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Amar sem fim

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Cláudio Emerenciano 
[ Professor da UFRN]
A humanidade vive momentos enigmáticos, incertos, duvidosos, trágicos e imprevisíveis. Pandemia, guerra, terrorismo atrocidades e até ameaças de uso das armas nucleares. Assim configuram horizontes sombrios. Súbita e inexplicavelmente, um manto de silêncio parece encobrir,  constranger, inibir, sufocar e garrotear qualquer louvação ao mais puro, legítimo, transcendental e inesgotável dos sentimentos humanos: o amor. 
A filosofia e a literatura, através de suas formas de expressão, em todos os tempos e estágios da civilização, elegeram o amor como a fonte, única e insuperável, da grandeza humana. Adversidades e contradições são fruto de sua antítese: o desamor. Michel Quoist (pensador cristão) disse que somente o exercício do amor, individual e coletivo, é capaz de elevar a humanidade à sua vocação e à plena consciência do sentido de sua razão de ser: partilhar com Deus as maravilhas da Criação. O homem, segundo outro grande pensador, teólogo, antropólogo, matemático, físico, geólogo, astrônomo e zoólogo, o padre Teilhard de Chardin, é a mais notável obra da Criação (em “O lugar do Homem no Universo”). Subsiste, então, a questão: – Qual homem? – O que mata? O que explora, violenta, destrói, rouba, agride, prostitui, corrompe, falseia, mente, profana, despreza, ludibria, odeia, inveja, trai e vinga? Os egoísmos, estimulados e decantados em escala universal, alicerçam a “civilização do consumo, do primado dos bens materiais, do ter sempre mais, do prazer por si mesmo”. Essa não é a ambiência do verdadeiro homem, feito à imagem e semelhança de Deus.  Seu Filho, Jesus Cristo, resgatou a condição humana: “deu a vida pelos irmãos”.
 
As pessoas, em todos os tempos, povos e culturas, realizam, pelo menos uma em suas vidas, uma espécie de voo (reflexão) na noite. Contemplam o mundo e a vida com o coração. Visão espiritual. Alçam-se às dimensões que ensejam identificar o essencial da vida. As ilusões se dissipam com a mesma rapidez das amarguras e dos desencantos. Os sonhos, as esperanças e os sentimentos guiam essa ascensão em cada homem. Estado de espírito fascinante e personalíssimo. Suas características são individuais, genuínas e particulares. Como se cada um possuísse, a seu modo, a pureza e os encantamentos da infância. Pois dentro de nós habita a verdade, que a perdemos ou a ignoramos quando nos submetemos ao jogo e às variáveis da malícia, dos egoísmos, das vaidades, da mentira, da covardia e do medo. Se as fragilidades e contradições de Pedro, o Grande Pescador, revelaram-se ao negar o Cristo três vezes, antes do galo cantar duas vezes, sua grandeza se projetou no infinito ao reconhecer seu opróbrio e, ao mesmo tempo, acreditar no poder ilimitado, infinito do amor e do perdão. Eis quando a fé exorciza todas as vulnerabilidades. 
Confere a cada um percepção da infinitude do tempo. Não importa o que é efêmero, fugaz e inconsistente. Porque a espiritualidade encaminha o homem a Deus. É a projeção na Luz e no infinito. 
O mal não tem substância. Seu conteúdo é falso e pérfido. Sua forma e seus objetivos se desfazem, desaparecem e se perdem na poeira do tempo. 
O mal é incompatível com a grandeza e a vocação do homem. Desde os tempos de Abelardo, Dante e Petrarca, quando a sabedoria popular confinou a maldade em si mesma: “o mal por si só se destrói”. Máxima atemporal. Essência de verdade. Assim foi, é e será…
O homem que ama parece assemelhar-se a um “cordeiro no meio de lobos”. O homem somente excede a si mesmo quando se despoja dos seus egoísmos. Pensa e age buscando a felicidade ao servir: “Eu não vim para ser servido, mas para servir”. O serviço é um caminho, um meio, um instrumento através do qual a civilização avança, inspirada e reanimada por ações individuais e coletivas. Não há anistia para o ódio, a violência, a injustiça, a desumanidade, a iniquidade e a infâmia como fins em si mesmos. Objetivos de execrável sistema político, social, econômico e cultural. Não há circunstância capaz de justificar ou legitimar a destruição dos verdadeiros valores humanos. Legados por todos os que, no passado, acreditaram no amor, e pelos que, no presente, praticam-no e o exercitam como forma de viver.
A vida não é estática, sempre igual, monótona e previsível. É incontrolavelmente dinâmica. Seu ritmo se confunde com a evolução universal. Eis a síntese do poema da Criação: amar infinitamente. Desabrochar e renovar, contínua e eternamente, o amor. É possível entender por que o Criador enviou seu Filho para testemunhar e revelar seu Amor: “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (João 1, 2-3). Posteriormente, inúmeras e sucessivas vezes, Ele explicou o sentido espiritual e eterno da vida. E sintetizou sua missão: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. O homem neste século e milênio, atordoado e inseguro ante tantas contradições, perplexidades, angústias, maldades e decepções, somente dentro de si, mobilizando o Espírito de Deus nele mesmo, reencontra a face e a substância do verdadeiro amor. A fé e a consciência de que o amor de Deus liberta plenamente o homem, remindo-o das trevas, da ignorância e da degadação, para torná-lo usuário da Luz eterna.
Esse verdadeiro homem luta, padece, renuncia, cria, transpõe os desertos das falsas ilusões. Enfim, vence. Ascende ao seu lugar nos domínios infinitos do amor. A ascensão espiritual do homem gera implicações e desdobramentos culturais, políticos, éticos e morais. Também materiais, pois cada homem, criado à imagem e semelhança (espírito) de Deus, não pode ser despojado de sua dignidade. Em todos os aspectos. As vozes e o clamor dos deserdados no mundo, vítimas de guerras, misérias e injustiças, chegam ao Criador.  Portanto amar, amar sem fim: sentido universal da Criação.
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