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Alguns perfis faltantes

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José Narcelio Marques Sousa
[Engenheiro civil]

Eis-me retornando com os pitorescos perfis natalenses do século passado. Acabaram-se os malucos beleza de antigamente. Aquelas figuras burlescas integrantes de um cenário bucólico, de uma cidade pacata atravessando um período de anos dourados. Certamente comporiam a obra de Debret, caso coincidente fosse com a época em que o pintor perpetuou, em gravuras, imagens do Brasil Colônia.

Por onde andam tais personagens? A maioria, talvez recolhida a manicômios ou, em sinal de protesto, desapareceram devido ao burburinho maluco e sem nexo dos tempos atuais. Aqui encerro a maratona saudosista sobre o assunto.

Severino Galvão – Comerciante, publicitário, militar, político e, acima de tudo folião. Falar dos velhos carnavais de Natal é recordar o eterno Rei Momo alternativo Severino Galvão. À revelia da prefeitura municipal, ele se autonomeava soberano carnavalesco e constituía seu gabinete momesco formado por personalidades da capital.

André da Rabeca – Estrábico, olhar perdido no espaço, pouco falante, tocava uma rabeca desafinada pelos bairros da cidade em troca de alguns centavos. Não fosse o som do instrumento seria invisível, tão pouco notado procurava ser. A última vez que o vi foi na Confeitaria Atheneu. Tocou alguns acordes e seguiu para Mãe Luíza, bairro onde morava e morreu.

Joca Madureira – Derrubador de boi em vaguejada e bom de briga, impunha respeito pelo porte atlético. Contam-se dele histórias de enfrentamentos solitários e destemidos com patrulhas policiais nas noites mundanas de Natal de antigamente. Um simulacro tupiniquim do carioca “Madame Satã”.

Pecado – Foi o apelido com o qual o mossoroense Manoel Filgueira Filho angariou fama no mundo estudantil de Natal. Líder carismático e respeitado nunca passou da segunda série ginasial. Projetou-se realizando passeatas pleiteando a manutenção de benesses estudantis. Na revolução de 1964 foi acusado de dedurar colegas aos comandos militares do estado. Credita-se a ele a criação da Cooperativa dos Estudantes de Natal.

Gasolina – Garçom símbolo do Bar Dia e Noite, o bar e restaurante da Rua João Pessoa, na Cidade Alta, que nunca fechava as portas. Acolhia para o lanche da madrugada os dançantes das noitadas ocorridas nos clubes sociais Aeroclube, América e ABC. No cardápio modesto não faltavam ovos estrelados, filé e língua frita. Ali reinava Gasolina sempre prestimoso, mesmo ouvindo uma vez ou outra o pedido: “Gasolina suspenda os ovos e passe a língua!”.

Corisco – “Pai do poço, mão da lua!”, esta era a senha para deixar enfurecido o coitado fraco do juízo. O personagem cultivava paixão política por Aluízio Alves, e para vê-lo literalmente doido de atirar pedras, bastava dizer que ele beijara Dinarte Mariz.

C.. de Ouro – Estigmatizado pelas circunstâncias, este cidadão sofreu na pele o peso depreciativo do apelido. Pianista atualizado com a tendência musical da época era bastante requisitado pelos bons restaurantes da cidade, nos finais de semana. Certa feita eu presenciei o seu constrangimento quando um freguês embriagado, querendo fazer graça, o chamou pelo apelido. Apressado e de cabeça baixa, ele fechou o piano e saiu envergonhado do restaurante de cabeça baixa.

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