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A saga de Luiz e Odete Maranhão

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Ticiano Duarte – jornalista 

A Comissão de Anistia passou por aqui e entre outras decisões importantes em favor dos perseguidos pelo regime militar, resgatou a memória de Luiz Maranhão Filho, torturado e morto pelos agentes da ditadura.

A última vez que o vi, num encontro casual, nos idos de 1969, saindo de um cinema em Botafogo, no Rio, nas imediações do apartamento onde morava Danilo Bessa, ele continuava com o riso aberto, braços longos, a mesma alegria de todos os tempos. Tinha sido absolvido no processo que se tentara enquadra-lo na Lei de Segurança Nacional, como subversivo:

– Veja as contradições desse governo e dessa justiça militar. Eu, que sou realmente comunista, fui inocentado. E Djalma, meu irmão, condenando a mais de 30 anos de reclusão, de forma injusta. Você sabe que ele não tem nenhuma ligação com o PCB, nem com os grupos dissidentes que estão por aí na aventura da luta armada.

Fui amigo pessoal de Luiz e companheiro de redação, no Diário de Natal. Ele jamais tentou me fazer proselitismo. Tinha postura, conduta exemplar, na convivência com os que concordavam ou discordavam das suas idéias. Paulo Cavalcanti, escritor pernambucano e também militante do Partido Comunista, nas suas memórias, “O caso eu conto como o caso foi – no tempo de Prestes”, falando sobre Luiz destacou como, “um dos melhores homens que conheci na vida por sua clarividente consciência política, por seu bom humor, por sua firmeza revolucionária”.

O ex-deputado pernambucano, comentando sobre as dificuldades encontradas pelos militantes do partido com relação à convivência familiar, diz que conheceu inúmeros casais que não se entendiam, não por divergência ideológica, mas por conta das suas vidas atribuladas, como militante, distanciados da mulher e dos filhos, do aconchego familiar, tão importante para o equilíbrio do casamento e formação educacional dos seus descendentes. E elegeu muitos companheiros e companheiras que deram exemplos de renúncia em favor da causa revolucionária.

No seu livro, Paulo evoca o casal mais completo que teve alegria de conhecer nas lides partidárias, Luiz e Odete Maranhão. Esta, ele chama de “Viúva do talvez ou de quem sabe”, do inesquecível Luiz, “intelectual, professor, ex-deputado, dirigente partidário, jornalista – tantas vezes torturado fisicamente pelo crime de ser comunista, antes, durante e depois do golpe militar de 1964”.

Odete lutou anos e anos para encontrar o esposo seqüestrado, misteriosamente preso e desaparecido, batendo em todas as portas, escrevendo para generais, comandantes, parlamentares e para o próprio Presidente da República. O deputado Tales Ramalho, então líder do MDB na Câmara dos Deputados, em sessão do dia 14 de março de 1974, leu da tribuna daquela Casa, uma carta de Odete Roselli Maranhão, na qual ela comunica a prisão do marido, em São Paulo, “onde está sendo barbaramente torturado pelo notório delegado Fleury”. Pedia que os parlamentares ajudassem no sentido de que “meu marido seja poupado à tortura e que receba tratamento médico, já que são precaríssimas as suas condições de saúde”.

Tales, no seu discurso, enfatizou os seus laços afetivos com Luiz Maranhão: “conheço-o desde menino, criamo-nos juntos, na mesma cidade, na mesma rua, freqüentávamos os mesmos colégios e os mesmos lugares da nossa pequena cidade. E fala sobre o caráter, a dignidade de Luiz, da sua coerência, da sua fidelidade à causa que abraçou com devotamento: “Esse delegado é um facínora, identificado pela justiça de São Paulo, como chefe do famoso esquadrão da morte”. E adianta: “é com sentimento de vergonha que transmito a esta Casa este impressionante documento, para o conhecimento de todos. Vergonha que em meu País, uma carta dessa possa ser escrita”.

O Estado brasileiro, pelo governo atual, pediu desculpas ao morto Luiz Maranhão, trucidado nas salas escuras do DOI-CODI, em São Paulo. Sua memória foi resgatada na cidade em que ele foi menino, líder estudantil, professor do Atheneu, desportista, campeão de natação, jornalista, preso político, na clandestinidade da luta que escolheu para o seu destino revolucionário.

Nos salões da nossa Assembléia Legislativa seu nome foi evocado, lembrando a sua passagem pela vida pública do seu Estado e do seu País. A saga do casal que sonhara com um mundo mais justo, na rememoração feliz de Paulo Cavalcanti. O reencontro que não acontecera, tão esperado – “o passo amigo aproximando-se da soleira da porta, o assobio característico da saudação amorosa anunciando-se, a gargalhada franca e aberta ouvida a distância – na quase desesperada viagem de regresso ao lar.

Não importa que o caminho de volta só exista na geografia das ilusões”.

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