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A verdade de todos os lados

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Gaudêncio Torquato

Leitores, eu estava lá. Naquela manhã de sol ardente do dia 25 de julho de 1966, repórter da Folha de S. Paulo, Sucursal do Nordeste, andava de um lado para outro, no aeroporto dos Guararapes, tentando identificar autoridades, cumprimentando conhecidos entre umas 300 pessoas que aguardavam o marechal Costa e Silva. Ele vinha de João Pessoa e fazia um périplo pelas capitais nordestinas em sua campanha para a presidência da República pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Qual não foi minha frustração ao ouvir pelo auto-falante que devido a uma pane no avião, o bigodudo marechal viria de automóvel para Recife, onde faria uma visita à Sudene. Afinal, tinha na ponta da agulha uma pergunta que, na mente do repórter ambicioso e sonhador, em início de carreira, aos 21 anos, fulminaria o candidato: “por que ele não era o preferido do presidente Castelo Branco para sucedê-lo”? Isso era o que se dizia na época.

Preparava-me para sair quando o artefato explodiu. Um poderoso deslocamento de ar jogou-me metros de distância de onde me encontrava. Intensa fumaça cobriu o aeroporto. Gritos de terror e uivos de dor. Cambaleando, tonto, levantei-me, sem saber para onde ir. As pessoas começaram a correr em direção à saída. Dei-me conta da situação. O disse-que-disse se espalhou como pólvora. Era um atentado para matar Costa e Silva. Na rua, ainda deu para enxergar de longe o temível coronel Hélio Ibiapina, óculos rayban, apoplético, dando ordens, ordenando o desvio dos carros, dirigindo as operações. No táxi, um susto: vi sobre um dos ombros do meu paletó cinza-esverdeado miolos esfarelados e gotas de sangue. Estava no meio da concentração das pessoas, muito perto dos dois mortos: o jornalista Edson Regis, secretário da Casa Civil do governo Paulo Guerra, e o almirante aposentado Nelson Fernandes.

Fui direto à Italcable, na avenida Dantas Barreto, onde rabisquei o telegrama para a Folha, ainda sem detalhes, mas carregando no zumzum que cheguei a captar: além da bomba no aeroporto, uma bomba na sede da União dos Estudantes de Pernambuco e outra na USAID. Voltei à Folha, na praça Joaquim Nabuco, correndo ao banheiro para administrar a tremenda diarréia que me acometeu. E só depois fiz o relato oral para Calazans Fernandes, chefe da Sucursal e Manuel Chaparro, mestre e amigo, com quem, nesta semana, voltei ao passado na recordação desse amargo evento.

O atentado foi desvendado e a história é conhecida. Passei anos  desconfiado de que tinha o dedo dos radicais da direita. O crime foi atribuído, tempos depois, ao ex-deputado Ricardo Zarattini, que chegou a ser torturado, e ao professor Edinaldo Miranda. Na verdade, foi perpetrado pela AP, tendo o ex-padre Alípio de Freitas, como mentor, e Raimundo Gonçalves Figueiredo, Raimundinho, codinome Chico, como operador. Este morreu em abril de 1971 em tiroteio com policiais do Recife. Jacob Gorender, em seu livro Combate nas Trevas, relata parte do caso. Uma maleta escura com a bomba foi colocada encostada numa pilastra próxima à livraria Sodiler. O guarda-civil Sebastião Thomaz de Aquino, o Paraiba, que brilhou no  Santa Cruz, pegou a maleta para entregá-la no DAC. A bomba explodiu. Além dos mortos, 14 feridos, alguns com lesões graves.  

Este escriba fustiga a memória em solidariedade a Flávio Regis, filho de Edson Regis, que, semana passada, frustrado, lamentou o fato de não ter sido ouvido pela Comissão Nacional da Verdade.  “A verdade está fadada a ficar desmoralizada”. Para passar o Brasil a limpo, como clama a sociedade, urge tirar o lixo por baixo do tapete. Todo o lixo, não apenas uma parte. A verdade, dizia Brecht, possui cinco lados. Nesse caso, urge ouvir a verdade de quem foi perseguido e torturado pela ditadura. Urge ouvir o relato de quem foi atingido por ações de guerrilheiros. E urge, sobretudo, ouvir a voz do bom senso. Sem dar cordas ao relógio do revanchismo.

Impeachment? pouco provável
O conhecimento sobre desvios na Petrobras pode gerar ação de impeachment da presidente? As oposições, a depender do clima ambiental e ante a possibilidade de surgirem novos fatos, poderão ensaiar uma solicitação de afastamento. É pouco provável que esse recurso caminhe no Congresso. O rolo compressor governista evitará tal possibilidade. Outros fatores: as oposições têm costados quebrados e, a qualquer hora, o escândalo do mensalão mineiro poderá voltar à tona.

A FORÇA DAS RUAS Há, ainda, a fortaleza das ruas. Dilma foi eleita pela maioria do eleitorado. É possível que tenha perdido muitos votos das eleições até hoje. Mas a força das ruas ainda lhe é francamente favorável, significando exércitos em sua defesa, comandados por Lula. O PT, sabe-se, perdeu muito sua capacidade de mobilizar as massas. O partido sofre a maior crise de imagem de sua vida. Mas possui cacife para fazer grandes mobilizações.

OS POLÍTICOS Descartada a hipótese de impeachment da presidente, a atenção se volta para a esfera política: como os políticos reagirão ao envolvimento de seus nomes? Se a lista de condenados pelo STF for pequena, é razoável apostar na abertura de processos no âmbito das Comissões de Ética. Coisa que deverá tumultuar o ambiente político. Se a lista abrigar um número alto – digamos em torno de 50 – é razoável trabalhar com a hipótese de corporativismo, protelação do debate, patinação no mesmo lugar.

Jogo de cintura
O quadro que se desenha pode ser classificado como “confortável” para a presidente da República e outros atores políticos? Este consultor enxerga de modo diferente. Para que tal “confortabilidade” ocorra, seria necessário, por parte de Dilma, eficiente jogo de cintura. A onisciência, a onipotência e a autossuficiência – valores que se identificam no perfil presidencial – deverão descer degraus. A presidente deverá mostrar, no segundo mandato, postura mais política, mais envolvente, mais aberta e menos intransigente. O corpo parlamentar, principalmente o da Câmara, deverá exigir recompensas para lhe dar apoio irrestrito nas votações de interesse do Executivo.

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