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‘A vida é que desenha a arquitetura’

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3 por Quatro com David Fischer – Por Anna Ruth Dantas

Ao falar o arquiteto italiano David Fischer falar não traz apenas um tom analítico, mas imprime nas respostas e na expressão uma grande paixão pelo trabalho. Usar a expressão arquiteto para Fischer é ser um pouco minimalista, afinal, o que esse profissional apresenta vai muito além de um projeto arquitetônico. Nos seus trabalhos, o italiano dá movimento a edifícios e não a toa é conhecido hoje como o expoente da arquitetura dinâmica. Para os leigos pragmáticos em contemplarem projetos arquitetônicos estáticos, assistir a explicação de David Fischer e ver os projetos desenvolvidos por ele onde os andares dos prédios se movem, mini turbinas eólicas são colocadas ao lado do prédio para garantirem abastecimento de energia, pode até parecer algo surrealista. Mas a explicação de Fischer traz o projeto para o contexto do real. Inclusive, em Londres já há um projeto assinado por David Fischer e que será executado a partir da concepção do edifício dinâmico. Aliás, o que hoje o italiano dá vida através dos projetos, começou ainda na infância, nas observações da criança.
conhecido hoje como o expoente da arquitetura dinâmica, Fischer analisa que a arquitetura não deve atentar, em um primeiro momento, para o belo. Segundo ele, primeiro vem o custo, seguido pela funcionalidade, engenharia de tecnologia, meio ambiente, manutenção e, só então, a beleza.
David Fiscer analisa que a arquitetura não deve atentar, em um primeiro momento, para o belo. Pelo contrário, na série de seis itens a serem observados pelo arquiteto, o último citado pelo italiano é exatamente a beleza. Primeiro é o custo, em seguida vem a funcionalidade. A terceira é a engenharia de tecnologia, atentando para a a acústica, hidráulica e elétrica. O quarto item é o meio ambiente. Em seguida vem a manutenção e por último está o desenho. “A forma é a última coisa e essa é minha filosofia. O correto é belo, mas o belo nem sempre é correto”, destaca. Com argumentos contundentes, ele traz um tom crítico aos projetos arquitetônicos que valorizam primeiramente o belo. “Arquitetura não é uma resposta de beleza, ela tem que ser uma resposta social para vida de hoje. Arquiteto não é artista”, analisa. O entrevistado de hoje do 3 por 4 é um arquiteto que vai muito além dos desenhos, um inventor, um profissional que a partir da inquietação de criança desenvolveu a sua carreira profissional e rompe o papel estático das formas.

Com vocês, David Fischer:

Que inquietação foi essa que lhe levou a arquitetura dinâmica, concebendo prédios que tem movimento?
Começou quando eu tinha cinco anos, que minha mãe contava histórias todas as noites. E nas refeições na minha casa eu pegava um pão e um ovo cozido na outra mão e eu via o sol descendo na água. A partir daí eu comecei a pensar no movimento, na vida, no dia que vai e no dia que vem e o movimento da terra, do espaço. Nos meus  primeiros trabalhos de arquitetura eu fiz uma praça e esse projeto foi chamado por um grande crítico de arquitetura, chamado Bruno Zevvi, o maior crítico de arquitetura, ele chamou de praça dinâmica. Com essa praça ela poderia se adaptar aos eventos. Na vida tudo muda. Essa praça ninguém sabia como seria o futuro, tinha que fazer escavações do período romano, havia questões políticas. Então eu fiz uma praça que poderia mudar a forma da praça e principalmente mudar a funcionalidade da praça. Pois o fato é que eu fiz muitas outras coisas, projetei e construí hotéis, outros edifícios, desenvolvi tecnologias no mundo da construção porque a minha visão sobre o modo de construção é que tudo era muito primitivo. Hoje nós construímos como os antigos egípicos  quando faziam as pirâmides e nada mudou muito até hoje. Então eu comecei a desenvolver tecnologias de pré-fabricação. E cinco anos depois eu comecei a ter idéias loucas de mudar a forma. A arquitetura dinâmica nasceu sobre o conceito do dinamismo, da adaptação. A partir daí nasceu a ideia de cada andar girar, o edifício muda de forma porque os andares mudam também. Veja no projeto cada andar muda com a velocidade, com a direção e sobretudo o tempo. Um andar pode andar veloz, outro menos veloz, é a lei da relatividade de Einstein.

O projeto do prédio dinâmico, com andares girando, mudando de forma já foi aplicado?
Não. Estamos começando em Londres. Estamos consultando outras cidades e são todos prédios diferentes, mas com o mesmo conceito, mudar a forma, mas não apenas a forma. Nesses prédios a produção de energia é própria. O prédio é feito de modo mais inteligente.

O senhor concordaria comigo que deixou de ser arquiteto para ser inventor?
É uma boa pergunta, mas eu respondo com outra pergunta: o que é um arquiteto para você? Veja que nesse projeto de prédio dinâmico (e ele mostra um projeto no computador) há produção de energia eólica, onde estão instaladas mini turbinas. A terceira inovação do prédio é totalmente pré-fabricado o prédio. Veja o carro, o avião é feito na fábrica. Aqui também o prédio é totalmente pré-fabricado. O carro se faz em uma fábrica e não no estacionamento. A casa também deve ser feita da mesma maneira. Veja que o custo será menor e o tempo de construção também é menor. Traz ainda uma qualidade melhor, condições de trabalho para os operários, vantagens de caráter ecológico na cidade, já que não tem tráfico de caminhão. Depois dessa explicação, volto agora para sua pergunta e lhe digo que a arquitetura dinâmica é o desenho. A vida desenha o edifício, não sou eu que desenho a arquitetura. Eu penso que não é justo que eu desenhe a forma da cidade hoje e depois de tantos anos continue assim. Não é democrático. Isso é democrático, mudar a forma da arquitetura. A democracia chega a arquitetura. E a propósito em um país, que não vou lhe dizer o nome, há um governo, de país importante, que disse democracia está chegando na arquitetura. A vida é que desenha. A coisa mais importante e estou ma aproximando da sua resposta, nesse edifício não é idealizado para ser bonito. Esta forma (do edifício) é resultado do movimento. Os andares são todos iguais. Não tem o toque arquitetônico. Hoje quando falam arquitetônico lembra coisa bela. Arquitetura não é uma resposta de beleza, ela tem que ser uma resposta social para vida de hoje. Arquiteto não é artista. O artista faz uma arte de dez metros bonita, mas não pode colocar pessoas para viver ali dentro (da obra de arte). Eu sou um inventor, não posso ignorar, mas penso de ser também arquiteto. O arquiteto não é quem desenha coisas belas, mas quem dá a resposta ao ser humano para viver melhor na sua casa. A beleza é importante, mas tem a casa ou não tenha a casa, mas quanto custa a casas? Tem problema de manutenção? Tem custo de calefação? A cidade, as ruas, o tráfico? Esse é o dever do arquiteto não fazer coisas bonitas, mas coisas corretas.

Observando as imagens do prédio dinâmico, realmente é exeqüível? Há previsão dele ser executado?
No momento estamos mais adiantados em Londres. Existem outras cidades, inclusive no Brasil. Muitas cidades querem ter o primeiro edifício dinâmico. Essa é uma revolução e não é fácil convencer o investidor imobiliário de fazer uma coisa nova. Ninguém nunca viu os edifícios onde os andares ficam girando.
O arquiteto não é quem desenha coisas belas, mas quem dá a resposta ao ser humano para viver melhor na sua casa - David Fischer
O senhor disse que o arquiteto precisa observar a qualidade de vida. Isso é uma crítica ao padrão do arquiteto de hoje que vê algo estático e valoriza muito mais o belo?
Eu apresento o que eu acredito. Se é indiretamente uma crítica isso fica por conta dos jornalistas, dos escritores. É um modo diferente. Eu penso que depois de dois mil anos onde tudo era sempre visando a estética, o estilo. Sim, aceito, é uma crítica aos espaços que não tem calefação, não vêem a acústica. É mais importante pensar nas coisas possível, executáveis, em tornar a vida mais confortável. Eu fiz uma palestra para milhares de pessoas em São Paulo. E comecei mostrando uma arquitetura do início de quando trabalhei, uma igreja é certo fazer exprimir sensações, mas tem que ver a funcionalidade também. Quando eu cresci comecei a perguntar o que era arquitetura. Não é beleza, não é escultura. Estamos em 2013, a arquitetura é principalmente, antes de tudo, realização econômica, execução. Quantas pessoas não tem casa? Quantas pessoas não tem uma casa confortável? O arquiteto precisa pensar quanto custa e quanto valerá depois. A segunda coisa é a funcionalidade. A terceira é a engenharia de tecnologia, que vê a acústica até a hidráulica, elétrica. A quarta coisa é o verde. A ecologia é fundamental. A quinta coisa para se ver na arquitetura é a manutenção. Se há um problema com cano você não tem que pegar martelo. Na casa você tem que fazer. Isso traz despesa. A última coisa é o desenho, a forma. A forma é a última coisa e essa é minha filosofia. O correto é belo, mas o belo nem sempre é correto.

O senhor está desenvolvendo um projeto próprio para a Copa do Mundo. Seria um edifício em formato de bola?
Veja, esse assunto eu não gostaria de falar. Mas lhe digo tem uma versão sobre futebol que venho pensando.

Diante de tudo que o senhor abordou nessa entrevista, onde se enquadra Natal?
Natal é uma cidade que está visando o futuro, está em direção ao futuro, teve um grande desenvolvimento. Meu relacionamento com o Brasil está crescendo muito, além de São Paulo e Rio de Janeiro. Seria justo conhecer outras cidades, mais jovens, com uma diferente zona geográfica. Por isso vim a Natal.

Com todo conceito do senhor exposto nesta entrevista, a impressão é que o seu modo de analisar e desenvolver a arquitetura entra em contraste com o trabalho de Oscar Niemyer, que é muito mais estático e prima pelas linhas, pela beleza.
Essa é uma pergunta difícil de responder porque eu sei o quanto vocês (brasileiros) amam Oscar Niemyer. Para essa pergunta eu tenho uma resposta: eu comecei como artista e meu instrutor arquitetônico era Giovanni Michelucci. Muito a propósito, ele morreu dez dias antes de completar 100 anos. Era brilhante e eu propus a ele (Giovanni) ser meu colaborador. Ele (Giovanni) se assemelhava muito a Oscar Niemyer, como personalidade e na arquitetura. Eu quis encontrar Oscar Niemyer por termos amigos em comum. Mas ele (Oscar) estava no hospital e não pude me encontrar com ele. Eu cresci no meio da beleza. Penso que na arquitetura de hoje o conceito não pode ser o da beleza. Primeiro de tudo tenho que pensar: o homem tem que ter uma casa, uma cidade precisa ter jardim. A sustentabilidade é fundamental, inclusive a sustentabilidade de energia. Quando se tem tudo isso primeiro se pode pensar na beleza. Mas eu aprecio muito Niemyer. Ele fez coisas belas, mas ele terminou um período, um ciclo de dois ou três mil anos, de estilo, de beleza. Ele (Niemyer) encerrou um período. Hoje vai começar um período de sustentabilidade, é uma página nova.

Perfil

David Fischer é conhecido como o expoente da arquitetura dinâmica. Nos seus projetos traz uma preocupação em aliar sustentabilidade, tecnologia e criatividade. Fischer é graduado pela faculdade de Florença na Itália. Seus projetos aproximam a construção industrial, que envolve a utilização de unidades pré-fabricadas, e a arquitetura dinâmica, onde o 3D encontra uma quarta dimensão: o tempo.

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