Em 1984, Hélio Câmara, o maior comunicador esportivo nascido nesta terra solar e de encruzilhadas , montou uma pequena e esfuziante equipe esportiva na Rádio Rural, pertencente à Arquidiocese. Hoje, uma potência, naqueles anos, esforço brutal para ser sintonizada em bairros mais distantes do Centro de Natal. Nas Rocas, pegava aos chiados. Transmissor velhinho, versão maior dos rádios de pilha audíveis à base da porrada.
De um grão, Hélio Câmara fazia uma duna. Apelidava os comentaristas, os repórteres, os técnicos. E um deles ganhou o nome de um sucesso estrondoso de Gilberto Gil, “Punk da Periferia”, protótipo do cara suburbano cansado de discriminações e berrando sua revolta em grafites e penteados rebeldes. O Punk – de onde Hélio Câmara tirou a semelhança só ele, Hélio, na eternidade, saberia responder -, era um rapaz de voz feita para AM. Chamava-se Francisco Inácio.
Um repórter de rádio, não um repórter de pista, mero contador de lances de jogo. Um detalhista. Conheci Chico Inácio quatro anos depois, ele na Rádio Tropical, eu na Tribuna do Norte cobrindo esportes. Hélio levava Chico para onde fosse. Nos víamos diariamente. Eu e Chico. E o punk das (minhas) expectativas era um cara tímido, sorridente, trabalhador e seguro.
Hélio voltou para a Rádio Cabugi e Chico Inácio veio também, para cobrir o América. “Agora tudo mudou”, criou o bordão, especialmente para as vitórias sobre o ABC. Certa vez, rara vez, chateou-se com outra lembrança histórica, o operador de rádio Luth Lopes, torcedor alvinegro, que gravou a frase e a usou na repetição de cada gol de um 5×0 do ABC sobre o América em 1997.
Chico Inácio foi um simplório. Não éramos amigos frequentes. Éramos amigos de resenha. Não no estúdio. Fora dele. Chico Inácio, baixinho, gordinho, conquistou do abecedista e do americano aquilo que hoje alguns da nova safra sequer lembram de existir: respeito.
Chico Inácio não angariou ódios nem em espasmos radicais quando o futebol despencava. Fazia o seu trabalho, tinha segurança de sua correção, ensinava aos mais novos sem medo da ganância.
O tempo foi fazendo de Chico Inácio um homem triste. Dissimulava seu estado de espírito, atingido por diabetes, problemas renais e uma persistência que durou até bem poucos dias quando postou no Facebook sua aposentadoria. “Repense Chico”, foi meu comentário.
Desconhecia, além da doença, sua depressão confirmada ontem, em voz embargada, pelo jornalista João Ricardo Correia, que iniciou na cobertura policial com Chico Inácio.
Fiquei sem ter o que dizer ao saber da morte de Chico Inácio, parada cardíaca, na noite de segunda-feira. Estou ficando com medo das noites. Elas estão me levando os amigos. Elas precedem em suspense o amanhecer tenso, quando não, antecipam a tristeza de uma geração que se vai. O próximo embarque é da minha turma.
Chico Inácio. Parte um repórter detalhista, bom de notícias quentes. Pieguice dizer o óbvio comodista dos lutos ou nem tanto: “Vai Chico Inácio, que Deus o receba e guarde”. Certeza de que você não iria gostar. Foste um simples. Se houver vida depois do sepulcro, manda um abraço em papai.