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A procura de um romance

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Maria Betânia Monteiro – repórter

Ao entrar no apartamento, o amigo Geraldo Batista anuncia: “Nei, é uma mulher fazendo cobranças”. Provavelmente do quarto, o escritor responde: “Não recebo mulheres, e dá uma risada”. Aproxima-se, apresenta-se e oferece: “quer uma cachaça?”. Outra risada. Sentado, Nei Leandro de Castro aguarda as perguntas. Elas chegam, inicialmente motivadas pelo lançamento de seu novo livro, “A Rua da Estrela” — amanhã, na Siciliano do Midway, às 18h30. Depois, pela curiosidade.

Nei Leandro de Castro reúne em “A Rua da Estrela” 70 crônicas das mais de 300 que publicou nesta TN,  e diz que falta inspiração para fazer o que mais gosta: escrever romancesNei é autor de quatro romances muito bem avaliados pelos críticos literários, sendo que um deles, as “Pelejas de Ojuara”, ganhou as telas de cinema. Além disso, foi redator os em agências de publicidade no Rio de Janeiro, responsáveis por encontros especiais, como o acontecido com o poeta Carlos Drummond de Andrade. As setenta crônicas reunidas no livro “Rua da Estrela” foram escolhidas entre quase quatrocentas publicadas nesta TRIBUNA DO NORTE, ao longo de cinco anos.

Seu texto revela em maior ou menor intensidade, os vincos da personalidade do autor, compondo quase uma biografia. Intercalando curiosidades e fatos tratados no livro, a conversa com Nei Leandro Castro (na manhã de ontem) de foi se desenrolando.

Você está morando no Rio. Algum motivo especial?

Nei: Eu sou uma pessoa dividida entre Natal e Rio de Janeiro. Gosto das duas cidades imensamente, mas algumas coisas me atraem mais no Rio. A agitação, sem ser a do Complexo do Alemão, mas a agitação literária. Lá tem muitas opções de acontecimentos literários, lá é praticamente diário, o que é muito importante. Senti muita falta disso em Natal. E o clima da cidade, a magia que tem o Rio, que verdadeiramente me atrai.

O livro traz temas bem variados: política, amizade, memórias. Como foi feita a seleção das crônicas?

Eu escrevo há mais de cinco anos para a Tribuna, todas as sextas-feiras. Havia então cerca de 370 crônicas. Eu não teria paciência para fazer a seleção, então convidei um sobrinho meu, Marcello de Castro e ele fez um trabalho maravilhoso e também exaustivo, o de separar 70 crônicas das que eu havia escrito.

As crônicas sempre revelam um pouco de Nei. É intencional?

Não faço isso com intenção, mas geralmente quando falo de minha infância e adolescência, vem o personagem. E eu até gosto deste personagem simpatizo, o Nei Leandro de Castro.

E o Nei, que aparece triste na crônica “A Presença da Poesia”, é real?

Eu não sou uma pessoa triste, mas talvez, quando eu escrevi aquilo, com certeza eu tenha tido alguma tristeza. Eu não sou. Escrevi, coloquei, desabafei e fiquei bom. Apesar de ser escrito em prosa, o texto é um poema.

Você acredita que a poesia cura?

A poesia é capaz de tudo. Consegue conquistar uma mulher acessível, bela como você, até curar os surtos de tristeza. A poesia não dá dinheiro a ninguém. Não dá camisa, quando muito, camisa de força, mas ela serve muito bem à humanidade.

Numa crônica você revela seu amor à poesia. Em outra, o ódio da arrogância. A arrogância lhe incomoda tanto assim?

Eu não vou citar nomes, mas há certos intelectuais da província, que têm uma arrogância do tamanho do Machadão, ou talvez maior um pouco. Eu tenho horror a pessoas vaidosas e arrogantes. A única pessoa arrogante, que eu suporto é Geraldo Batista de Araújo (risadas). Conheço pessoas maravilhosas como Pedro Nava, o maior memorialista que o Brasil já teve. Tive a felicidade de conhecer Carlos Drummond de Andrade. Duas pessoas de muita simplicidade, e olhe que era um grande poeta e um grande escritor que estavam ali.

Se você odeia a arrogância do homem. O que você admira?

Eu gosto muito da bondade humana, da generosidade das pessoas. Detesto o avarento, o mão de vaca. Acho que é uma das doenças mais cruéis. A avareza é uma doença mental. O avarento acha que tem gavetas no caixão de defunto e a mortalha tem bolsos. Não tem. O avarento morre cheio de dinheiro e morre sem prazer a vida inteira. Isso é uma doença grave.

O que lhe dá motivação para escrever?

Eu vou em busca deste tema. Às vezes eu só escrevo uma vez por semana, mas às vezes tenho dificuldade de encontrar o motivo. Quando eu tenho dificuldade, recorro à infância, aos velhos tempos, à Rua da Estrela, aos banhos no Rio Potengi, às pessoas, aos amigos em volta, aos jogos de futebol, às peladas, isso tudo está muito presente em mim.

Algumas dessas incursões lhe conduzem ao passado político, não é?

Às vezes realmente, encontro a resposta no meu passado político. Em 1964 eu fui preso, eu era de esquerda. A minha rebeldia fez com que eu nuca fosse filiado ao partido comunista. O comunismo, depois, todo mundo ficou sabendo, que é uma grande farsa. Ele vai passar para o rodapé da história. Durou apenas 74 anos e esse comunismo só fez uma coisa a meu ver: matou muita gente. Gente que quis ser comunista, que quis enfrentar o golpe militar. Quis realizar o sonho absurdo da revolução socialista no Brasil. Jamais conseguiria. Mas eu conheço figuras maravilhosas, como Luiz Maranhão Filho, que morreu por ser comunista. Emmanuel Bezerra morto por ser comunista. E muitos outros. Jamais fui ou serei de direita, mas o comunismo para mim morreu.

O fato do livro, “As Pelejas de Ojuara” ter virado um filme, interferiu na escrita de novos textos?

De jeito nenhum. Eu só lamento o seguinte: já faz algum tempo, que eu não escrevo romance. Eu gosto muito de ficção, eu gosto muito de escrever romance. Escrevi apenas quatro livros, eu gostaria de escrever mais. Eu faço caminhadas e fico pensando: o que é que eu vou escrever? Qual o tema que me levará a um novo livro de ficção? E não tem surgido esse tema, embora eu esteja à procura. Está faltando inspiração.

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