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A paz dos chinelos

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São Paulo – Outro dia, gostei quando um amigo, inteligente e de uma sensibilidade bem acima da média, confessou, numa conversa dessas bem humoradas e ligeiras: ando em paz com os meus chinelos. É que ninguém, tendo sido de um padrão simples a vida inteira, pode sonhar em construir castelos. Principalmente, quando se alcança os setenta e como sempre foi – sem fortuna e sem glória. A menos que tenha a virtude do delírio, se de resto, e de certo modo, foi feliz assim. 
A sabença popular muito antes já ensinava que há sempre um chinelo velho para um pé cansado. Não duvido. Aliás, não costumo duvidar da tradição, até pela lição de Câmara Cascudo quando diz que a tradição é a ciência do povo. E é. Burlescos e enganadores são os modismos e seus trejeitos farsescos. O ser humano – e nem precisa ser só por má fé – é blefador, se não tem o bom atributo de ser o fingidor para tudo fingir tão perfeitamente, como avisou Fernando Pessoa. 
Outros viriam bêbados, mas eu venho lúcido, como no soneto célebre de Lêdo Ivo. Para dizer que a paz tem sua hora de chegar acima da vontade de cada um. Às vezes, não chega nunca. Noutras, vem vindo mansamente, desacelerando a vida, até acomodar, em algum lugar da alma cansada, todos os sonhos irrealizados. Sem sofreguidão. Como se os anos então compreendessem que a vida conhece cada pedaço da estrada, sobretudo se já avista, exausto, seu lugar de pouso.  
Não sou um grande leitor. Muito menos de romances. É preciso, antes, que alguém acorde a curiosidade. Como outro dia, há alguns meses, quando caiu nos olhos a resenha crítica de Tati Bernardi, na Folha, encimada por uma frase que anotei aqui numa caderneta que anda comigo: “O oposto da morte não é a vida, é o sexo”. Achei muito o desprezo pela morte e então fui percorrer o texto como quem busca, no fruto maduro, a garantia de sua doçura que acalma a sede da alma. 
A resenha de Bernardi era sobre a leitura de um romance inteiramente desconhecido para este cronista – “Isso também vai passar”, de Milena Busquets, uma espanhola de Barcelona, lançado em 2014 e traduzido no Brasil em 2016, pela Companhia das Letras. Para Tati Bernardi, este é “um livro sobre a mais ferrenha melancolia e a mais taciturna solidão. Quando a dor é tão grande que na impossibilidade de aceitar que nunca mais teremos o outro, nos tornamos o morto”.  
Li o romance dias depois do texto de Bernardi, e foi nas suas páginas que descobri umas tantas coisas sobre a vida, se tudo também passa, como diz a autora. Descobri, por exemplo, que as roupas também ficam “encharcadas de cansaço e tristeza”. E que “o mar, submisso ou furioso, triste ou eufórico, escandaloso ou tímido, salpicado de embarcações ou vazio e cansado, parece prestar reverência a um lugar que nem o tempo nem as hordas de turistas conseguiram humilhar”. 
ATENÇÃO – Uma análise isenta de um especialista em estatística, e toda baseada em números quantitativos e qualitativas, revela: senador Styvenson Valentim pode ir, sim, ao segundo turno. 
RIMA – Os generais não estão entre as 700 mil assinaturas da carta em defesa da democracia. E o Exército acaba de comprar equipamento avançado para escutar celulares. Uma mera coincidência.
SEGREDO – De um prócer de alto teor bolsonarista, entre o mistério e a revelação: “Só depois de abertas as urnas se saberá a geografia eleitoral de Rogério Marinho”. E adiantou: “É bem ampla”.
DICA – É assim, citando o grande Voltaire, que João Pereira Coutinho começa o seu ‘ABC da Traição’: “Para ter sucesso na vida não basta ser estúpido; é preciso também ter boas maneiras’. 
BOTIJA – O Carnatal ganhou vários sócios. Pelo visto, todos muito ingênuos, e a alegria virou um grande negócio. Bom para o turismo e a gaveta fiscal do poder público. E será para a alegria?
NATAL – Estou de volta a esta caverna de livros velhos. Na mala, livros, revistas, jornais e uma doce alegria de ter vivido esses dias em São Paulo, mas, e sobretudo, esse prazer de poder voltar. 
POESIA – Do Véio da novela Pantanal, que vira uma cobra sucuri, gigante e misteriosa, dando um terno conselho a Juma Marruá, a onça: “O amor é um sentimento que não pode ser roubado”. 
CINISMO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, na sentença contra os políticos corsários: “Quem foi aliado e adversário de todo mundo não pode dizer nada de ninguém”. E riu. 
PORRADA – Duríssimo o artigo da escritora Marilene Felinto, Prêmio Jabuti, com seu romance ‘As Mulheres de Tijucupapo’, na Folha de S. Paulo. Contra os critérios que considera elitistas da Academia Brasileira de Letras. Acusa o presidente Merval Pereira de ser conservador de direita.  
ESPELHO – O artigo pode não servir em todos os pontos críticos como uma referência para as academias e instituições culturais, mas revela a posição de uma escritora negra ao cobrar posições de sintonia com as lutas da sociedade. E mais: quando postas a serviço de interesses particulares. 
VERGONHA – Com título forte – ‘Academia sem vergonha’ – e ocupando meia página do jornal, no caderno Ilustrada, Marilene bate duríssimo na velha ABL: “Se assumisse seu lugar de nulidade da cultura, ficasse lá entre chás, conversa mole, pompa e circunstância, até que não ofenderia”. 
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