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A revolução árabe vista do RN

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Débora Ramos – repórter

A onda de protestos populares que vêm se espalhando rapidamente pelo mundo árabe desde o início do ano torna evidente o fracasso dos regimes ditatoriais instalados nos países do Norte da África e Oriente Médio. Os conflitos vivenciados em países como Tunísia, Egito e, atualmente, Líbia, são reflexos nítidos da insatisfação por parte da população – que sofre com o abandono de seus governantes – e representam o início do redesenho do mapa geopolítico mundial. Iniciada com a queda Zine el Abidine Ben Ali, que presidiu a Tunísia por mais de 20 anos, a derrocada dos líderes de países árabes atingiu também o líder do Egito, Hosni Mubarak, que controlava o país há quase 30 anos, e agora se encaminha para a Líbia, onde o coronel Muamar Kadafi governa com mãos de ferro há quatro décadas. Embora distintos, estes governos carregam consigo pelo menos um ponto em comum: a preocupação com a economia e a omissão no que diz respeito a elaboração de políticas sociais.

Outra semelhança entre os três ditadores é a forma com a qual chegaram ao poder. Todos eles se tornaram líderes por meio de golpes militares ocorridos entre as décadas de 60 e 80, encabeçando o que na época também se chamou de revolução. Ao longo de seus governos, enriqueceram ilicitamente e, com o fim da Guerra Fria, resolveram adotar modelos econômicos liberais, segundo explica o professor do Departamento de História da UFRN, Haroldo Loguercio Carvalho.

Loguércio lembra que não é só o mundo árabe que está comprometido, mas também os Estados Unidos, Europa, e todos aqueles da vertente pró-mercado“Essas ditaduras têm na exploração do petróleo uma das principais atividades econômicas. Foi com a exportação desse produto que os seus líderes e aliados enriqueceram. O povo, por outro lado, foi esquecido. Não havia investimento em políticas sociais nem perspectiva para a população. A exploração do combustível não trouxe desenvolvimento e a solução encontrada pelo povo para mudar este quadro foi renegar os ditadores”, disse.

Segundo ele, foram a falta de oportunidades e a forte repressão praticada pelos ditadores que levaram a população às ruas em busca de reformas políticas e econômicas, afrouxamento das relações entre governo e sociedade e maior liberdade em geral. “Pelo que podemos acompanhar pelos noticiários a situação por lá é claramente desesperadora, basta lembrar do caso do rapaz tunisiano que ateou fogo ao próprio corpo”, disse Haroldo, se referindo a Mohamed Bouazizi, que tentou se matar após sofrer repressão de policiais quando tentava trabalhar como vendedor. Mais tarde, o jovem se tornaria símbolo dos protestos naquele país.

De acordo com o professor, toda essa insatisfação popular é resultado da crise vivida não só pelo mundo árabe, mas também pelos países do ocidente. Estas crises econômicas, observa, são algo que se manifesta mundialmente, entretanto, são sentidas com mais intensidade por países que adotaram o modelo de desregulamentação da economia, as chamadas reformas liberais. “Não é só o mundo árabe que está comprometido, mas também os Estados Unidos, Europa, e todos aqueles seguiram a vertente pró-mercado e o resultado da queda deste modelo é o mesmo em todos os locais: desemprego, pobreza e etc”.

Diante da atual conjuntura, ele afirma que a América Latina é um dos pontos mais estáveis no mundo e atribui grande parte deste mérito ao Brasil. “Por incrível que pareça os países da América Latina estão entre os que apresentam maior equilíbrio econômico atualmente e o Brasil é um ícone dessa realidade. Esse bom momento está diretamente ligado ao fato de por aqui haver um Estado de direitos, seguro, que atrai investimentos e no qual a população em geral respeitas as leis”, conta.

As manifestações vividas pelos países do Norte da África acabaram por ganhar a simpatia do resto do mundo. A internet foi um ferramenta importante neste processo, mas não fundamental, confirma o professor. “A rede de computadores facilitou muito a mobilização da população. Tanto foi assim que Mubarak tentou tirar a rede do ar no Egito, sem sucesso. Esse fato isolado serviu para nos mostrar que, mesmo com toda a opressão e todo o poder dos governos autoritários, eles não tiveram ferramentas de repressão suficientes para calar o povo”.

Segundo o professor, o desenrolar dos protestos no mundo árabe deve ser acompanhado de perto pelo mundo ocidental,  já que pode influenciar aspectos que vão desde o posicionamento adotado pelos Estados Unidos no tratamento aos países da região, até uma possível debandada de árabes para a Europa após o término dos conflitos. Os desdobramentos também devem acarretar conseqüências sérias a Israel, que desde a queda de Mubarak perdeu um grande aliado no conflito histórico contra os palestinos.

“A situação da Palestina e de Israel também será afetada pela revolução no mundo árabe. Isso porque a estabilidade de Israel não está em situação confortável neste momento. O estado perdeu o apoio do Egito, país pelo qual era largamente amparado. Essa perda certamente enfraquece o estado judaico”, disse ele.

Mudança no mundo árabe debilita poder dos israelenses

A tese de que os israelitas serão debilitados com a queda de governantes nos países árabes também é compartilhada pelo ex-secretário da Confederação da Palestina na América Latina e Caribe, Hanna Safieh. Segundo ele, o simples fato de o mundo árabe se mostrar mais autêntico e buscar a liberdade já pode acarretar a diminuição da influência que Israel exerce na região, contudo, o resultado desta perda de prestígio não pode ser especificado no momento.

“Quando os governos árabes ficarem menos favoráveis a Israel, o estado judaico terá que recomeçar a fazer seus cálculos. Sem dúvidas as relações vão sofrer mudanças, mas a questão é que ainda desconhecemos o volume e a intensidade destas alterações”, disse, cético quanto a um desfecho imediato que pusesse fim aos confrontos entre palestinos e judeus.

Na avaliação de Safieh o problema só será senado quando os Estados Unidos passarem a adotar uma postura “menos parcial e mais justa”.”Os EUA perderam muito terreno no mundo árabe. O fato de  eles apoiarem irrevogavelmente as atitudes de Israel fez com que eles perdesse completamente a razão frente a opinião pública árabe. Para o país recuperar a credibilidade deve mudar de postura, ser mais justo e desempenhar verdadeiramente o papel de mediador. Assim, quem sabe, um dia a paz possa ser consolidada;”

De acordo com o professor do da UFRN Haroldo Carvalho, situação as revoltas no mundo árabe devem servir de alerta para o mundo como um todo, já que expõem a fragilidade dos governos autoritaristas e da ausência de políticas sociais. Segundo ele, ainda é cedo para conclusões, mas é correto afirmar que as mudanças afetarão diretamente a questão da estrutura de poder no mundo. “O processo ainda deve se estender por uns cinco ou dez anos até que possamos analisar o desenho preciso desse novo mapa geopolítico”. 

Para Haroldo, contudo, o que deve preocupar o mundo agora são as frentes que vão surgir para tomar o lugar dos ditadores depostos, uma vez que, em razão da característica repressão de seus governos, poucos movimentos oposicionistas conseguiram se organizar. Precaução é a palavra de ordem, principalmente para não seguir os mesmos caminhos que culminaram no descontentamento do povo.

“Esse é o momento de ter cautela, pois, uma vez afastados os ditadores, aquele que assumir tem de estar preparado para estabilizar a situação, não pode apenas ficar a mercê do ocidente, tem de ter um projeto econômico mas também cuidar do social, para que revoluções desse tipo não voltem a estourar”.

bate-papo: Salah Mohamed » Professor da UERN

Revolta na Líbia tem muita coisa da Tunísia

A revolta contra o coronel Muamar Kadafi, na Líbia, não é apenas dos jovens que, no final da tarde, saem às ruas das principais cidades do país gritando palavras de ordem contra o ditador. Dois ou três dias após o início dos protestos, parte do Exército e mesmo alguns dos chefes das forças de segurança líbias, líderes tribais e antigos aliados do coronel juntaram-se aos jovens. São esses grupos que permitiram a “libertação” de cidades no Leste do país, ameaçam a capital Tripoli e infundem medo no coronel Kadafi.

Essa é a análise do professor da UERN,  Salah Mohamed, líbio residente no Brasil há 28 anos, mas que ainda tem toda a família (mãe, irmãos, tios, primos e sobrinhos) na Líbia. Desde o início dos protestos, ele vem monitorando os sites de jornais e das TVs árabes, principalmente a emissora Al Jazeera, e trocando mensagens com primos e outros membros da família via internet. Em setembro passado, ele passou as férias com a família e, na ocasião, nada poderia indicar a revolta árabe que engolfou o Norte da África e, muito menos, que algo parecido pudesse ocorrer no país dele.

Como estão seus familiares? Eles têm sido afetados pelos conflitos da revolta líbia?

“Estão todos bem. A maior parte da família mora em Sabha, uma cidade no sul do país. Lá ainda não se registrou confrontos. É a região das tribos mais próximas ao coronel Kadafi, onde o governo tem maior controle. Um primo, que mora em Trípoli, é quem tem relatado os confrontos. Na semana passada, inclusive, enquanto conversava com ele pude ouvir o barulho de aviões e bombas…”

Então, o governo mandou mesmo bombardear os manifestantes?

“Kadafi nunca teve dúvidas em usar a força contra civis e opositores ao governo. Nos primeiros anos, na década de 70 e 80, ele arrasou aldeias inteiras por vingança. Era comum familiares de opositores e críticos do governo serem mortos. Tudo isso de público, mostrado na tv. As noticias de Tripoli é que grupos de jovens que protestavam foram metralhados por helicópteros militares. Há também vítimas nas estradas que saem da capital, gente que tentava fugir do conflito nas ruas.”

A revolta tem chances de vitória na Líbia, como ocorreu na Tunisia e no Egito?

“Deus queira que sim. A revolta lá tem muita coisa do que ocorreu na Tunísia e no Egito, mas também tem algumas coisas diferentes. Por exemplo: não há grandes concentrações de manifestantes em um determinado lugar, tipo a praça Tahir. Os protestos começam sempre a tarde, com vários grupos menores percorrendo as ruas. Isso para dificultar a repressão. Uma grande concentração seria um grande alvo para os aviões e as metralhadoras de Kadafi. Outro sinal, para quem conhece o estilo do coronel Kadafi percebe, pelas aparições na TV, que ele está bem mais assustado que Mubarak estava e já nos primeiros dias dos protestos. Há indícios de que antigos aliados do governo desertaram e levaram com eles parte das forças de segurança. Kadafi tinha opositores velados entre os próprios filhos. Certamente conta, agora, com um grupo pequeno para o proteger. É bem significativo o fato dele não se sentir mais seguro na capital”.

Alguns analistas dizem que a Líbia pode virar uma outra Somália, dilacerada por uma guerra civil entre clãs e tribos.

“Pouco provável, quase impossível. depois das ameaças do Kadafi aumentou mais o sentimento nacional. O problema maior é que a Líbia não tinha uma vida política real, sequer uma versão de fachada com partidos legais pró e contra o governo. O líbio comum ou estava com Kadafi ou vivia calado. Kadafi vai cair, se Deus quiser, mas o grande desafio já não é mais derrubá-lo. É manter a pressão popular para evitar que o modelo de governo que vai substitui-lo não repita o sistema que tínhamos com Kadafi.”

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