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Abmael Morais: um virtuose do estilo

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Abmael Moraes, natural de Ouro Branco, veio para Natal e começou no jornalismo pela redação da TRIBUNA DO NORTE, nos primeiros anos da década de 1960, quando ainda cursava a Escola de Jornalismo Eloy de Souza e o jornalista Walter Gomes era o secretário de redação do jornal. Talentoso, leitor voraz, brincalhão e farrista, Abmael era um repórter nato em qualquer área sobre a qual se proponha escrever. Inventivo, bem dentro do espírito do jornalismo daquela época, não se furtava em “criar” detalhes para alguns dos fatos que narrava. É antológica a “cobertura sobre o lobisomem” que, na década de 1970, ele e o colega Carlos Moraes, do jornal A República, criaram e alimentaram durante dias nas edições dos dois jornais. Depois de se transferir para Belém (PA), onde escreveu e ocupou editorias no jornal O Liberal, se fixou em João Pessoa (PB). Nos jornais paraibanos, criou e manteve durante anos, uma série de reportagens intitulada “Perfis de Corpo Inteiro”, onde entrevistou várias personalidades locais, regionais e nacionais. Em outubro de 1979, Abmael já em Belém, escreve sobre o evento da offset na TN. O texto é exemplar do estilo que marcou o repórter e encantou leitores do jornal. Nestes 60 anos, a TN homenageia, na lembrança de Abmael Moraes, todos os seus repórteres. Os de ontem, os de hoje.

Eu, um produto exportação da TRIBUNA

Já fui repórter pau de arara na Cidade Maravilhosa. (Tempo bom aqueles, Jornal do Brasil, O Globo com mordomia e tudo, claro) que por conta da TRIBUNA). Aluízio me deu essa colher de chá e Woden tirou: “Manda Abmael de volta se não ele fica o resto da vida!” Verdade que eu estava fora pra passar somente um mês e já ia com quase um ano. Sob o argumento de que era necessário, (a impressão era imprescindível pela veemência), voltei à TN.

Imaginem aí: com seis meses de casa somente, já um estágio de quase um ano no Rio, entre o JB e o Globo, era demais para um foca.

O começo foi mesmo na Tribuna do Norte. Walter Gomes, um rival de colégio que quase perdia pra mim nas provas de redação, chegara a Natal para dirigir o jornal a convite de Aluízio, vindo do Jornal do Brasil. Àquela época o grande mito (e espelho) do jornalismo brasileiro.

Inovando, mudando tudo sempre sobre égide do modelo JB. (Imaginem:  o cara deu uma foto de meia página, na primeira do jornal, com as pernas do Jorginho, só as pernas, em cima de uma bola, na véspera de um dos últimos ABC x América que o professor disputou). Me convidou para fazer jornal, em meio a um porre na Peixada Potengi, fazendo parte da mesa Luís Carlos Guimarães e Berilo Wanderley. Não sei se foi a estratégia psicológica do local, ou a companhia ilustre, o fato é que no dia seguinte, acordei repórter da TRIBUNA, em companhia de Cassiano Arruda, que entrava no mesmo dia, sem o detalhe do porre.

Lá já estavam o indefectível Woden Madruga, Francisco Macedo, Ubirajara Macedo, José Machado, Sebastião Carvalho, Gutemberg Mota e outros menos lembrados. De alguns me separei pouco tempo depois por causa da “Redentora de 31 de março” e de outros, muito tempo mais tarde, de uma vez por todas, pela morte. A revolução, graças a Deus, devolveu os primeiros, pra mim não perder de todo.

Walter, inteligentemente, promoveu logo, de cara, uma briga profissional  entre eu e Cassiano. A cada um, separadamente, garantia: “Você é a maior estrela jornalistica do momento”.  E nós dois, engolindo corda, brigando quase as tapas para ser o detentor da manchete da primeira e última página. E o jornal lucrando com a disputa.

Naquela época era comum fazer a constatação:

– A TRIBUNA DO NORTE é uma verdadeira escola de jornalismo.

E eu que já havia ingressando na Faculdade de Jornalismo, naquele ano, sob a influência do batente diário, constatei isso na prática.

– O que aprendia no jornal, desaprendia na Faculdade.

A ponto de um dia ser expulso da sala de aula – veja só, na Faculdade! – por ter tido a ousadia de redigir um lead (bons tempos aqueles que existia lead) considerado revolucionário pelo professor de Técnica de Redação, seguindo os preceitos jotabianos de Walter Gomes (…)

Na Tribuna fui tudo: repórter policial, da geral, esportivo, chefe de reportagem, editor adjunto e editor chefe. Cheguei ao cume, mas não cheguei a cumieira.

– Não cheguei a dono.

Que era o que Aluízio me prometia, quando os salários atrasavam e eu reclamava. “Isto aqui um dia vai ser seu, meu filho”. E o pior é que eu saia liso e conformado, mas sentindo a sensação de filho e dono. Quem não correu o risco, numa oportunidade porém, foi Sanderson Negreiros que, convidado pelo Diário para ganhar o dobro que faturava no jornal, ao apresentar a carta de demissão, recebeu o conselho de Woden, já editor do jornal na ocasião:

– Não faz isso, Sanderson. Espera Aluízio, que chega, essa semana, e como por sinal gosta muito de você entrega pra ele, explicando  sua posição.

– Tá louco Woden? Se eu fizer, isso não somente Aluízio me convence a ficar, como a diminuir  meu ordenado.

E foi.

Eu, já não fui tão feliz.

Depois de um estágio no JB, conseguido por ele, e no Globo, recebi uma proposta para ficar no Rio. Naquela época, setecentos  cruzeiros (eu ganhava oitenta). Num almoço a três – eu, Aluízio e Acir Mera, do Globo  – ele reagiu indignado com a proposta que o jornal de Roberto Marinho me fazia:

– Quer prostituir profissionalmente o menino?

Eu, timidamente, quis informar: Governador, eu só ganho oitenta e eles me oferecem 700.

– Ganhava!

Satisfeito, me imaginei ganhando 700 em Natal. Mas quando recebi 100 ao final do 1º mês da volta, não somente me convenci, depois das explicações de Aluízio de que havia sido aumentando, como que os cem de Natal valiam mais do que os 700 do Rio. E fiquei satisfeito.

Descobriram um dia que, eu tinha vocação polivalente – ganhava para Cláudio Coutinho – seria a solução para o problema eterno da editoria da polícia. Woden, o autor da descoberta. E lá vou eu, solteiro, boêmio, cobrir a noite na Delegacia de Plantão de Plantão, estrategicamente localizada na Quinze, zona do meretrício. Ficava no Bar da Tripa, em frente a Delegacia, pra registrar a última chegada da viatura da RP.

Numa delas, veio o mestre Luis da Câmara Cascudo que, ao se recusar a ser corrigido pela polícia num local das Quintas profundas, onde fazia sua pesquisa folclórica/sociológica , foi trazido até a pedido seu, para a DP. Na sua santa ignorância, o cabo comandante atendeu. E aí o problema passou a ser do delegado de plantão, um tenente novo, que foi trazido às pressas, quase que de calças na mão, da alcova de uma amante garantida na Pensão Paris, pelo prestígio de sua função.

– Depois das desculpas e ver o espinafrado em cima do cabo, o Mestre exigiu a volta ao local do crime, usando o mesmo transporte.

E eu me “furei” voluntariamente, divertido com as cenas que havia em tão pouco tempo testemunhamento. E se não me arrependo disso, me arrependo de não ter sido irresponsável o suficiente, para aceitar o convite de acompanhá-lo de volta (…)

(Woden) cobrava (resultados). Ele não dizia, apenas olhava. Olhar, eu acho, percussor desse olhar do professor meio amalucado do Planeta dos Homens, embora acrescido da “risada de desprezo”. E o que é pior: funcionava. (Até  hoje não consegui na prática utilizar essa teoria). Ou essa prática na teoria, o que dá no mesmo.

Vivia me cobrando. “Essa polícia não está funcionando. Faz tempo que não temos um bom assunto. Como é Abmael? Tem que fazer jus aos seus 20 cruzeiros a mais” (Ai sensibiliza né? 20 cruzeiros a mais? Naquela época valia dinheiro. Hoje é que não se faz dinheiro valorizado  como antigamente!).

Pressionado, criei. A Mulher que recebia marido morto depois de dez anos.

– Marido morto aparece depois de dez anos e encontra mulher  casada.

Olha o sucesso!

Aí, Woden, cobrando: “quero suíte (continuação) e fotos”. Quanto a primeira parte, tudo bem. Janete Clair não amarra a minha chuteira pra criar, mas já a segunda pedida estava fora do meu alcance. Mesmo porque o Anderson Lino não podia ajudar. Fotografar, tá certo, mas criar, nunca entrou na sua seara.

Dois dias ainda aguentei a peteca, me explicando  com ele pela falta de fotos. Quando o cerco se fechou mais, mandei o marido de volta e fiz com que a mulher continuasse com o marido atual, que chegou a abdicar do seu direito em favor do que voltava.

No final, ficou todo mundo satisfeito, menos Woden que até hoje me cobra essas fotos (…)

Da minha turma, hoje, resta pouca gente. Um deles é o Nathanael Virginio, que de notícia – era um menino vendedor de bombons na calçada do Banco do Brasil, 13 ou 14 anos, eu acho, naquela época, mas que lia Kafka, Niestch, Satre, Freud, etc, virou catador de notícias, por invenção da turma na redação.

Para fugir da rotina, começou na reportagem policial. E eu me lembro, nitidamente, da primeira missão jornalística de Nathanias: aparecerá um cadáver de mulher na praia, então deserta, Cotovelo e ele foi lá, cobrir. Na volta, essa beleza de texto:

– O cadáver encontrado ontem na Praia de Cotovelo , dava sinais evidentes de que havia tomado banho recentemente. E depois de autopsiado, deslocou-se para o necrotério.

E nada mais escreveu,  nem lhe  foi cobrado.

Em dez anos passados na casa, vi passar muita gente. Aqueles que a gente sentia logo que dava e outros que desistiam por si só. Assim nesse período, foram colegas meus o Hélio Cavalcanti, o Marcos Aurélio de Sá, Wellington Medeiros e João Batista Machado, o Antônio Melo, e sim, o Lula. O vereador Luis  Sérgio.

Esse era uma parada. Não havia  quem fizesse  o Lula escrever uma matéria com mais de dez linhas. Precisava se ver o jogo dos copy desks,  empurrando de uma pra outro, sem ninguém querer as matérias de Lula. Mas um dia alguém teve uma ideia luminosa:

– Manda Lula fazer uma entrevista com Aluízio. Quero só ver ele chegar aqui com dez linhas  de matéria.

Quem apostou nessa tese, ganhou. Lula, finalmente, trouxe uma matéria com mais de dez linhas. Três horas depois de entrevistar Aluízio, trouxe 15 linhas.

Pô, Lula, só quinze linhas?

É que eu já trouxe copidescada. Uma vocação que se perdeu em benefício da política…

Nem tudo foi flores nestes dez anos. Houve, e como houve, a época das vacas magras. Pagamento a gente perdia a noção da periodicidade: de quinzenal passou a ser mensal, a trimestral e perdeu-se no tempo e no espaço. Lourdes, a tesoureira, e Djalma, o gerente,  uma das muitas invenções de Agnelo, eram campeões de popularidade, na redação. Nós debitávamos  a eles toda a situação.

Até que resolvemos fazer uma greve.

Ana Maria Concentino, em meu nome, já que como editor interino, não podia assumir, foi a líder. Um movimento que tinha tudo pra ser vitorioso. Azar nosso foi Aluízio se encontrar na paróquia. Mandou chamar todo muito no seu escritório lá em cima do Banco Real e foi aquele papo.

– Dinheiro mesmo ninguém recebeu. Mas, em compensação saiu todo mundo rico em perspectivas. Tinha até nego querendo comprar Mustang por conta.

Quem não se lembra do prédio de tantos andares que Aluízio sempre prometia construir? Andar pra redação, andar pra rádio, andar pra televisão, andar para direção e uma sirene. Que era pra anunciar os grandes assuntos que dariam manchete no dia seguinte.

E eu estou vendo que afora a TV, que está vindo por aí, e a sirene (que deve ter sido ultrapassada no tempo) o edifício foi construído. Só que na horizontal.

Ah, sim, teve o caso da Frontfead (é assim que se escreve?).

Uma firma que a Tribuna contratou pra ajeitar as coisas. No caso, organizar. Pois bem: três  meses depois, nada. Ai, aparece que foi Agnelo  – ou já foi Zé Gobat? – cobrou o homem.

– Como é que é?

– O problema está só em encontrar o epicentro.

Engraçado, agente tava ali o tempo todo e nem sabia o que era aquilo e o homem queria encontrar em   três meses.

Foi devidamente dispensado, com os agradecimentos penhorados dos Desorganizadores  Futebol Clube (…)

Nessa corrida, quatro ficaram no meio do caminho: o velho Lauro, o bom Berilo, o gênio Sebastião Carvalho e o diretor Alexis.

Por motivos vários diferentes era muito ligado a todos, ao velho Lauro, por uma efetividade nascida nas batalhas com a oficina, por ter nele sempre um aliado leal e sempre disposto aos sacrifícios que as nossas limitadas condições técnicas exigiam. E eu conseguia trazer o velho Lauro para dialogar comigo, como se não existisse uma diferença de idade de quase quarenta anos. Berilo, é chover sobre o molhado, falar sobre ele. Guardo dele o desligamento pelas coisas fúteis da vida. Aos valores que muitos davam e que ele não conseguia encontrar em certas coisas.

E poderia, de Berilo, até contar o episódio em que ele foi suspenso, pela primeira vez – e talvez a única, na sua carreira jornalística, ao tentar, de porre, cobrir uma falha minha: a produção do Grande Jornal  B-5, na Poti. (Eu mais de porre ainda não  pude chegar lá e Birilo foi para o sacrifício).

Ele foi suspenso e os locutores premiados, por terem conseguido ler  a algarrávia que ele produziu.

Já sebastião, sempre o respeitei e admirei por sua capacidade. Malandro, durante muito tempo, segurou só pra só, a condição de único diagramador do jornal. Com isso não somente se garantia no emprego, como garantia também os porres, sempre dispensados em função do 2que ele representava para o jornal. Morreu de uma maneira violenta, mas coerente com a vida que resolveu assumir. O que, em absoluto, não obscurece seus inegáveis méritos.

Do último – Alexis – é muito difícil pra mim falar. Era meu irmão afetivo. Menos por destino e mais por escolha. Era, inclusive, um dos meus dois filhos profissionais de que assumo a paternidade. Começou pelas minhas mãos e seguindo a minha orientação, até chegar a um ponto em que o professor , orgulhoso,l tinha que render homenagem ao talento do ex-aluno.

Foi-se também estupidamente, de maneira revoltante. As drogas consumiram um dos maiores talentos jornalísticos que o nosso meio já produziu. Ei, gente, não dá pra se jogar uma bomba de hidrogênio em cima desses traficantes de drogas? Ou convocar  Henfil para uma praga daquelas?

O outro meu filho jornalístico, Carlos Morais, está aí. Meu filho, meu primo, meu irmão. Um dos dois que pedi a Agnelo pra compor a minha equipe, quando convidado recentemente, pra reassumir a Editoria de Esportes do novo jornal. Não fui, ele foi, e Alexis não pôde ir.

Daqui de Belém, em O Liberal, acompanhado a nossa TN à distância. Me fazendo presente em pensamento, já que fisicamente estou comprometido com Rômulo Maiorana. E a quem vou representar nessa festa de inauguração do off-set, uma festa que é muito minha pelo que passei esperando por ela. (Abmael Morais – Tribuna do Norte – 17 de outubro de 1979).

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