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A vida real dos que fazem o mundo da ilusão

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Débora Ramos
Repórter

Por parecer tão distante da realidade do resto das pessoas, a inusitada vida das grandes estrelas do circo resguarda, ainda nos dias de hoje, um ar de mistério. O que poucos sabem é que por trás de todo glamour da profissão existem homens e mulheres com alegrias e problemas comuns a todos os indivíduos.
O palhaço Henry Ayala se hospeda em hotéis e aproveita a estrutura
No caso dos artistas de circos de maior porte, como é o caso do Tihany Spectacular, a grandiosidade da estrutura montada por traz de cada show pode impressionar ainda mais. Em Natal desde o começo do mês para apresentar o espetáculo AbraKdabra, a companhia surpreende pela modernidade e por fugir dos clichês característicos ao meio. Prova disso é o fato de hospedar a maioria de seu elenco em hotéis e não nos tradicionais trailers estacionados por trás da lona.

Durante a temporada na capital potiguar, por exemplo, os artistas e alguns membros do staff do circo estão ocupando quase que totalmente dois Apart-hotéis no bairro de Ponta Negra. Entre este grupo está o venezuelano Henry Ayala, uma das principais atrações do circo. Tranquilo e bem humorado, ele revelou que gosta de se hospedar  nesses locais, apesar de reconhecer que estar distante do local de trabalho pode trazer alguns problemas. “O ônibus vem nos buscar cerca de 1h30 antes de cada show. Esse intervalo costuma ser suficiente, mas, às vezes, já nos atrasamos muito por causa de problemas no veículo ou por conta do tráfego”, afirma.

Apesar disso, ele acredita que esse tipo de acomodação possui uma série de vantagens. “Podemos ter o conforto e desfrutar de toda a estrutura do hotel. Além disso, estamos mais próximos das praias, shoppings e pontos turísticos da cidade do que se estivéssemos junto ao circo.”

Henry, que também é equilibrista com recordes no Guiness Book, conta que desde que se uniu a trupe do Tihany ainda não teve oportunidade de tirar férias. “Os demais artistas tiram férias todos os anos para visitar suas casas, mas eu ainda não tive a oportunidade”, disse, contando que o circo costuma custear a passagem aérea dos profissionais nestes períodos. Apesar de reconhecer que o trabalho é puxado, ele afirma que não trocaria a vida de palhaço por outra.

Trailer

Pertencente ao grupo  daqueles que seguem a tradição de morar a poucos metros do palco, o mágico brasileiro Romano Garcia, também é uma das principais estrelas do circo Tihany. Nos palcos há cerca de 25 anos, ele nasceu praticamente dentro do picadeiro. “Minha família fundou o circo Garcia, e eu, desde que nasci, estou envolvido neste meio. Gosto tanto disso aqui que uma vez tentei sair para fazer outra coisa e não me acostumei”, disse. Para Romano, o trabalho no circo não se compara aos demais. “É uma espécie de turismo remunerado”, define.

Quando não está fazendo com que helicópteros desapareçam do meio palco do circo, ele passa o tempo tranquilo ao lado da mulher e dos dois filhos, descansando, assistindo televisão ou na internet. Sua casa possui um quarto, um banheiro, uma cozinha, uma sala de estar e quatro rodas. Instalados em um trailer ao lado da lona principal, personificam o estereótipo da família circense arraigado no imaginário popular. O local, impecavelmente organizado, pode parecer claustrofóbico para alguns, contudo, é de bom tamanho se comparado a outros veículos estacionados logo ao lado.

“É um lar como outro qualquer”, afirmou a esposa de Romano, Sandra Garcia. Ela, que diferente do marido, não é de família tradicional de artistas, passou a acompanhar o circo quando foi assistir a um espetáculo há cerca de 20 anos e se apaixonou pela estrela do show, o ilusionista. “Pouco tempo depois nos casamos e eu passei a viajar. No início foi complicado me acostumar com uma casa tão pequena, mas depois aprendi a viver só com o necessário e hoje não sinto falta de nada”.

Ao longo de sua carreira, o mágico percorreu 17 países, aprendeu diferentes idiomas e colecionou uma série de lembranças. Apesar de já estar ciente de que, assim como os jogadores de futebol, as carreiras da maioria dos artistas de circo têm prazo de validade, Romano afirma ainda não começou a pensar no futuro fora do circo. “Isso ainda é uma incógnita para mim. Tem gente que já se programa desde cedo, mas nós latinos dançamos mais conforme a música” Segundo ele, esta indefinição faz parte da essência aventureira do circense. “O mundo já não tem mais romantismo, e nós, do circo, talvez sejamos os últimos a manter essa aura romântica”

Educação das crianças é prioridade para pais artistas

Se a vida no circo pode parecer difícil para os adultos, o que dizer das crianças que nasceram naquele ambiente e cresceram em meio aos espetáculos? Para o filho do artista circense, os desafios da vida sob a lona são grandes: há de se lidar com a dificuldade dos estudos, a saudade dos amigos e a rotina de treinamentos. Além disso, é preciso se preparar para tomar a mais difícil das decisões: optar por seguir a vida artística ou deixar o circo e tentar a sorte no “mundo real”.

No Brasil, a Lei 301/1948 ampara filhos de artistas de circo e militares, para que eles tenham uma vaga garantida em qualquer instituição estadual, mediante a apresentação do certificado de matrícula da escola da última localidade por onde tenham passado.

Filha do diretor artístico Juan Carlos Valencia, a pequena Katherine Valencia, de apenas oito anos, afirma não sentir nenhuma dificuldade ao acompanhar o conteúdo nas diferentes escolas que freqüenta durante o ano letivo. Inteligente, costuma tirar boas notas e já fala inglês, francês, espanhol e italiano, além de português. “Minha matéria preferida é matemática”, contou.

Para a pequena Kathy, como é chamada pelo pessoal do circo, o lado negativo é mesmo ter de deixar os amigos a cada nova mudança. “Às vezes é ruim porque perco o contato com os meus amigos e tenho que fazer outros”, disse ela, acrescentando que procura continuar se comunicando com alguns colegas sempre que possível.

Já o filho do casal Romano e Sandra, André Vitor Garcia, de 11 anos, foi alfabetizado no México e passou um pouco de aperto quando voltou para o Brasil. Segundo a mãe do garoto, o desnível educacional verificado de um lugar para o outro dificultou o processo de aprendizagem. “Por isso sempre procuramos vagas em escolas menores, com menos crianças, onde a professora possa dar maior atenção a ele. Apesar de tudo ele é ótimo aluno e suas notas são boas”, explica.

Nem só de artistas vive o circo

Que atire a primeira pedra aquele que nunca alimentou um desejo secreto de fugir com o circo. A maranhense Tainá Ribeiro, de 21 anos, não só imaginou, como o fez; e passados quatro meses, garante que ainda não se arrependeu da decisão. Ela, que trabalha atualmente no carrinho de doces da praça de alimentação do circo Tihany, conta que decidiu mudar de vida depois que a companhia passou por sua cidade. “Eles fizeram uma temporada em São Luis e, durante esse tempo, eu fui contratada temporariamente”, explica. Terminado este período, Tainá deixou o emprego, mas, ao retomar sua antiga rotina sentiu que algo estava faltando. “Depois de duas semanas sofrendo com saudades do circo, resolvi transformar o trabalho provisório em definitivo. Fui para Teresina, onde eles estavam se apresentando na época, e aqui estou até agora”.

Como sua função é originalmente ocupada por trabalhadores temporários, Tainá não recebe nenhum tipo de auxílio-moradia junto ao seu salário, que varia entre R$ 600 e R$ 800. Ela, que se autodenomina “viajante”, tem que se virar sozinha para encontrar acomodações nas cidades que o circo visita. Normalmente, resolve esse problema se juntando a outros colegas em situação semelhante, alugando uma casa e dividindo as despesas da locação e as outras contas. Com um horário de trabalho diferenciado, que normalmente vai das 18h até às 23h, Tainá explica que as horas de folga são quase que totalmente destinadas ao descanso. “Aproveitamos o dia de folga para fazer turismo, conhecer mais o local. Essa é uma das vantagens dessa vida, estamos sempre conhecendo pessoas e lugares novos”, observa.

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