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A verdade do código

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Mistério, religião, heresia, história, aventura, intriga, e boas doses de suspense e oportunidade fizeram de “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, um êxito em livro, com o mesmo potencial para repetir o sucesso nas grandes telas. O sucesso, e também a polêmica. O filme, dirigido por Ron Howard e com Tom Hanks no papel principal, tem aguardada estréia mundial nesta sexta-feira. Fãs do livro, curiosos, religiosos, ateus, e também quem deseja apenas uma boa pipoca, deverão invadir as salas para conferir o “best-seller” das telas para 2006.

O filme, não fosse a saraivada de referências religiosas e históricas que Dan Brown reuniu em sua trama, poderia passar por um thriller comum de mistério. Começa com um assassinato no  Museu do Louvre. A vítima, diretor da casa,  era parte de uma sociedade secreta que protegia um dos mais bem-guardados segredos da humanidade, existente desde os tempos de Cristo. Acontece que, antes de morrer, a pessoa consegue deixar uma pista na cena do crime. É nesse momento que entram em cena Robert Langdom (Hanks), um simbologista de Harvard, e a criptógrafa francesa Sophie Neveu (Audrey Tatou) – neta da vítima, Jacques Sauniére.

Em suas investigações, Robert e Sophie acabam descobrindo bem mais do que deveriam. Trata-se de algo que está espalhado na forma de códigos por toda a obra de Leonardo Da Vinci e que pode abalar os alicerces do cristianismo. É aí que entra a polêmica. A trama mostra Da Vinci como membro de uma sociedade secreta chamada de “Priorado do Sião”, fundada em 1099. Esse grupo teria escondido do resto do mundo durante séculos, a “verdade” sobre Jesus e Maria Madalena.

A dupla descobre uma série de vestígios criptografados que revelam os insuspeitos segredos do cristianismo: Jesus Cristo teria se casado com Maria Madalena, iniciando uma linha de descendentes que poderia ter chegado à atualidade. O curador assassinado do museu seria integrante da milenar sociedade, e teve este fim por ter decidido falar demais. A partir daí, Brown põe outros dados intrigantes na trama: o segredo do Santo Graal, o “Cálice de Cristo”; este não seria um  cálice, como aquele buscado pelo Rei Arthur na Idade Média, mas a própria Maria Madalena, que constituiu com Jesus uma linhagem merovíngia de governantes europeus, e estaria sepultada sob a pirâmide invertida de vidro no Louvre, em Paris. O filme também sugere que Deus seria uma mulher, e que a igreja renegou o fato por preconceito. O burburinho em torno da obra, por parte de fãs e detratores, levou “O Código Da Vinci” a abrir a 59ª edição do festival de Cannes (França), na última quarta-feira. A recepção da crítica foi fria, no geral, afirmando que o filme parecerá melhor para quem não leu o livro. Só vendo para saber.

Livros para entender o livro

Best-seller de alcance mundial, "O código Da Vinci" de Dan Brown acabou por instigar outros escritores a sustentar a polêmica em torno da obra. As editoras, claro, correram atrás do próximo sucesso. Uma série de lançamentos que abordam mais relações entre personagens religiosos e temas históricos, ou mesmo oferecem mais "códigos" para se decifrar o "Código", estão em profusão nas prateleiras das livrarias. 

"Maria Madalena e o Santo Graal", de Margaret Starbird, é um dos livros que inspiraram o "Código". A autora interpreta sinais de que Maria Madalena teria sido a esposa de Jesus, baseados em pinturas de Botticelli, Fra Angélico e marcas d’água usadas por hereges do sul da França. Veio dela a sugestão de que Madalena seria o Santo Graal – a filha que ela levava no ventre quando fugiu de Israel após a crucifixação do marido. Segundo a autora, o estigma de prostituta que a igreja impingiu à Madalena durante séculos, acabou por abafar as referências do  fato.

 "O Caderno de Viagens do Código Da Vinci", explicitamente baseado na obra de Dan Brown, é uma espécie de roteiro para o leitor captar suas primeiras impressões sobre o fenômeno do livro. Traça um roteiro detalhado de ruas, igrejas, museus e monumentos que os protagonistas do filme percorrem na sua jornada em busca de respostas.

Sem estrutura para ficar no imaginário popular – Por Luiz Zanin Oricchio 

Polêmica? Bem, esse termo tem valor comercial e, assim,  o fato de ter desagradado à parte mais conservadora da Igreja Católica talvez sirva para bombar o filme na bilheteria. Esse tipo de provocação faz parte da estratégia de lançamento e, quem protesta contra o filme, tolamente ajuda a fazer o seu sucesso.  

Dito isso, parece em tudo uma falsa polêmica esta em torno de “O Código Da  Vinci”. Certo, ele mexe com dogmas do cristianismo, mas o faz de maneira ficcional. É, como tantas outras obras do gênero, uma ficção histórica. Guardadas as devidas  proporções, alinha-se, nesse particular, a filmes como “A Última Tentação de  Cristo”, de Martin Scorsese, e “Je Vou Salue Marie”, de Jean-Luc Godard, que  aliás foi censurado em 1985 pelo então recém-democratizado Estado brasileiro. Todos giram em torno da posição das figuras femininas no dogma cristão, num caso a Virgem Maria e, no outro, Maria Madalena. Será o feminino ainda um tabu?  

A ficção religiosa proposta por Dan Brown, e retomada no cinema por Ron Howard, vai além dessa “releitura” histórica do cristianismo. Incorpora temas que, de  tempos em tempos, comovem o imaginário popular, tais como seitas secretas, o poder oculto da Igreja, códigos.

Vamos  recordar que um livro de muito sucesso nos anos 60 foi “O Despertar dos Mágicos”, de Louis Pauwels e Jacques Bergier. Mais recentemente, Umberto Eco reintroduziu os Templários no imaginário ocidental com seu “O Pêndulo de Foucault”. Antes disso, o próprio Eco, de maneira erudita, já havia dialogado com o misticismo medieval em seu muito vendido e pouco lido “O Nome da Rosa”. Dan Brown teve a esperteza de jogar todas essas referências no liquidificador e dele tirar um megabest-seller de estilo neutro (ou seja, sem estilo), que joga com o ocultismo e o sentido misterioso do mundo. Que isso tenha apelo em época desencantada como a nossa, pode ser tema interessante para sociólogos  da cultura. O fato é que Brown faz sucesso, assim como Paulo Coelho. O problema do diretor Ron Howard foi acomodar em filme a trama de mistério proposta no livro. Tudo se articula em torno da decifração de um enigma. Antigos códigos, que devem ser quebrados e pistas a serem seguidas. Tudo misturado às cenas de ação obrigatórias em arrasa-quarteirões, acabou congestionando o filme. Para que o espectador pudesse acompanhar todas as pistas junto com o especialista em símbolos, o filme tornou-se falado como jogo de futebol transmitido pelo rádio.

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