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A voz, a música e o olhar político de Chico César

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Tádzio França – repórter

Uma celebração. É como o cantor e compositor Chico César define a oportunidade de reviver o começo de sua obra em um show atual, como fará nesta quinta-feira, às 21h, no Teatro Riachuelo. A apresentação acústica será baseada no DVD “Aos vivos agora”, lançado em junho deste ano, e que revive as canções do primeiro disco do músico paraibano, “Aos vivos”, de 1995. O show, em voz e violão, também trará sucessos que todos conhecem, como “Mama África” e “À primeira vista”. Em entrevista ao VIVER, César falou sobre Gonzagão, Internet, identidade nordestina, e sobre a experiência de ser gestor de uma secretaria de cultura – cargo que ele ocupa em João Pessoa desde 2009. “Os dois lados são desorganizados e confundem cultura com artes”, disparou. Com a palavra, Chico César:
Chico César: Acho uma pena que as rádios comerciais adultas não deem espaço para os jovens músicos e as rádios públicas imitem as rádios adultas. A solução seria as rádios comunitárias. Mas estas caíram nas mãos erradas
Retomar o repertório de “Aos Vivos”, disco que marcou sua estreia em 1995, foi motivado por algum acontecimento em sua vida?

Fiz para atender a um convite da gravadora Biscoito Fino, afinal não havia um registro em imagem para este repertório tão especial para mim quanto para as pessoas que acompanham meu trabalho desde o princípio. É então uma espécie de celebração.

Lançar um disco, como nos moldes dos anos 90, ainda é importante para o artista hoje em dia?
Eu penso que sim. Eu mesmo estou lançando inclusive como nos anos 70, em vinil. O meu primeiro vinil. O tempo não é essa estrada reta e simples. Ele se espalha em todas as direções. Isso é muito rico do ponto de vista das possibilidades: vinil, DVD, CD, blue-ray, internet etc. O que mais virá?

Quando surgiu no cenário da MPB, nos anos 90, você se destacou por promover misturas como coco e carimbó com pop e música erudita. O que entraria no seu “liquidificador” sonoro de hoje em dia?

Meu liquidificador ficou ainda mais generoso. Creio que fui ficando cada vez mais sem critério. Entra de tudo. Parodiando Paulinho Moska, um dos maiores de minha geração, entraria tudo novo de novo. E tudo de velho. Acho que um pouco mais de Altemar Dutra, pois ando um pouco mais sentimental.

A relação entre música, Internet e pirataria já está melhor resolvida hoje em dia entre os artistas? Como vê a questão?

Isso não vai se resolver tão cedo. E não é só entre os artistas que tem de se resolver. É uma questão que mexe com a própria gestão pública: Gil e Juca quando ministros tinham uma visão sobre o mundo digital; Ana de Holanda entrou com uma visão aparentemente diferente e criou-se muita celeuma por causa disso; agora já dizem “Marta dialoga o ambiente digital”, não é? E o mundo dos grandes conglomerados econômicos de gravadoras e da área de telefonia também precisam se entender pois eles têm muito interesse na área. Se fosse só entre os artistas, seria basicamente poesia, mas não. Tem muito negócio no meio. Diria que é quase “just business, man”.

Ser titular de uma secretaria de cultura mudou o quê em sua percepção de ser artista? Qual o maior desafio?

Mostra pra mim que os dois lados são muito desorganizados e ambos confundem as coisas, confundem cultura com artes. Isso é limitante demais, e frustrante pois os artistas querem recursos e os governos querem eventos artísticos. E a cultura onde fica? A cultura do ponto de vista simbólico e cidadão? É só arte, arte , arte, arte e entretenimento, entretenimento, entretenimento e evento, evento, evento, evento? Tem que sair disso, senão fica deprimente demais. E incluir a vida como cultura. A vida é rica. E lúdica, e sensual.

Questões do Nordeste e do negro sempre permearam suas composições. Ainda é preciso a mensagem?

Não apenas a mensagem como também a porrada. O choque e a lapada com o fio do ferro elétrico.

Chico, você integrou um eclético time de cantores na gravação de um disco em homenagem a Gonzagão. O que achou da experiência?

Foi muito emocionante abrir as pistas da gravação original e ouvir ali virgem a voz de Luiz Gonzaga, o mestre de todos nós artistas nordestinos que viemos depois dele. Eu só o vi pessoalmente uma vez quando era muito garoto ainda e ele passou por Catolé do Rocha, minha cidade, e se apresentou em uma praça. Nunca me passou pela cabeça que um dia pudesse vir a gravar com ele. Pois isso acabou acontecendo, graças a tecnologia de antigamente. Da época dele, que assegurou a qualidade de sua gravação e permitiu que, com a tecnologia de nossa época, eu pudesse colocar minha voz junto da dele. E foi muito emocionante. Todos somos súditos. Ninguém é páreo para ele. Nem isso está em discussão.

Falando em Gonzagão, como estão os preparativos para o centenário dele em dezembro, na Paraíba?

Estamos fazendo em parceria com a Secretaria da Educação, o Ano Cultural do Forró, em que os estudantes da rede pública recebem uma revista com informações sobre elementos formadores desta linguagem, a grande contribuição de Gonzaga e também a contribuição paraibana ao forró através de Sivuca, Jackson do Pandeiro e Marinês. Levaremos mestres das artes e pessoas da cultura popular para discutir várias questões ligadas ao tema e também realizaremos um projeto que correrá todo o estado chamado “Fogueiras da Cultura”.

Acha que a identidade nordestina está melhor compreendida na música atual?

A identidade cultural nordestina é dinâmica, é um elemento vivo. Ninguém apreende o fogo ou a água, os elementos. Podemos até procurar saber como eles agem, como atuam, de onde vêm, se são quentes ou frios. A cultura é assim, elemento em construção. Acho que a noção de território ajuda muito a gente a se entender. Não apenas como nordestinos. Mas pensar ambientes menores: sertanejos ou praianos, por exemplo. Ou, por estados, potiguares, paraibanos, cearenses. Ou ainda menores: caririzeiros ou caririenses, seridoenses, brejeiros. Essas noções dizem muito da aldeia do que somos e aí podemos nos lançar na grande nação nordestina, brasileira, latino-americana, universal.

Há uma nova geração de artistas de música brasileira, desde gente que retoma o tropicalismo até outros que trazem linguagens radicais da periferia (como o tecnobrega). Você acompanha?

Não busco nada “up to date”. Vou vendo pelo Facebook, recebo os discos nos shows por onde passo e também do pessoal da Paraíba que me leva na Secretaria de Cultura. Tudo me chama a atenção. Ou quase tudo. Mas tudo é tão bom ou quase bom que uma coisa logo substitui a outra em minha memória. E também não toca em nenhum lugar, para que eu possa me lembrar. Acho uma pena que as rádios comerciais adultas não dêem espaço para os jovens músicos e as rádios públicas imitem as rádios adultas. A solução seria as rádios comunitárias. Mas estas caíram nas mãos erradas. Deixaram de ser comunitárias faz tempo. Precisamos de conferências de comunicação que devolvam as rádios comunitárias ao povo, pelo menos.

Serviço: MPB Petrobras apresenta Chico Cesar. Quinta, às 21h, no Teatro Riachuelo. Entrada: R$20 (inteira) e R$10 (estudante).

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