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África brasileira

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Maria Betânia Monteiro – repórter

No chão de barro, os pés de quatro crianças figuram ao lado de carrinhos de madeira construídos artesanalmente. Em seguida, uma mulher segura um candeeiro, enquanto outra repousa a mão em sua cabeça, num gesto de devoção religiosa. Não muito distante, um homem se equilibra no lombo de um boi, disputando espaço com uma gaiola e dois balaios de mandioca. Estas imagens fazem parte da África, que o Brasil não conhece. Da África das comunidades quilombolas brasileiras. Para divulgar a realidade destas comunidades, o fotógrafo André Cypriano através da Aori Produções Culturais vem realizando desde 2007, uma exposição fotográfica em várias cidades brasileiras. A exposição “Quilombolas – Tradições e Cultura da Resistência” está em Natal e fica até o final deste mês. É uma das mais visitadas exposições da Galeria Newton Navarro, da Fundação Capitania das Artes. Estava prevista para encerrar o período de visitações hoje, mas será prorrogada até o dia 21 de junho por estratégia da Aori.

Exposição “Quilombolas” é a mais prestigiada exposição neste ano na FuncarteSegundo Marcílio Amorim, chefe do Núcleo de Audiovisual da Funcart, a exposição já foi visitada por mais de 600 pessoas, que chegaram ao local, sozinhas ou em grupos enviados por escolas públicas e privadas de Natal. Marcílio fez um balanço da exposição e disse que um dos melhores momentos foi quando, a convite do Núcleo de Audiovisual, a comunidade quilombola Capoeiras – de Macaiba – esteve no local para conhecer através das fotos, as comunidades quilombolas espalhadas no país. Na ocasião, a comunidade de Macaiba foi recebida pelo grupo Folia de Rua ao som do repique dos tambores das passadas de capoeiristas. A Capoeiras participou da festa, apresentando uma dança típica da comunidade, composta apenas por mulheres. “As comunidades quilombolas devem ser preservadas com carinho e com distancia, para que não haja interferência em seu modo de vida”, disse Marcílio.

A mostra fotográfica traz um registro inédito de 11 comunidades quilombolas espalhadas no país e revela para o público as paisagens naturais e humanas, além de práticas culturais remanescentes de países da África. Ao todo são 40 fotografias. Entre elas, 27 em preto-e-branco, no formato 50 cm x 75 cm; 7 fotografias panorâmicas, no formato 40 cm x 110 cm; 6 fotografias em preto-e-branco 30 x 40 cm; 2 mapas; 5 painéis de textos e legendas. Os textos da exposição complementam as informações registradas pelas câmeras e acrescentam outras, que dizem respeito à realidade social das comunidades quilombolas e reforça a importância de revertê-la. Os textos são de Isabel Xavier da Silveira.

A curadoria da exposição é de Denise Carvalho, produtora cultural e diretora da Aori Produções Culturais, empresa realizadora do projeto. O material original faz parte do livro Quilombolas – Tradições e cultura da resistência, com fotografias de André Cypriano e pesquisa de Rafael Sanzio Araújo dos Anjos. Cinco exemplares do livro foram doados a Funcarte e podem ser consultados na Biblioteca.

Quilombolas perdem terreno para fazendeiros

 

As comunidades quilombolas são grupos étnicos –
predominantemente
constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a
partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a
ancestralidade,
as tradições e práticas culturais próprias.

Segundo dados do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, estima-se
que em
todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas. De acordo
com o
Coordenador do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas no
RN,
Thiago Leite, existem cerca de 50 comunidades no Estado.

Apesar do número de comunidades, eles precisam da
ajuda do
governo para defender o seu território, já que as terras onde moram são
constantemente invadidas por fazendeiros. “É muito comum encontrarmos
comunidades
cujos territórios têm sido esbulhados, porque os quilombolas normalmente
não têm
registros de suas terras”, disse Thiago, que também é antropólogo.

Para solucionar o problema, o Incra, através do
Decreto nº
4.887, de 2003 está fazendo a delimitação das terras dos remanescentes
das
comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e
titulações.

Segundo o antropólogo, a exposição é importante na
medida em
que tira as comunidades quilombolas do anonimato. “É muito importante
que a
população saiba da existência das comunidades quilombolas e dos
trabalhos que o
governo têm feito, pois a pouca discussão que há em torno disso tem
provocado
muitos mal-entendidos, inclusive com alguns setores da mídia se
posicionando
contra essa política de defesa do território quilombola”, disse.
Inclusive,
existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em andamento no STF,
para
revogar o Decreto 4.887, que é o instrumento jurídico que regulamenta os
procedimentos
de regularização de territórios quilombolas.

 

Bate-Papo com o fotógrafo André Cypriano

 

As imagens da exposição Quilombolas – Tradições e
Cultura da
Resistência foi um dos projetos sociais e culturais do fotógrafo mineiro
André
Cypriano, que atualmente trabalha em Nova York. De passagem em Minas
Gerais, o
Viver falou com André por telefone. Ele contou sobre a sua experiência
nas
comunidades quilombolas. 

 

VIVER – O que lhe chamou mais a atenção, estando em
contato
com as comunidades quilombolas?

André – Em princípio foi a falta de reconhecimento.
Tem
coisas muito ricas, que estão sendo perdidas. Na comunidade de Cafundó,
em Sorocaba,
existiam três irmãos que falavam o Bantu, um dialeto africano. Este
dialeto
está preservado aqui no Brasil, quando nem na África existe mais. 
Era preciso fazer um estudo para registrar
este dialeto.

 

VIVER – Além do dialeto raro, outro aspecto lhe
chamou a
atenção?

André – Sim. É interessante ver as variações
étnicas. Numa
comunidade, eles têm o rosto comprido, noutra são baixinhos. Como são de
diferentes países da África, eles têm uma constituição diferente. Até a
maneira
de andar é bem distinta uma da outra.

 

VIVER – Qual a maior dificuldade enfrentada nestas
comunidades?

André – O problema número um é a questão de terra.
Eles
sofrem com as constantes invasões de fazendeiros, que os retiram à
força, os
habitantes das comunidades quilombolas.

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