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Ai, as palavras…

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João Medeiros Filho
Padre

As palavras passeiam, frequentam palácios e tugúrios, dançam, viajam, andam de chinelos ou sapatos. Conta-se que Gabriel García Márquez ao escrever, espalhava sobre a mesa de trabalho vários dicionários, de modo que as palavras disputassem umas com as outras. O poeta de Itabira, em seu poema “O Lutador”, já se expressava: “Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos, mal rompe a manhã… Palavra, palavra (digo exasperado). Se me desafias, aceito o combate”. A palavra tem uma força surpreendente: pode ferir ou confortar; unir ou separar; despertar amor ou ódio; humilhar ou enaltecer; compreender ou condenar; incitar à guerra ou trazer a paz. Pode ser amarga ou terna, desumana ou divina. Tem a capacidade de gerar sentimentos paradoxais no ser humano. Consegue provocar danos mais graves que a arma convencional, que atinge o corpo. Ela, porém, fere a alma, causando estragos irreversíveis.

Há palavras chiques e banais, não por conta da semântica, mas por causa da pressão social. Nos aeroportos, quando a viagem é de classe econômica, a indicação da fila está em vernáculo. Porém, no embarque em classe executiva, as palavras mudam para “business” ou “first class”, mesmo se a viagem é apenas de lazer, sem propósito de negócios. Quando se toma uma xícara de café com uma fatia de bolo ou tapioca em casa, diz-se merenda. Se acontecer numa empresa ou escritório, vira “coffee break”. Adquire mais charme, embora não necessariamente mais sabor. Saudades de Ariano Suassuna, que não se curvava diante de estrangeirismos desnecessários e pernósticos.

A linguística vem mostrando que os idiomas vão se desgastando, não só pelo uso, mas também pela submissão colonialista, assimilando palavras e expressões de outras línguas. Assim aconteceu com o latim, que foi se misturando às línguas dos povos colonizados. Parece adquirir um tom mais refinado, quando o autóctone emprega termos insólitos ou estrangeiros. A moda hoje é o inglês, como foi o francês no passado e o grego na Antiguidade. Quem sabe, será o mandarim no futuro? Assim, há quem diga que trabalha “full time” ou “part time”. O povo simples – apesar de já se comunicar pelo “whatsapp” – não usa tais expressões. Dirá apenas que trabalha o dia todo, inclusive sem se preocupar com o que significam os termos ingleses.

O anglicismo pega forte, como dizem os jovens. Prefere-se “sale” à liquidação. E isto pode ser verificado desde lojas sofisticadas – que vendem produtos de marca nos “shoppings” – até aquelas de rua. Um amigo falou que já encontrou tal expressão em barracas de vendedores ambulantes (“camelôs”, o galicismo dá ares de elegância). Na verdade, os brasileiros são mais afeitos a absorver a cultura estrangeira, diferentes de outros povos, que são mais resistentes.

Antes, dizia-se que fulano era diretor de vendas ou gerente comercial. Agora está em moda qualificá-lo de diretor de “marketing”, assim como a operadora de “telemarketing” era telefonista. Se isso aumenta o volume de vendas, não se sabe. Mas, alimenta, sem dúvida, o colonialismo cultural. Os assessores e redatores de autoridades são comumente chamados de “ghost writers”. A atenção dos leitores volta-se para os “best sellers”. Ao se hospedar em um hotel de algumas estrelas, certamente alguém haverá de encontrar nos aposentos um “kit” de higiene, “wi-fi” e outras realidades rotuladas de nomes ingleses. Ao se hospedar em hotéis mais luxuosos, faz-se primeiro o “check-in” (expressão também usada nos aeroportos) e na saída o “check-out”. Nos estádios, teatros etc., costuma haver uma sala “VIP”. Às vezes, quem tem direito ao acesso, não é tão importante quanto pensa, mas o dinheiro ou o cargo fala mais alto. De fato, seria mais democrático não haver tais discriminações.

A informática sofre de um anglicismo crônico e agudo. Parece menos repulsivo manipular um “mouse” do que um rato. Muito se poderia escrever sobre o assunto, mas como o jornal impõe um “deadline” (prazo de entrega), melhor é parar por aqui e enviar o texto por “e-mail” ao redator. É bom pedir a proteção de Ariano para que interceda junto à Compadecida pelos brasileiros, mergulhados em muitos barbarismos, libertando-os de tantos termos pedantes e sem precisão! “E cada um ouvia falar em sua própria língua” (At 2, 6).

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