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A queda do passarinho de pernas tortas

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Valério de Andrade – Crítico de Viver

Garrincha foi um passarinho no meio da selva comercial dos clubes que ficou a mercê dos cartolas do futebol. Mas, também, é o responsável pela sua própria autodestruição profissional e pessoal. O alcoolismo foi o responsável por essa dupla perdição. A cinebiografia do jogador gerou a mesma reação negativa junto à crítica cinematográfica carioca e paulista do filme (“Lara”) sobre Odete Lara.

Entende-se que a platéia esportiva sinta-se frustrada por não encontrar um documentário sobre os jogos que fizeram a glória de Garrincha. Acontece, porém, que o filme dirigido por Milton Alencar Jr. não é uma coletânea das cenas filmadas pelos antigos cinejornais. Narra a história do jogador fora do campo, e, por ser assim, o que vemos é uma recriação fílmica na qual os personagens reais são vividos por artistas. É exatamente isso que ocorre com o filme de Ana Maria Magalhães, e já não acontece, por exemplo, com o documentário de “Vinícius” ou a evocação coletiva dos jornalistas que fizeram “O Sol”.

Além das diferenças estéticas e temáticas dos documentários feitos em cima de material fotográfico de arquivo, “Garrincha”, mesmo humanizado o biografado, não transformou a sua vida em filme colorido à moda hollywoodiana de uma história vivida cotidianamente em preto e branco. A optar pela matéria prima do livro de Ruy Castro (“Garrincha, Estrela Solitária”), já de antemão Milton Alencar não poderia ter feito um filme diferente do que fez.

A visão épica de Garrincha limita-se a sua genialidade dentro do campo, e, naturalmente, é esse enfoque que os fãs esperavam ver no filme. Mas, esse não era centro nem o objetivo central da cinebiografia do livro de Ruy Castro e do filme de Milton Alencar. O que vemos não é a glamurização e a edificação de um mito, mas a vitimização e autodemolição de uma figura lendária. Aquele ídolo mitificado por Sandro Moreya e a crônica esportiva carioca, não existiu – o verdadeiro Garrincha é o que está na tela.

Se, por um lado, Garrincha, que assinava contratos em branco, até por não saber ler, foi explorado pelos cartolas do Botafogo, por outro, cavou a sepultura pessoal e profissional ao se entregar de corpo e alma à bebedeira diária. É particularmente chocante vê-lo robotizado e topado pelos remédios, desfilando na Escola de Samba da Mangueira, sendo humilhado e ridicularizado publicamente. Mostrá-lo como um pai de família exemplar e um marido fiel, seria agredir uma realidade que é de domínio público. Sua servidão amorosa a Elza Soares também está, talvez de forma atenuada, retratada na figura arrogante e dominadora da cantora, na fiel caracterização física de Taís Araújo.

Talvez por não estar incluindo na elite dos diretores da crítica carioca, Milton Alencar teve o seu filme esnobado e injustiçado. O fato, porém, é que o que vemos na tela não é aquilo que foi escrito nas resenhas críticas – pois, aquilo que lhe foi exigido por esses críticos pertenceria a um outro filme e não ao que foi feito por Milton Alencar.

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