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A via da imensidade

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Cláudio Emerenciano – Professor da UFRN

As folhas da memória não são folhas mortas, que o vento leva e desfaz. As ações humanas são folhas vivas, incorporando, uma às outras, o renovado sentido da vida. Desde a madrugada dos tempos, quando a aurora devassou as trevas, eliminando-as com a fulgurância da luz, a vida e o seu sentido se revelam indefinidamente. O sopro de Deus, o "FIAT" ("Faça-se a luz"), habita a infinitude universal. Os homens são parte especial da Criação. A "terra dos homens" é indivisível. É partilha, comunhão e convergência.

Os homens se projetam na imensidade quando buscam o bem comum.  Os egoísmos, as vaidades, as ambições, o despudor, o cinismo, a injustiça, a violência e a mentira aviltam a condição humana. A imolação de populações civis, indefesas, especialmente crianças, subverte o sentido da vida. A civilização cede e morre. Vence, ainda que por pouco tempo, ou algum tempo, a barbárie. O horror, o desespero, o sofrimento, a agonia e a desesperança sepultam laços, sentimentos. O amor, a caridade e a paz encaminham a humanidade para Deus. São folhas eternas, jamais destruídas, nunca esgarçadas, sempre verdejantes. Emergem dos fundamentos divinos e universais da vida. O mal é uma folha morta. Não faz história. Seu destino é o esquecimento. Sua lembrança reacende nas almas e nos corações a consciência dos tempos perdidos e  mal vividos. Invoco meu tio-avô, Gothardo Netto, a quem não conheci, que foi invulgar, original e insuperável na prefiguração do sentido e do fim das folhas mortas: "Folhas mortas! Vos deixo às lufadas da sorte, como um bando augural de pássaros perdidos… Sem a sombra aromal dos pomares  queridos, sem um raio de luz que as alente e conforte!"

Ainda hoje Platão (séc. V a.C.) exerce influência no conceito do político. Seu maior discípulo, Aristóteles (séc. IV a.C.), complementou-o, enunciando o mais amplo entendimento da política. Um e outro são indissociáveis. O político é o artífice do bem comum. Enquanto a política é o seu campo, ou seja, sua área de atuação. É tudo quanto se refere à busca da felicidade de todos. Com justiça e paz. Sem exceção nem privilégios. Santo Agostinho (séc. IV d.C.), o "doutor da graça", incorporou conceitos platônicos à sua interpretação cristã da vida e da sociedade. Considerava o mal político (governante) pior do que o criminoso comum: "o criminoso é um pecador, que pode arrepender-se; o mal político se insurge contra Deus, porque leva a injustiça e a infelicidade para os homens e a sociedade". Mais tarde, São Tomás de Aquino (séc. XIII d.C.), aristotélico, fundamentou a harmonia entre a fé e a razão na "Suma Teológica".Também enunciou o conceito de "pecado social", chamando o mal político de "tirano", qualquer que fosse sua função. O "tirano" não apenas exorbita do poder: "corrompe e  inviabiliza uma ordem social cristã".

 O cristianismo não ignora a política. Pelo contrário. A fé cristã se revela no meio social. Proclama a civilização da "boa nova" da redenção pelo amor. Recentemente, o Papa Bento XVI também analisou  essas questões tão atuais. Não se pode admitir que a ação política se confunda com a criminalidade. De modo algum. A impunidade de maus políticos é mais um traço do "pecado social". Há uma ética na política. É impossível admiti-la como uma atividade aética e marginal. Impõe-se um debate nacional da questão. Especialmente num ano eleitoral. Antes que convertamos a política em "folha morta".

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