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A resistência da Brasília litorânea

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Isaac Lira – repórter

Enquanto Oscar Niemayer construía a sua Brasília,  uma outra Brasília nascia no litoral potiguar. Ao invés de concreto armado e belas formas, barracos de tábua sobre a areia de duna. Se a futura capital do Brasil contava com vistosos investimentos do Governo Federal, a prima pobre, em meio ao bairro de Santos Reis, era enxotada a cada semana pela polícia. Mas os barracos de tábua resistiram. Da mesma forma como resistiu à polícia ainda na década de 60, a comunidade de Brasília Teimosa hoje resiste a um processo não menos violento: o poder de compra do mercado imobiliário, de olho em uma das áreas mais nobres da cidade.

O bairro, entre a ponte e o mar, cresceu em meio a adversidadesOs vizinhos são ilustres. De um lado, o Oceano Atlântico. Do outro, a Ponte Newton Navarro, um dos mais caros projetos de infra-estrutura do Estado. Apenas esses dois elementos são suficientes para dar a Brasília Teimosa o status de local cobiçado para construtoras e imobiliárias. O processo natural seria o seguinte: a população de baixa renda não teria condição de resistir ao poder de compra do mercado; dessa forma, a iniciativa privada poderia facilmente comprar as casas e lotes, num processo que empurraria os moradores originais para bairros mais afastados do centro, onde os lotes são mais baratos.

Como é visível para qualquer pessoa que transite pelas proximidades de Brasília Teimosa, em algum ponto da história esse processo, espontâneo, foi brecado. A história nunca é resultado da ação de um só fator, ou da luta de uma só pessoa. Se atualmente a proteção à comunidade é lei, a sua preservação é na verdade o resultado da persistência de seus habitantes. Desde 2007, quando foi o instituído o mais recente Plano Diretor, Brasília Teimosa é uma Área Especial de Interesse Social (AEIS). As construções naquela área, como também a junção e desmembramento dos lotes, são limitados. Trata-se de uma forma de “proteger” a comunidade, impedir a saída das pessoas.

Contudo, a resistência remonta à década de 60, quando os moradores chegaram a apanhar da polícia para continuar no local. Os primeiros moradores eram posseiros. A partir de um acordo verbal com o comandante da Marinha, instituição responsável pela área, os moradores originais, vindos de várias cidades do interior do Estado, foram se estabelecendo. A cada semana a população era retirada do local. Em poucos dias, voltavam. “As pessoas persistiam, por isso ficou o nome Brasília Teimosa. Alguns anos depois, começamos a nos organizar”, explica Maria  Natividade Bezerra, uma das fundadoras do bairro.

Com nove filhos e 28 netos criados nas ruas de Brasília Teimosa, Maria Natividade é uma das maiores conhecedoras da história do bairro. Além de resistir às constantes tentativas de remoção, os moradores construíram sozinhos, a partir de doações e trabalho em mutirão, o centro social, onde hoje funcionam atividades sociais. Desde então, a comunidade passou a se organizar. Na década de 80, conseguiram a pavimentação das ruas, através do Governo do Estado. Ao longo do tempo, as casas de tábua foram substituídas por casas de tijolos, embora algumas ainda mantenham as mesmas características: estreitas e com poucos cômodos.

Em 2007, Brasília Teimosa conseguiu ser incluída no Plano Diretor como AEIS, o que demandou pressão política constante na Câmara Municipal durante a votação, com a ajuda do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN. No mesmo ano, o conflito com a Petrobras para a saída de tanques de armazenagem da Petrobras do bairro. As duas experiências são consideradas importantes pela comunidade. “Antes, surgiam boatos de que iriam nos tirar daqui, mas desde essa época nunca mais se ouviu nada”, diz Maria Natividade.

Área ainda não é regulamentada

Para representantes da comunidade, o último passo para dar segurança aos moradores de Brasília Teimosa é a regulamentação como Área de Interesse Social. Desde 2007, quando o atual Plano Diretor entrou em vigor, as AEIS de Natal esperam por regulamentação. Apenas Mãe Luíza e a Vila de Ponta Negra, outra comunidade que data da década de 60 do século passado, conseguiu a regulamentação.

De acordo com Luiz Antonio Miranda, representante do Centro Social de Brasília Teimosa, a maior reivindicação da comunidade atualmente é conseguir a regulamentação, que depende de votação na Câmara dos Vereadores. “Somente quando formos regulamentados, a exemplo de Mãe Luiza, teremos a segurança de que não seremos expulsos pela especulação imobiliária. Regulamentando, ficará disciplinado o desmembramento e a junção dos lotes, impedindo que se compre várias casas e junte tudo num lote só”, explica Luiz Antonio.

O Plano Diretor de 2007 estabelece que as áreas especiais, como zonas de proteção ambiental e áreas de interesse social, ficam praticamente impedidas de sofrer alterações urbanísticas até a regulamentação. No caso das AEIS, o gabarito máximo (maior altura permitida para as construções) fica restrito a sete metros e meia, o que significa dois pavimentos. Ao mesmo tempo, a junção ou o desmembramento de lotes fica proibido a priori. Quando houver a regulamentação, essas regras poderão ser modificadas, a depender dos estudos realizados no local.

Em outras palavras, os possíveis investimentos, com exceção das áreas verdes e de interesse públicos, permitidas pelo Plano Diretor, ficam travados sem a regulamentação. O projeto que um dia irá regularizar Brasília Teimosa terá de estabelecer planos de arborização e melhorias urbanísticas. É o que a população espera. “Esse projeto poderá abrir caminho para o desenvolvimento do bairro. É certo que conseguimos nos manter numa área nobre, que várias melhorias foram conseguidas, como escolas e postos de saúde. Mas ainda há carências”, relata.

Segundo os dados mais recentes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Brasília Teimosa tem cerca de mil habitantes. Em termos de infraestrutura, há duas escolas públicas, uma municipal, de Ensino Fundamental, e outra estadual, de Ensino Médio. O posto de saúde do bairro foi substituído por uma das AME´s, projeto de ambulatório da Prefeitura. Segundo moradores, a situação melhorou depois da AME. No mais, Brasília Teimosa é um bairro com um pequeno comércio, formado de farmácias, padarias e pequenos negócios. A principal fonte de renda dos moradores é o trabalho informal na praia, que aos poucos substituiu a comunidade de pescadores do início da década de 60.

Outra fonte de renda é o tráfico de drogas. A exemplo de outras periferias, o tráfico é praticamente livre. Todos sabem quem vende e quem compra. “Só conheço três ruas onde não se vende droga por aqui”, relata um morador, que preferiu não se identificar. 

bate-papo – Cristina Morais» professora da UFRN

A instituição da AEIS visa proteger a população da especulação imobiliária? Caso não houvesse esse tipo de proteção, a comunidade teria sido “expulsa” de lá em direção às margens da cidade?

Quanto ao primeiro item da questão um dos objetivos da criação de AEIS é proteger a população da especulação imobiliária, combatendo assim o processo de “expulsão”. É evidente que um dos principais conflitos /problemas enfrentados pelos moradores com conseqüências para a permanência no local é o processo de especulação imobiliária. Importante destacar que Brasília Teimosa localiza-se em uma área com expressivo interesse turístico o que vem atraindo os empresários para exploração da área com propostas de grandes empreendimentos e infraestrutura..

Qual o ganho para a população de Brasília Teimosa em permanecer naquela área?

Quanto à permanência da população de Brasília Teimosa na área a importância é imensurável. Da área, relações sócio-culturais desenvolvidas pela população, relação moradia-trabalho-acesso a serviços comunitários, entre outros. É histórico que as políticas e programas governamentais na cidade de Natal de remoção de população, em geral, primam por escolha de áreas na periferia da cidade e com ausência ou precárias condições de habitabilidade.

Não ser mais chamada de “favela” representa uma evolução em que sentido? 

Brasília Teimosa não é mais classificada como favela. Fruto do processo de luta da população organizada reivindicando melhoria nas condições de moradia. Carência ainda existe, e muitas, mas é inegável o processo de mudanças ocorrido em Brasília Teimosa. Teimosia houve da população para se conquistar cidadania e espero que continue haver para garantir a permanência no local.

Bairro tem potencial  para investimentos

Os potenciais econômicos da área onde hoje está instalada a comunidade de Brasília Teimosa não passam despercebidos aos olhos dos possíveis investidores. A proximidade da ponte e da praia são os principais atributos do local. Para Waldemar Bezerra, presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis, seção RN, caso fosse possível, aquela área seria naturalmente fonte de atração de investimentos. Empresários com interesse em explorar economicamente o local provavelmente estariam tentados em adquirir lotes por ali.

De acordo com Waldemar, o foco seria o turismo. Em termos residenciais, os terrenos de Brasília Teimosa não seriam tão atrativos, tendo em vista as limitações de se construir (sete metros e  meio). Mas o fato de ser de frente para o mar é um diferencial. Outro ponto importante é estar inserida no corredor turístico da cidade, integrando-se à Praia do Meio e Praia dos Artistas e no meio do caminho entre Ponta Negra e a Via Costeira e o Litoral Norte. “Com certeza, o mercado imobiliário transformaria aquela região em uma área nobre da cidade”, diz Waldemar.

Contudo, o presidente do Creci classifica a especulação em utopia. “Não acredito que um dia veremos isso, aquela região se desenvolvendo de verdade em uma área lucrativa, produtiva economicamente. Isso nunca vai acontecer”, projeta. E complementa: “Toda a orla de Natal é valorizada. Mas para falarmos em uma transformação comercial daquela área somente com a remoção de Brasília Teimosa, o que é algo muito delicado de se tratar”. Waldemar Bezerra acrescenta que a única possibilidade real de melhoria para a área é o investimento público em moradia para as famílias já instaladas.

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