre em contato com sentimentos diversos, algo que o angustie ou o deixe feliz, resquícios do cotidiano, questões internas, familiares, trabalho, etc. Todas as experiências podem moldar um sonho.

Sem aviso
O sonho é uma preciosa ferramenta clínica para o psicólogo, ressalta Bergson Fernandes, integrante da Escola Brasileira de Psicanálise/RN. “O sonho é relevante na medida que durante o processo analítico é trabalhado como uma fonte de conteúdos. Explorado a partir do relato do paciente, pode acrescentar elucidações importantes sobre seus sintomas e funcionamento psíquico”, diz. Bergson não considera os sinais do sonho como um “aviso”, mas apenas o reflexo de algo da vida psíquica da pessoa.

“No trabalho de análise o que vai ser interpretado desse sonho se refere ao relato propriamente dito, uma vez que trabalhamos com a palavra e somente através dela o sujeito consegue se dar conta do que o sonho representa, do que se trata aquele conteúdo, ou seja, é efetivamente a via régia para o inconsciente”, analisa. O psicólogo   ressalta que o sonho é totalmente um produto do inconsciente, não um reflexo biológico. “O sonho é a manifestação de um elemento que está insistindo em ser reconhecido, e ele é uma construção do inconsciente, e nessa medida aponta para a realidade psíquica de quem sonha”, diz.

O sonho pode agregar algo ao cotidiano quando o sujeito consegue interpretá-lo como um material que aponta para algo seu – uma produção do seu inconsciente. “Claro que cotidianamente é muito difícil que alguém consiga essa clareza diante do material sonhado, mas o sujeito que está em análise possui através do relato do seu sonho – e do trabalho do psicanalista – uma via de acesso a esse material, revelando algo de sua verdade até então não reconhecida”, explica.

Apanhador de sonhos
Um projeto recente desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) vem causando discussão entre psicólogos e psicanalistas. Os cientistas estão trabalhando no ‘Dormio’, um sistema de controle de sonho com o objetivo de captar o potencial criativo do sonho durante os primeiros minutos do sonho. A técnica consiste no uso de sensores nas mãos para medir o relaxamento da musculatura, as mudanças nos batimentos cardíacos e a eletricidade da pele.

Quando o estágio do sono onde acontecem as alucinações hipnagógicas é alcançado, um robô entra em ação emitindo sons em volume suficiente para não despertar a pessoa e inserir assuntos nos sonhos das pessoas. A inteligência artificial também foi programada para iniciar uma conversa, com perguntas sobre os pensamentos da pessoa. As respostas são gravadas, não permitindo que o sonho caia no esquecimento assim que o sujeito acorde.

Segundo os cientistas desse experimento, os sonhos hipnagógicos são mais propensos a incorporar estímulos, pois não estão dormindo profundamente. Os pesquisadores acreditam que o ‘Dormio’ permite que o sonhador explore mais sua mente, use a cabeça como um gerador de realidade virtual, e até mesmo controle seus sonhos. Pode-se encorajar as pessoas a sonharem sobre determinados assuntos e entende-los melhor. Até mesmo superar algo que elas não estão preparadas para entender sobre si mesmas.

O psicanalista Pedro Von Sohsten não acredita na funcionalidade do ‘Dormio’. “É algo que se contrapõe à nossa concepção. O inconsciente não é anatômico, um objeto. Ele é incontrolável. O sonho não tem controle sobre suas dimensões de produção, o inconsciente mistura tudo”, afirma.

Bergson Fernandes também acha que não pode dar certo a tentativa de controlar o psiquismo de uma pessoa. “O sonho é algo muito subjetivo, não tem nada a ver com objetividade e não pode ser controlado. O sonho fala de algo de nossa singularidade e apenas no trabalho da análise ele pode se tornar esclarecedor. O material do sonho vem disfarçado, então as conexões de seu entendimento só podem vir através de uma análise subjetiva”, conclui.

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