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AMAR

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QQ Coisa – Dácio Galvão
Em tempos de projeto anticrime o que fazer para nos contentarmos? Depois de oito meses tramitando na Câmara Federal finalmente vai para o Senado da República aprovar ou… Enquanto isso as imagens genocidas invadem telinhas mostrando uma realidade cruel, catastrófica, macabra. A insegurança paira sobre tudo e sobre todos. Todas as regiões do país estão sob o signo da violência. O Estatuto do Desarmamento que prevê o controle de armas vigora no país desde 22 de dezembro de 2003. Foi sancionado e posteriormente regulamentado por decreto em 1º de junho de 2004. Contudo, em 2017, estatísticas apontaram para o recorde do Brasil no ítem de assassinatos, com quase 64 mil. Que fazer? Armar ou amar? Amar ou armar?

A plurissignificação das palavras de ordem “amar” ou “armar” numa ambiguidade semântica e interrogativa pode ser um bom exercício de navegação. Elas estão dispostas no poema-minuto-visual do natalense Marcos Silva. De cara o poema levanta a dúvida emparedando à ação a ser desenvolvida. O amor, a arma ou ambos? São opções. Alternativas de ações. O poema anagramático é envolto no balãozinho típico de falas de personagens de histórias em quadrinhos numa absoluta contenção de dois vocábulos. Realiza-se rapidamente, mas não se contenta em poucos desdobramentos. É atemporal. Síncrono-diacrônico como nos ensinou Roman Jakobson. Alimenta atitudes, versões, ações, posicionamentos, decomposições. Sua funcionalidade estaria mesmo ligada ao fluxo de perguntas-estímulos, de provocações políticas e cidadãs. Indaga a melancólica história da política brasileira em 1968, ano da sua produção. É possível interpretá-lo almejando provável catarse da situação vivenciada. Naquela década se constituía dada conjuntura sócio-política extremada num regime de exceção. Agora Marcos Silva reaparece reatualizado noutro contexto instigando o pensar e o refletir sobre mais um momento histórico. O recurso gráfico de histórias em quadrinhos é estratégico pois dilui a priori a sisudez que no fundo o poema carrega. Ele tinha antecedentes:

Um dos quatro quadrinhos criados pelo semiótico Décio Pignatari, em 1965, para compor a capa do Teoria da Poesia Concreta, livro com textos críticos e manifestos, trazia dentro do balão a fala também objetiva:” A poesia é concreta e participante”! Dava sentido ao compromisso político que esta deveria desempenhar no ano de 1965.

Apresentando igualmente o mesmo recurso gráfico, a capa estampada no livro de Moacy Cirne de 1975 – Vanguarda: um projeto semiológico -, radicalizava o discurso objetivo e direto por do meio de embaralhamento e superposições de letras tipográficas, misturandas e adensadas dentro no balão. Representando variadas tipologias gráficas estabelece o caos. Sua leitura no campo da oralização de fonemas, resulta num happening fonético. Esse poema fonético do escritor seridoense estimula certa apreensão dadaísta. Expõe exacerbada carga de entropia linguística.

Assim, Marcos Silva e Décio Pignatari assumem o contexto e o risco. O primeiro, numa síntese poético-ideogrâmica, evocando num certo plano de análise cosmopolita o poema-minuto oswaldiano e no plano local se remetendo à síntese poética de José Bezerra Gomes. O segundo, vem trazendo o enunciado respondendo ironicamente as cobranças que se faziam acerca do engajamento político-poético da Poesia Concreta. Como se nos anos de 1930, não tivesse existido a produção formal-militante dos cubofuturistas.

O poema anagramático determina “o valor semiótico do fonema” enxergou Jakobson. Neste caso, os dois vocábulos são formados por três caracteres (o “a”, repetido duas vezes; o “m” comparecendo uma vez; e o “r”, duas vezes). Extremando em condensação, o poema constrói dois vocábulos em apenas um, os verbos (ARMAR/AMAR) dando condição de se proceder leituras. Verbo que produz outro: “AMAR” que gera “ARMAR” ou vice-versa, conforme a opção feita pelo leitor. Uma após a outra, ou leitura simultânea sobreposta, por exemplo, numa oralização a duas ou mais vozes em agitações de massa. Marcos silva tinha vinculações com o movimento do Poema-Processo. Dois sinais gráficos, o “parêntese” utilizado quatro vezes, e o sinal de “interrogação” uma vez. O balão, sem indicar, ausenta metalinguisticamente o personagem indagador e induz a instigação. Apesar de consumar-se rapidamente, o poema não se consome na mesma velocidade. Injeta relações – é ideográfico – e se poupa de lógica discursiva e analítica. Decompondo-se, encontra-se o “ar”, o “mar”, a “rama” metaforizando liberdade e/ou fixação comportamental.

A idéia diretamente codificada no suporte – balão – distingue-se dos poemas gráficos do carioca Álvaro de Sá, observando-se especialmente a composição linguística e semântica: a produção de Sá extinguia as palavras, perseguia o gráfico-geométrico envolvendo letras e onomatopeias. Já no poema de Marcos Silva os vocábulos aparecem carregados de significados participantes e conteudísticos, expressando a idéia de que era preciso amar os valores de sociedade mais justa, fraterna e tolerante. Para tanto, era e é preciso também se amar referencialmente, ou literalmente. Esse poema resolve-se no limiar de significados diversos, propondo relações de aspectos afetivos, conflitivos e políticos. Muito apropriado para a cena do momento. Afinal, onde está a paz?

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