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A vendedora de mangabas

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Ormuz Barbalho Simenetti
[ Presidente do IHGRN ]
A mangaba (hancornia speciosa) é uma fruta nativa dos tabuleiros costeiros que vão desde o Rio de Janeiro até o Amapá. Em nossa região é muito consumida in natura, mas, também, se utiliza na fabricação de sucos, sorvetes, doces, bebidas vinhosas, compotas, etc. Sua colheita é extrativista, feita, em sua maioria, por pessoas que habitam a região onde elas ocorrem. Algumas famílias vivem exclusivamente da colheita e venda dessa fruta.
A árvore é de porte arbustivo, atingindo em sua maioria até três metros de altura. Entretanto pode chegar a oito metros de altura, dependendo do local em que nasceu, se em área de boa fertilidade e umidade, como nas proximidades de charcos, lagoas e terras de aluvião. 
Tem como característica, a dificuldade em se reproduzirem intermédio de mudas. Em experiências realizadas por viveristas de Alagoas, quando as mudas atingem entre trinta e quarenta centímetros de altura, são acometidas pelo que se conhece como “mal de viveiro”, iniciando um processo de murcha que terminava com o perecimento das plantas.
Na natureza, as sementes são dispersas pelos excrementos dos pássaros e outros animais que dela se alimentam. Suas sementes são pequenas, ovaladas, e de sabor doce. Isso contribui para que a grande maioria delas, não chegue a germinar. As que caem em sua volta são perfuradas por insetos, principalmente formigas, o que impede a germinação. Árvore que se caracteriza por habitar solos pobres, como os tabuleiros e cerrados. Suas raízes se alimentam principalmente das suas folhas em decomposição, que ao caírem se acumulam em baixo de sua copa. 
O látex, feito com o leite da mangabeira foi usado, desde o final do século XIX, para a fabricação de um tipo de borracha, exportado durante as duas guerras mundiais. Esse período foi denominado de “Ciclo da Borracha de Mangabeira”.
Dona Maria dos Prazeres, descendente direta de escravos que habitavam na região de Goianinha, possivelmente trabalhando nos engenhos bangues, vende mangabas desde os dezoito anos. Com mais de setenta anos de idade, continua na sua peregrinação, colhendo as mangabas nos tabuleiros e vendendo “de porta em porta”. 
No princípio, saia de casa, em Bela Vista, distrito de Tibau do Sul, onde reside até hoje, por volta das quatro horas da madrugada. Caminhava pelos tabuleiros a cata das frutas que eram colhidas antes de amadurecerem. Em local previamente escolhido, deixava a colheita do dia e levava para a venda, as colhidas em dias anteriores que já estavam maduras e prontas para comercializar.
Todo o percurso era feito a pé, junto com seu companheiro, já falecido. As frutas eram medidas em caixinhas feitas com folhas de cajueiro e costuradas com palitos de coqueiro. Hoje, utiliza a medida de litro feito com lata de óleo. Conseguiu criar com essa atividade extrativista doze dos dezenove filhos que pariu. Alguns continuam morando próximos a ela; outros foram procurar melhores condições em outras terras. 
Conheci a Maria das Mangabas desde a década de setenta. Eu morava ainda com meus pais e veraneava na praia da Pipa.  Passava na frente da nossa casa e gritava… dona Cerene quer mangaba hoje?? Lá de dentro mamãe respondia: Quero Maria, entre para tomar um cafezinho!! Era tudo que ela esperava ouvir e confessava meio sem jeito: a senhora é muito boa, sempre me dá um cafezinho. Saio de casa tão cedo e só venho comer quando chego aqui. E essa conversa se repetia todas as vezes que vinha oferecer suas deliciosas mangabas. 
No mês de janeiro, época do veraneio na Pipa, que coincide com a festa do padroeiro São Sebastião, vendia suas mangabas, de porta em porta, quase todos os dias. 
Hoje encontrei Maria das Mangabas e aproximei-me. Começamos a conversar. Ela se lembrou dos cafezinhos matinais na casa de mamãe. Disse ser aposentada, mas continua vendendo as mangabas para complementar a parca renda de um salário mínimo que percebe como aposentada.
 
Disse que atualmente a colheita continua da mesma forma de quando começou. Entretanto precisa caminhar por quilômetros para conseguir uma pequena colheita. Os tabuleiros onde antes havia florestas de mangabas, hoje estão cobertos com cana-de-açúcar. Cada dia é preciso caminhar para mais distante e sua residência já não é a de outrora. A mudança é que para os locais de venda chega de transporte que passa regularmente em rente sua casa.
Maria, como tantas outras Marias guerreiras do nosso belo e sofrido Nordeste, continua lutando pela vida, sem descanso, sem férias, sem décimo terceiro, apenas com um proposito: dar o melhor que puder a sua família.
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