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A peste – VII

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Vicente Serejo
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Um dia, faz muito tempo, vi a tragédia, eu que  não a conhecia tão de perto. Numa enchente de um inverno medonho fui pautado por Sanderson Negreiros para retratar, numa matéria de página inteira, em O Poti, a força da cheia que destruía com furor todo o baixo Vale do Açu. O rio cobria a ponte, inundava o carnaubal, destruía os roçados e engolia tudo como um bicho indomável. O castigo de um dilúvio sobre todas as coisas do mundo.
E aquele pequeno mundo não era feito das riquezas da soberba ou do luxo, mas da própria vida. De repente, numa pequena canoa, na companhia do fotógrafo Paulo Saulo, a correnteza nos arremessava pela força de águas revoltas. Nada era possível fazer, a não ser seguir o curso do rio que nos levava para algum lugar, até que o remanso acalmasse o turbilhão que subia ribanceiras. Finalmente paramos num lugar distante que não sei dizer.
Recupero vagamente a sensação das velhas imagens que ficaram nas retinas de um jovem repórter a quem a juventude ainda não dera a noção do trágico.  Era um espetáculo dantesco, como no poema de Castro Alves. Passavam bichos vivos e mortos na corrente do rio desdobrado em levas – árvores inteiras, arrancadas dos sítios e fazendas, destruindo a geografia de afeições antigas daquela gente olhando a morte de um tempo imenso de vida.
As coisas perdem na memória as dimensões do ontem e do hoje. É como se tudo se misturasse envolvido na mesma magia. Não há como separar o que forma a visão trágica que vai ficando pregada nas paredes da alma. Agora, e como aquele rio impiedoso que na sua fúria indomável não escolhia as suas vítimas, hoje vejo a vida posta nas garras de um inimigo que desta vez é invisível e mortal, devorando a vida dos ricos e pobres do mundo. 
É o trágico que se ergue diante dos olhos. Um monstro que invade e devora a vida como se, de repente, tudo ficasse menor diante da soberba humana. Mais mortal do que todos os exércitos do mundo, mais perigoso do que a prepotência de todos os poderosos da terra. É a terrível guerra dos vencidos que veio para mostrar aos homens a transcendência que há de fazer parte não do medo, sempre tão humano, mas da coragem quando é inútil.
Mergulhado no silêncio da madrugada, e prisioneiro do medo, eis a fragilidade em sua humana plenitude. O medo que os homens escondem tanto, convencidos de que jamais serão miseravelmente expostos à grande dúvida, esquecidos de uma herança ancestral que trouxeram da caverna. Resta, a fugir por entre esses livros e papéis, o sopro suave de um triste saxofone a bordar os acordes de uma velha canção de amor na grande noite de Deus. 
PALCO
COVID – Graco Viana, professor-doutor na área de biologia, prestou um serviço quando divulgou artigo técnico assinado por algumas das maiores universidade da Europa e EUA.

LUTA – O artigo foi publicado na revista Science e assinado pelas universidades Oxford, Harvard, Boston, S. Francisco, Washington, Instituto Pasteur (França) e Univ. da China.

CONCLUSÃO – “As medidas drásticas de controle implementadas na China mitigaram substancialmente a expansão do Covid-19”. Ser contra quarentena, nesta hora, é erro grave.

ALIÁS – Só há algo mais grave: divulgar o fim da quarentena horizontal antes da epidemia atingir o seu ponto máximo previsto pela Organização Mundial de Saúde até 21 de abril. 
SAÍDA – Se até lá a curva apresentar-se em queda, como previsto, só então o Ministério da Saúde poderá suspender o confinamento horizontal para manter vertical (dos vulneráveis).

ASSIM – Os confinamentos horizontal e vertical abrangem todas as idades para evitar não a morte, mas a disseminação sem controle. O vertical preserva grupos de risco e os idosos. 

MAS – Sabe-se, claro: o rigor atinge a economia ao longo de trinta dias, o que desagrada ao ministro Paulo Guedes sempre muito preocupado com a saúde financeira dos bancos.

SANTO – De Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, já depois do terceiro uísque, lembrando Richard Holloway: “A piedade no monstro é fraqueza, mas no santo é a arma”.

CAMARIM
TESTE – O Coronavírus acabou, neste Brasil, sendo um verdadeiro corpo de prova para testar o destemor de suas autoridades e instituições públicas e privadas.  O ministro Paulo Guedes demonstrou que só acredita no Deus do Mercado e no grão-poder dos banqueiros.

RISCO – Como disseram os economistas Armindo Fraga e Delfin Neto, defensores da luta contra o aprofundamento das desigualdades sociais, os mercados movidos pelas bolsas são atividades de risco. Como optar pelo risco rentista e exigir do governo a vida de milhares?

GENIAL – A Nino, o filósofo melancólico do Beco da Lama, só a inteligência comove. É por isso que lambeu os beiços de inveja da frase que um amigo lhe remeteu via celular e de quem prefere preservar o nome: “É difícil fechar as cancelas para os meliantes do erário”.

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